David Lynch Foi Quem Melhor Revirou Sonhos Dos Eua De

David Lynch foi quem melhor revirou sonhos dos EUA de 1950 – 17/01/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Nenhum outro cineasta além de David Lynch encontrou e retrabalhou aquele que seria o grande gêiser do imaginário americano do século 20 —os anos 1950. Essencialmente, aquela foi a dezena que portou tudo de pior e melhor da história dos Estados Unidos.

A explosivo H, o imperialismo global, a caça às bruxas do macarthismo e o alienante sonho americano impondo o detença místico do país. Em contrapartida, a iluminada vaga dos rebeldes sem culpa questionando as instituições, a cultura beatnik, o cinema mais moderno de diretores uma vez que Nicholas Ray, a arte de Jackson Pollock, o cool jazz de Miles Davis e o rock’n’roll de Little Richard compondo, juntos, uma frente que germinaria a contracultura nos anos 1960.

Esse “american dream” que, nos anos 1980, ecoava saudosista na era Reagan seria revirado do avesso por David Lynch a partir de “Veludo Azul”, de 1986. A fábula do mundo perfeito encapsulado numa pequena cidade na América profunda, com suas ruas, casas e jardins floridos, era desmontada por uma ouvido decepada tomada por formigas.

David Lynch fará, desde sempre, uma releitura sátira e anárquica desses itens lapidares do imaginário cultural americano. Sua trajetória será o encontro com a Hollywood profunda —a da catarse e espetáculo, e também do pesadelo, da fantasmagoria dos astros e estrelas se transformando em metafísica tal as projeções na tela de cinema.

Sua obra foi avançando para um surrealismo que tricotaria numa mesma tapeçaria os filmes policiais, os fantásticos, os de terror e o melodrama. “Coração Selvagem”, de 1990, tem um pouco de “O Mágico de Oz” junto com Nicolas Cage fazendo o rebelde sem culpa com uma jaqueta de pele de ofídio tal a de Marlon Frouxo em “Vidas em Fuga”, de 1960. A cinefilia e oração cinematográfico gerando uma novidade percepção.

A temporada 1990 da lendária “Twin Peaks” seria a primeira das obras-primas que Lynch faria. A transgressão era tão evidente quanto sedutora, pois Lynch faria desse drama de mistério típico dos produtos televisivos uma obra experimental onde tempo e espaço têm uma lógica própria.

“Estrada Perdida”, de 1997, era uma mergulho mais incisiva no tema Hollywood. Lynch dialoga com “A Morte Num Ósculo”, de 1955, filme noir de Robert Aldrich que conversava com o cinema físico e também com a ficção científica e o apocalipse nuclear.

E um filme pós-moderno por vantagem, e também analítico. A narrativa começava muito anos 1990, enxurrada de afetações visuais e lógicas cifradas. O longa logo recorre à tradição do cinema americano dos anos dourados —o filme noir, a “femme fatale”, o gângster, o rebelde sem culpa, as autoestradas— para assim restaurar uma narrativa à antiga. Mas esta vai descarrilando de volta para o surrealismo pós-moderno.

Sua obra-prima cinematográfica, “Cidade dos Sonhos”, de 2001, porta citações mais claras, das perigosas curvas da Mulholland Drive a uma personagem ser uma Rita Hayworth “fake”, além de cowboy e gângsteres uma vez que os homens do moeda em Hollywood.

Entusiasta dos efeitos da luz, Lynch a usa cá para fazer uma Los Angeles que emana fascínio e fusco mortífero. A cena final, belíssima e bastante teatral, traz Laura Palmer e outras mulheres, uma vez que se o diretor quisesse resgatá-las da farsa de Hollywood.

Não é por menos que Lynch adotaria o “low definition” da câmera caseira para comentar sobre a núcleo ordinária e monetarista de Hollywood em “Poderio dos Sonhos”, de 2006. Um pesadelo, senão uma Sodoma e Gomorra.

Sua obra máxima, “Twin Peaks: O Retorno”, de 2017, dialogaria com os Estados Unidos do século 21 e ironizaria a fria e opressiva tecnologia. E não sem deixar de ir aos seus antecedentes —o oitavo incidente da série mergulha literalmente no cogumelo de uma explosivo nuclear que portava todo tipo de mal.

Lynch não abandonaria seus interesses. A série traria a vasta livraria que é o cinema de Hollywood. Uma releitura de Frouxo, um jovem par enamorado, o muito e o mal encarnado num mesmo ator —justamente o Dale Cooper feito por Kyle MacLachlan—, as lanchonetes, a típica cidade montesina, os amores e os pecados.

A obra que David Lynch nos deixou nos abriu para um outro modo de perceber o estado do mundo. Um sentimento mesmo. No mais, a música a tocar essa partida inesperada desse artista gênio pode ser encontrada em um vídeo no YouTube com Angelo Badalamenti, falando sobre a geração do tema para Laura Palma. Uma música que abriga emoção, dor e maravilhamento.

Folha

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