David Almeida Investiga Arte De Cidades Mineiras Em Mostra

David Almeida investiga arte de cidades mineiras em mostra – 05/11/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

A tradição pictórica brasileira, que começou a se formar a partir do século 18, estabeleceu um diálogo entre a tradição católica europeia, com séculos de história, e as condições históricas brasileiras do período, criando um tanto novo.

Passados quase 300 anos, o artista David Almeida propõe um novo diálogo. Desta vez, estabelecendo um gavinha entre o século 21 e a tradição brasileira a partir de uma pesquisa pelas cidades mineiras da antiga Estrada Real —Ouro Preto, Mariana e Congonhas— e pela cidade do Cariri, no Ceará. As obras criadas a partir dessa investigação compõem a mostra “Vigília”, na galeria Millan, e trazem uma novidade versão da tradição.

A individual está dividida em três partes. O teto da exposição é constituído por painéis de madeira pintados à mão, que formam uma unidade. Os painéis, sem título, remetem às igrejas barrocas, com suas molduras e paisagens ermas em diálogo com o sagrado.

A principal influência veio da Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, e da reflexão do artista sobre a obra do Rabi Ataíde. Nascido em Mariana em 1762, o pintor atuou nas épocas do Barroco e do Rococó e buscou reproduzir, em solo brasiliano, os cânones da pintura sacra católica.

“Uma das coisas que mais me atraiu no Rabi Ataíde é o traje de que aquelas imagens [criadas por ele] soam ‘erradas’ em conferência com o que acontece na Itália, por exemplo, tanto no sentido técnico quanto na produção do cânone.”

Ao mesmo tempo, as pinturas produzidas por Ataíde constituem “uma singularidade do que acontece no Brasil, uma tradução dessa importação de um tanto que não foi visto” em seu contexto original. “Essas imagens não vistas produzem uma novidade imagem.”

Ataíde criou, entre outras, as imagens da nave da Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto. As imagens da sacristia da igreja, por sua vez, não têm autoria confirmada, embora possam ter sido criadas pelo artista. Os painéis criados por Almeida dialogam com essas duas criações.

“Havia uma incongruência que começou a me interessar”, afirma Almeida. A pintura da nave, ele explica, “está muito mais elevada ao firmamento; tinha essa intenção de ilustrar o firmamento na cabeça do leal”.

A pintura da sacristia, por sua vez, vai em sentido oposto, de “esmagamento”, e é composta por quatro quadrantes laterais com figurações de santos penitentes vivendo em paisagens ermas. Ao núcleo, há uma pintura da anunciação de São Francisco de Assis. “Essa elevação da nave, da pintura onde os santos estão sendo anunciados, dialoga com as imagens da sacristia.”

As imagens criadas por Almeida partem dessas paisagens da sacristia para formar cenários imaginários e molduras barrocas. A principal propriedade é valorizar o gesto da pintura mais do que a geração pictórica, sem o compromisso de produzir um tanto dentro dos cânones da pintura, numa referência ao que foi criado pelo Rabi Ataíde.

As pinturas do tela no teto dialogam, na mostra, com pequenas figurações de paisagens expostas em um dos extremos do espaço. Essas pinturas nas paredes remetem a uma antiga tradição católica popular e artística brasileira chamada de ex-voto. O termo vem do latim e significa “por força de uma promessa, um voto”. Nessa tradição, o leal leva à sua paróquia objetos escultóricos ou pictóricos em retribuição a uma perdão alcançada.

“Os ex-votos do Ceará, geralmente, são esculturas. Por exemplo, uma pessoa estava com o braço quebrado, fez uma prece, um pedido ao santo e, quando a prece foi atendida, entregou uma estátua de um braço, que foi para uma parede gigantesca de braços, porquê na igreja de Padre Cícero”, explica David.

No caso do ex-voto mineiro, as peças “eram pinturas, cenas”. “Era um recorte narrativo e, ao mesmo tempo, lavrado em cartório, confirmando que essa negociação com o divino aconteceu”, diz.

Na exposição, o que vemos são paisagens imaginárias, em pequenos formatos, que priorizam a velocidade de produção e a simplicidade das imagens.

“As pinturas de pequenos formatos vêm dessa minha rotina de percursos pelo Brasil. Não há nenhuma pintura feita imediatamente a partir de uma paisagem vista”, afirma.

As paisagens imaginárias, segundo o artista, nascem da relação entre seu olhar e repertório com determinada paisagem, criando uma novidade paisagem a partir disso. Assim porquê artistas porquê o Rabi Ataíde criaram a partir das imagens sacras do catolicismo, embora sem contato com elas em seu espaço original.

As peças escultóricas, que ocupam o núcleo da exposição, são criadas a partir de objetos reais destinados a alguma forma de trabalho —porquê antigas formas para produção de sapatos e chapéus— que recebem intervenções do artista, adquirindo novo significado, agora artístico.

É o caso, por exemplo, de “Caixa de Joias”, uma forma de confecção de tijolos que recebeu uma pintura em sua tampa e a estátua de uma caveira em seu interno. Os objetos, datados dos séculos 18 e 19, foram coletados em suas viagens.

Ao recriar essas peças —por meio de pinturas, inserção de pequenas esculturas e alterações em seu formato original— o artista afirma trazê-las para o tempo presente, conferindo-lhes uma função semelhante à dos oratórios.

“Transformar [o objeto] em objeto de arte é dotá-lo de uma função semelhante à dos oratórios, que é a de receber o sensível do outro.”

Folha

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