Deuses da peste parte do teatro e faz grande obra

Deuses da Peste parte do teatro e faz grande obra política – 13/03/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

“Deuses da Peste” é, até levante momento, a grande obra política sobre o Brasil atual, levante que tem sido violentado pela necropolítica e seus horrendos afins. E inédita, pela grande prelecção —cinematográfica— sobre o teatro ser a grande sede e ponto de partida da experiência artística uma vez que meio de mediação no mundo.

O filme será exibido uma vez que secção da 13ª Mostra Tiradentes SP, que traz, até 19 de março, uma seleção de obras exibidas no Festival de Tiradentes, em janeiro.

O teatro aparece neste filme de Gabriela Luíza e Tiago Mata Machado uma vez que meio e ponto de partida para a melhor forma verosímil de reflexão e mobilização, mas nunca sozinho. Uma grande manta destas referências diretas e alusivas trará de “Um Corpo que Cai”, de Alfred Hitchcock, “Mar de Rosas”, de Ana Carolina, a textos de Aimé Césaire, Marquês de Sade, Walter Benjamin, George Bataille, Jean Genet, João Silvério Trevisan e Bertolt Brecht.

Pinturas, gravuras e os efeitos digitais típicos deste século 21 mas remetendo ao sci-fi dos anos 1980 dividirão espaço com músicas de John Cage, Wagner, Francisco Alves e, sem melar a surpresa ao final do longa, o “Vamos ao Teatro” que Leci Brandão cantava contra a ditadura no final dos anos 1970.

O cinema de Tiago Mata Machado já tinha falado sobre o termo das vanguardas artísticas em “Os Residentes”, de 2010, e sobre a impossibilidade de ação via projetos revolucionários em “Os Sonâmbulos”, de 2018. O primeiro possuía uma certa viveza. O outro, um desconto. Em generalidade, viam essas mortes históricas uma vez que um fomento para agir e resistir, atuando em consonância com o processo histórico, entre o pensamento e o viver a vida junto à materialidade do mundo.

“Deuses da Peste” encara um tanto mais súbito, direto e urgente: o bolsonarismo. Exibido e premiado na 28ª edição do Festival de Tiradentes, no início do ano, algumas resenhas à idade reclamaram das citações literais ao bolsonarismo e seus slogans e gestual. Um equívoco, pois esse teor específico serve a uma dialética e a um evidente espírito de colagem típico dos anos 1960. Finalmente, a teoria antes de tudo é localizar a besta para portanto desmantelá-la.

Não serão raros encontros entre as artes visuais e a pop art ou “inserts” de luminosos aludindo a “O Bandido da Luz Vermelha”. Clássico do imaginário coletivo, “Cantando na Chuva” ganha uma reencenação pelo coreógrafo Eduardo Fukushima. A cartela em cor vermelho-sangue faz da catártica cena uma experiência fantasmagórica, profanando o sonho e fantasia do original. Um vermelho, aliás, que remete ao projecto final da obra-prima de Marco Ferreri, “Dillinger Está Morto”, de 1969.

Faz sentido, também, o filme mencionar ao teatro da peste proposto por Antonin Artaud —o grande artista que entendeu a consumação física, psicológica e místico uma vez que um meio de realização. E uma derivação verosímil, aplicada à política recente, que descobre a apropriação para um outro tipo de teatro da peste, o da incitação ao ódio e morticínio.

“Deuses da Peste” é uma espécie de obra em progresso. Onde o rei é William Shakespeare —mais especificamente “A Tempestade”. E o grande artista em cena, Paulo Goya, que passou pelo Oficina e tem o dramaturgo inglês uma vez que ilustrado e razão criativa.

O filme começa essencialmente uma vez que uma obra experimental de Hans Richter dos anos 1920 misturado a Kenneth Anger dos 1960 e um tanto da tradição generalizada que pode ser vista nas videoartes das últimas décadas. A introdução ilustra o sonho do ator dentro do filme feito por Paulo Goya. Lindas e fortes, as imagens oníricas trazem o caos mas também uma pujança de mudança.

Em seguida, a estrutura se apresenta, no melhor sentido do termo, bastante didática. Numa vivenda onde artistas se encontram exilados, Paulo Goya dissertará a um jovem ator feito por Renan Rovida —aliás grande artista do cinema e da Companhia do Latão— sobre o teatro clássico, Shakespeare, a estética teatral que não teria zero de sintético, sendo assim um espelhamento da vida real. É uma vez que se os artistas, armadfos de suas artes, estivessem esperando o chamado para a luta —a cena, a grande obra de arte de atuação junto ao mundo.

O filme seguirá trazendo, desvelados, os exercícios de atuação, os corpos em cena, as caracterizações e indumentárias, as inserções de obras visuais, sonoras, pictóricas etc. Em suma, figuras fortes do teatro contemporâneo, uma vez que Carolina Castanho, darão corpo a performances que acabam fazendo da metalinguagem um tópico que compõe a dramaturgia.

O que seria o grande enredo do filme, “A Tempestade”, ganha um belo desmonte e nunca assume de todo o naturalismo da cena cinematográfica. Antes muito visto uma vez que progressista, Próspero, encarnado por Goya, agora é o rei peste, opressor que escravizou Calibã, papel de Leandro Machado, que pretende vingar a morte de sua mãe, a feiticeira Sylkorax —aliás, feita pela nossa maior atriz brechtiana, Helena Ignez.

A subversão, enfim, é o grande regente de “Deuses da Peste”. A própria estrutura do filme faz, em três atos, uma série de apresentações que não parecem evolutivas uma vez que um manual de roteiro pediria, mas uma reiteração que lança um tanto surpreendente e feérico. A sequência final é uma catarse, um happy end por aquilo que o filme estava falando desde seus primeiros instantes —o artista na cena, a vida contra a morte.

Folha

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