Pouco importa a verdade. Na atual tentativa de reconfigurar o pacto social e civilizatório, visando materializar os desejos e obsessões pessoais uma vez que se universais fossem, o que passa a ter mais valor é aquilo que se quer confiar, não no que se tem para confiar. Uma “pós-verdade” que depende somente da persistente —e, por vezes, persuasivo— negação dos fatos.
Se com a ruína gradativa da credibilidade das informações concretas o que se esfarela feito poeira é o entendimento sobre o contemporâneo, sobre o que se vive realmente, o retorno a um status de barbárie colocará a humanidade diante de um novo paradigma: da “lei do mais potente” à “lei do mais mentiroso”.
Você acorda cedo para trabalhar. Não há sigilo qualquer, novidade alguma, somente mais um dia de luta e cansaço. Faz o seu corre, garante o sustento, tenta se informar minimamente, mas se repara em um manente estado de incerteza. Não se trata da curiosidade que dita os caminhos do saber, do que querer saber, mas da suspeição diante daquilo que se apresenta com contumaz genuinidade. Falta tempo, disposição e mecanismos efetivos para investigar, apurar e verificar se o que chega via aplicativos de mensagens, redes sociais e até mesmo prelo é factual. Você está com a cabeça enxurro, não quer ter que mourejar com mais esta preocupação.
“Será que ele fez isso mesmo?”, “estão dizendo que isso aconteceu de tal maneira… Achei estranho, mas não sei, vai saber, né?”, “Ah, hoje em dia todo mundo mente, a única coisa que eu sei é que tá tudo ruim”. O não saber, a saber, pode ser o campo fértil para que vigaristas semeiem seus criminosos e falsos grãos, cujos frutos, enquanto vagas promessas, adocicam as ideias, mas não os lábios, pois ao darem no pé, podres já nascem. E é deste pomo que se mente quanto ao gulosice sabor da patranha.
Corrida eleitoral. Não há sigilo qualquer, novidade alguma, somente mais um período no qual as táticas nefastas de perpetuação de patranhas ganham destaque. Seria isso, um mais do mesmo, se o presente não trouxesse o contextura do dedo uma vez que novo cenário —ou solo— para a plantação compulsiva de calúnias. Hoje, vive-se um momento inédito. Prelúdio, talvez, de brutal seca de legitimidade.
Falseia-se pretérito, presente e até porvir; vende-se irreais conquistas; elabora-se promessas que, na verdade, são mais apostas do que garantias; busca-se trilhar o já divulgado caminho do “ódio à política” para que seja provável destruir os debates, reflexões e complexidades que as democracias, por origem, possuem; e zero vinga senão a performance de candidaturas “rebeldes” que buscam lutar por pautas conservadoras com métodos disruptivos a tratar da inverdade uma vez que se instituição fosse. Há, entretanto, um ponto a ser indagado: e quando se quer confiar na patranha por imposição de uma veras insuportável?
Enganar as populações pobres e vulneráveis. Não há sigilo, novidade alguma, somente o libido daqueles que sonham com o poder, geralmente traduzido uma vez que verba. Tratar tais populações uma vez que intelectualmente inferiores, cognitivamente limitadas e passíveis de manipulação descarada se torna o tema mediano de alguns e algumas que buscam voto. Porquê enganar melhor? Porquê seduzir melhor?
Polir-se-á o fruto. Diante do faminto, falará do sabor antes mesmo da mordida. Depois de anunciado, o sabor saberá que já ganhou a boca. Basta esperar o trêmulo desonrar de quem há tempos não sabe o que é manducar. Pouco importará se por dentro o que se tem é o vazio deixado pelo implacável e inevitável decomposição a lembrar a tudo e todos da finitude.
Abocanha-se a patranha porque, antes de ser revelada uma vez que tal, parece de um gulosice talvez nunca provado antes. Um gulosice impossível, irreal, falso, difícil de se crer: mas fácil, muito fácil de se querer. O libido se sobrepõe à verdade. A vontade, quando muita se tem, pois quase zero se possui, é imperativa.
Na “lei do mais mentiroso” o que importa não é a verdade, mas sim o quão verossímil parece ser o semear de lorotas.
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