O mosquito Aedes aegypti, transmissor de todas as arboviroses que atualmente circulam no país, inclusive a dengue, chegou a ser erradicado do território brasiliano por volta de 1950, porquê resultado de uma série de medidas para o controle da febre amarela. Entretanto, dadas as atuais proporções de infestação, é impossível sonhar com esse cenário novamente. “O Aedes veio para permanecer”, alertou o infectologista Antonio Carlos Bandeira.
Formado pela Universidade Federalista da Bahia e técnico em saúde pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Bandeira descobriu, em 2015, a chegada do vírus Zika ao Brasil. A doença também é transmitida pelo Aedes aegypti. Em entrevista à Filial Brasil, o médico citou alterações climáticas, sobretudo o aumento das temperaturas, porquê fatores que colaboram para a explosão de casos de dengue oriente ano.
O infectologista manifestou preocupação com o ressurgimento do sorotipo 3 da dengue no país – que não circulava de forma epidêmica há mais de 15 anos. “Mas, independentemente do sorotipo, preocupa a grande quantidade de casos que a gente tem. Porque uma grande quantidade de casos implica uma grande quantidade de complicações e uma grande quantidade de possíveis óbitos”.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista:
Filial Brasil: Nas primeiras semanas de 2024, o número de casos de dengue mais que dobrou em relação ao mesmo período de 2023, que já havia sido classificado porquê ano epidêmico. O que tem causado essa explosão de casos no Brasil?
Antonio Carlos Bandeira: Vários fatores têm causado essa explosão. O primeiro e mais importante têm sido as alterações climáticas. Houve agora, com o El Niño, nos últimos dois anos, uma combinação de muito calor no galeria que segue da Região Meio-Oeste e desce pela porção oeste das regiões Sudeste e Sul. Esse galeria climatológico acabou facilitando muito a disseminação do mosquito tanto para locais da Região Sudeste e, mais importante ainda, da Região Sul. Isso facilitou que o Aedes aegypti pudesse ser disseminado. Não só o Brasil, mas países circunvizinhos porquê Paraguai e Argentina viveram a mesma situação: uma chegada muito poderoso do Aedes aegypti. É um passo para estrear a ter epidemias de dengue, chikungunya e zika.
Outro fator é o desmantelamento que houve, de certa maneira, nos últimos anos, de uma vigilância mais proativa no sentido de instituir medidas porquê larvicida ou o famoso fumacê. Temos períodos que ficaram sem larvicidas. E o terceiro fator é pegar a população que é exatamente dessas regiões que citei e que eram virgens de dengue. Diferentemente da Região Nordeste, em que as pessoas frequentemente tiveram episódios pregressos de dengue. Nesses casos, a pessoa fica um pouco mais resistente, apesar de ainda poder pegar a doença por outros sorotipos. No caso da Região Sul, está todo mundo ali sem nenhum tipo de proteção anterior. E a vacina só agora está sendo pensada.
Filial Brasil: O recente aumento das temperaturas em praticamente todo o país associado à grande quantidade de chuvas contribui de alguma forma para esse agravamento do cenário da dengue?
Bandeira: É, isso que faz com que a coisa complique. Você tem esse galeria de calor e ele fica oscilando com muita precipitação pluviométrica de forma intensiva. Isso facilitou demais. Calor e muita chuva intermitente são a combinação principal para a dengue. Por culpa, de certa maneira, do El Niño. O Aedes aegypti se reproduz mais rápido e vive mais quanto mais elevada é a temperatura. A situação é essa. Ele vive mais e se multiplica mais.
Filial Brasil: A dengue tem comportamento sazonal e sempre retorna de forma epidêmica de tempos em tempos. É geral termos dois anos consecutivos de epidemia se já considerarmos 2023 e 2024?
Bandeira: Estamos diante de populações virgens. A maioria dos casos de dengue que estamos tendo no ano pretérito e oriente ano é na Região Sudeste e Sul. Essa população que nunca teve dengue antes está muito suscetível.
Filial Brasil: O pico da dengue no Brasil geralmente acontece entre março e maio. Em função do início precoce de casos, já em outubro do ano pretérito, há chance de esse pico chegar mais cedo em 2024?
Bandeira: No ano pretérito, a gente teve uma situação completamente dissemelhante porque tivemos, porquê de praxe, a dengue no início do ano. Em fevereiro, já tínhamos muitos casos. Mas, normalmente, as taxas começam a subir em fevereiro, março, abril e, em maio, começam a tombar. No ano pretérito, essas taxas foram altas o primeiro semestre praticamente inteiro, até julho. E só foram estrear a tombar em agosto, já mostrando um comportamento dissemelhante.
Talvez algumas regiões atinjam o pico de dengue antes, mas isso não é guardado. Nesses processos epidêmicos, cada estado, na verdade, tem um comportamento. Depende da precocidade com que se começa a detectar, usar larvicida em grande quantidade, fumacê, alertar a população. Cada estado tem uma mediação dissemelhante. Um está em calamidade pública e, em outro, a coisa é intensa, mas não é trágica. Cada sítio acaba tendo uma dinâmica dissemelhante. Se você não fizer zero, o pico pode chegar antes sim.
Filial Brasil: O sorotipo 3 da dengue não circulava de forma epidêmica no Brasil há mais de 15 anos, mas voltou a registrar casos em 2023 e em 2024. Porquê esse ressurgimento pode aumentar ainda mais as perspectivas para oriente ano?
Bandeira: Sem incerteza, o tipo 3 voltou a rodear. A gente só não sabe se ele vai ser o responsável pela maioria dos casos. A gente não tem porquê saber isso neste momento. Já tivemos a introdução de sorotipos que começam a rodear, mas não vão muito adiante. No pretérito, o sorotipo 4, por exemplo, começou, mas não dominou o espectro da doença. O sorotipo 3 realmente preocupa porque é mais um sorotipo para ocasionar a doença. Por outro lado, pode ser que ele não seja dominante na maior secção dos estados do Brasil. O que a gente está vendo hoje é que os sorotipos 1 e 2 estão fazendo uma grande quantidade de notificação no Brasil porquê um todo.
Neste momento, independentemente do sorotipo, preocupa a grande quantidade de casos que a gente tem. Porque uma grande quantidade de casos implica uma grande quantidade de complicações e uma grande quantidade de possíveis óbitos.
Filial Brasil: O Aedes aegypti chegou a ser erradicado do território brasiliano por volta de 1950 porquê resultado de medidas para controle da febre amarela. É verosímil sonhar com esse cenário novamente, dadas as proporções atuais de infestação?
Bandeira: Nunca. Nunca mais. Não tem porquê. O Aedes veio para permanecer e só faz aumentar. Começou em 1980 no Rio de Janeiro e, hoje, já está presente em praticamente todos os municípios do Brasil. É um mosquito altamente domiciliável. Nessas temperaturas elevadas, não tem porquê. E a tentativa de trazer aqueles mosquitinhos transgênicos, que realmente poderiam ajudar num determinado momento, hoje em dia, não tem porquê. Você teria que soltar mosquitos transgênicos aos bilhões no Brasil inteiro. A gente realmente perdeu o timing da coisa porque ficou parado. Ficou-se, todos os anos, esperando que a epidemia fosse embora. Mas o vírus não entende os apelos e os clamores humanos. Ele quer continuar. Veio pra permanecer mesmo. A saída nossa agora é a vacina. Não tem outra.
Filial Brasil: O controle dos criadouros do mosquito, em tese, não é um tanto tão difícil de se fazer. O que falta? Mais campanha? Maior conscientização?
Bandeira: Cuba, que é uma ilhazinha minúscula quando comparada ao Brasil, não conseguiu erradicar os criadouros com um sistema político altamente concentrado. Para a gente, não tem porquê. É absolutamente impossível, não tem porquê. A única possibilidade seriam tecnologias novas, inovadoras mesmo. Mas até isso bate em uma situação de dispêndio que pode ser muito proeminente para o país todo. Serve para algumas regiões de epidemia, mas é impossível finalizar com o Aedes aegypti. Não é factível, não é viável. Só em filme de Hollywood.
Filial Brasil: O Brasil ainda registra lixões e esgoto a firmamento destapado, além de uma grande quantidade de terrenos baldios sem fiscalização adequada. Porquê o senhor avalia as ações para controle do mosquito no país ao longo dos últimos anos? É preciso mudar de estratégia?
Bandeira: Acho que a gente tem que investir em pesquisa. Os governos, sejam eles federalista, estadual ou municipal, precisam entender, de uma vez por todas, que o que resolve os nossos problemas é a pesquisa feita cá dentro, para as nossas necessidades. É investimento massivo em pesquisa, pra gente poder desvendar novas drogas pra dengue, novas vacinas e assim por diante.
Em segundo lugar, a gente tem que ter coragem mesmo para pensar em atuar nas favelas. Você olha, por exemplo, o que acontece com a dengue. Geralmente, nas áreas urbanizadas, você tem uma taxa de dengue muito menor. Não deixa de ter, mas é menor. Quando você olha as favelas, essas aglomerações no Rio de Janeiro, em São Paulo ou em qualquer lugar do Brasil, esses locais concentram uma quantidade gigantesca de pessoas num espaço minúsculo. Isso vai facilitar muito a transmissão. Um mosquito vai pungir 20, 30 pessoas e passar a dengue porque estão muito pertinho umas das outras. Não há recolhimento de lixo adequado, isso facilita chuva paragem. A questão do saneamento indispensável é horroroso. Mesmo em águas sujas, o Aedes consegue se multiplicar. São áreas críticas para transmissão da doença.
Também são críticas para a criminalidade, para o tráfico de drogas, para doenças diarreicas, para tudo. A gente precisaria fazer um investimento. São 11 milhões de pessoas no Brasil que vivem nas favelas. Quero ver um PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] das favelas. Qualquer governante que tenha coragem de fazer isso. Para que você possa urbanizar. Não precisa mudar a população para fora. Você vai urbanizar aquilo ali. Talvez tenha que desapropriar uma pequena quantidade de pessoas, mas passar ruas, saneamento indispensável, coleta de lixo, organizar o espaço urbano de forma que você possa fazer ações de saúde, larvicida, passar fumacê. Hoje em dia, se você tem um surto em qualquer favela do Brasil, você não consegue subir com o fumacê, passar larvicida. Não consegue fazer zero. Isso sim é atuar nas causas raízes dos problemas.