O último dia do Best of Blues and Rock Festival, realizado na extensão externa do Auditório Ibirapuera, em São Paulo, em dois finais de semana seguidos, foi aquele que teve o melhor line-up para simbolizar a proposta do evento.
Houve ainda um show da orquestra vernáculo iniciante que realmente faz blues e rock, o Hurricanes; uma artista americana muito boa ainda pouco conhecida no Brasil, Judith Hill; e uma orquestra gigante, para lotar o espaço para 15 milénio pessoas. No caso, a mito Deep Purple.
Desde 1991, na primeira visitante da orquestra, não é uma coisa tão difícil assim ver o Deep Purple num palco brasílio. São mais de 70 shows até agora, em 15 excursões pelo país. E essa frequência intensa não é um privilégio do Brasil. É que o Deep Purple simplesmente não para de gravar e excursionar.
São 23 discos de estúdio, e o mais recente, “=1”, já tinha sido apresentado aos brasileiros na turnê do ano pretérito, que teve uma passagem pelo Rock in Rio.
Eles não descansam sobre a glória. Poderiam fazer shows cheios de hits antigos e o público iria gostar. Mas a orquestra quer valorizar seu novo trabalho, incluindo seis faixas de “=1” no repertório.
Assim, deixam fora do show hinos roqueiros uma vez que “Strange Kind of Woman”, “Child in Time”, “Perfect Strangers” e “Woman from Tokyo”. Mas a orquestra é esperta o suficiente para compreender a valor dos hits, logo abriu a noite com “Highway Star” e pôs na segmento final “Smoke on the Water” e “Black Night”.
O Deep Purple que atualmente sobe ao palco é uma coisa híbrida. Traz uma cozinha rítmica monstruosa, com Ian Paice, de 76 anos, na bateria, e Roger Glover, de 79, no reles, integrantes da formação clássica da orquestra no início dos anos 1970, que tinha também Ian Gillan no vocal, Ritchie Blackmore naguitarra e Jon Lord nos teclados.
Don Airey está na orquestra desde 2002, substituindo Jon Lord, morto em 2012. É um grande tecladista, mas mesmo depois de duas dezena na orquestra ainda não consegue evadir das comparações com Lord, talvez o melhor no instrumento na história do rock. Mas foi simpático ao incluir trechos de “Aquarela do Brasil” em seu momento solo no show.
Já Simon McBride, de 46 anos, o único que não passou dos 70 anos na formação atual, tem a dura missão de substituir duas assinaturas musicais clássicas na orquestra. Depois de Ritchie Blackmore ter sido o primeiro grande guitarrista do Deep Purple, Steve Morse ocupou o posto de 1994 a 2022 e conquistou os fãs.McBride é bom, mas nem tanto.
E Ian Gillan, de 79 anos, faz o melhor verosímil, mas é o integrante que evidencia a longa estrada do Deep Purple. Sua voz não é mais a mesma e algumas canções da orquestra são muito desafiadoras. Alguns biógrafos dizem que o grupo escolhe hoje “Highway Star” para o início da apresentação porque depois de algumas canções no palco Gillan não consegue sustentar os longos agudos desse grande sucesso.
Mas o balanço de todas essas condições ainda garante um show de rock imperdível. As músicas antigas são sensacionais e a novidade safra é boa. Seria uma tarefa difícil encontrar qualquer fã desenganado com o que viu no palco.
O Hurricanes, que abriu o dia, foi formado em 2016, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e justificou no Ibirapuera o sobrenome bem-humorado de “Black Crowes brasílio”. Fez um show sem espaço para relaxar, sem falação. Uma cantiga rapidamente posteriormente a outra, com ótimos músicos cabeludos e barbudos, com o guarda-roupa completo do roqueiro sulista americano, até o chapéu.
A orquestra tocou material de seus dois álbuns, “Hurricanes” e “Back to the Basement”. Vários blues em diferentes velocidades, com chances de solos para todos.
O vocalista Rodrigo Cezimbra é um bom “frontman”. Pouca gente já estava no Ibirapuera quando o grupo entrou no palco. Quem quiser saber a boa pegada ao vivo pode ver no YouTube uma série de “live sessions” feita pela orquestra.
Judith Hill tem uma poderosa voz que passeia tranquilamente pelo pop, soul e R&B. Ainda pouco conhecida no Brasil, aos 41 anos ela ostenta uma lista de nomes muito famososquando apresenta sua biografia.
Também guitarrista e tecladista, Hill foi “backing vocal” de, entre outros ilustres, Michael Jackson e Prince. Seu primeiro álbum, “Back in Time”, lançado há dez anos, teve algumas faixas produzidas por Prince. Nesse disco está a irresistível balada “Cry, Cry, Cry”, grande momento do repertório. Mas ela privilegiou canções de seu quinto álbum de estúdio, “Letters from a Black Widow”.
Seu show foi uma deleitável surpresa, com uma orquestra afiada e enxurro de parentes, com destaque para o pai no reles. Hill tem um vozeirão e demonstrou muito talento na guitarra, com evidente influência de Prince, chacoalhando toda a plateia, que logo já estava quase lotada de fãs do Deep Purple. A apresentação em São Paulo foi, assim, um óptimo cartão de visitas da cantora para o público brasílio.