Dia Da Consciência Negra é Reivindicação Social Desde A Ditadura

Dia da Consciência Negra é reivindicação social desde a ditadura

Brasil

Teve longa prenhez o reconhecimento do Dia de Zumbi e da Consciência Negra em 20 de novembro uma vez que feriado social em todo o país: 53 anos. O pausa é maior do que o espaço de tempo entre a Lei Eusébio de Queiroz (1850), que proibiu em definitivo a importação de pessoas escravizadas para o Brasil, e a Lei Áurea (1888), que declarou “extinta” a escravidão no país: 38 anos.

A preferência pelo 20/11 se manifesta pela primeira vez em 1971, em plena ditadura cívico-militar, e partiu de um grupo de estudantes e militantes negros de Porto Prazenteiro, interessados em literatura e artes. Eles não achavam adequadas as celebrações em torno do 13 de maio, dia da assinatura da anulação da escravatura pela princesa Isabel, princesa imperial regente – que formalmente pôs termo a respeito de 350 anos de escravidão negra no Brasil.

O coletivo de rapazes negros, formado em julho daquele ano, depois se denominou Grupo Palmares e era formado por Oliveira Ferreira da Silveira, Ilmo Silva, Vilmar Nunes e Antônio Carlos Cortes. Cortes, hoje experiente legista especializado em recta social e criminal e a única pessoa viva daquela formação original. Segundo ele, também pertenciam ao “grupo informal” Luiz Paulo Axis Santos e Jorge Antônio dos Santos, que tiveram atuação mais discreta.


O poeta Oliveira Silveira foi um dos pensadores e era fichado pela ditadura - Grupo Palmares, 20 de novembro de 1971. Foto: Instituto Oliveira Silveira/Divulgação
O poeta Oliveira Silveira foi um dos pensadores e era fichado pela ditadura - Grupo Palmares, 20 de novembro de 1971. Foto: Instituto Oliveira Silveira/Divulgação

 O poeta e pensador Oliveira Silveira, no Grupo Palmares – Foto Instituto Oliveira Silveira/Divulgação

Nós éramos seis, mas quatro botaram a rostro para sovar e dois ficaram ocultos, uma vez que estratégia nossa, porque se a ditadura nos eliminasse, esses outros dois dariam sequência”, lembra Antônio Carlos Cortes em entrevista à Escritório Brasil. Ao longo do tempo, a elaboração do grupo mudou, inclusive com a ingressão de mulheres.

“O grupinho de negros se reunia costumeiramente em alguns fins de tarde na Rua da Praia (oficialmente, dos Andradas), quase esquina com Marechal Floriano, em frente à Lar Masson”, descreveu o poeta Oliveira Silveira, já formado em Letras na idade, em cláusula assinado em 17 de outubro de 2003 e publicado no livro Instrução e ações afirmativas: entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica.

Conforme o texto, no grupo Jorge Antônio dos Santos era “o crítico mais veemente” ao 13 de maio, mas havia na roda unanimidade contra ter aquela data uma vez que referência histórica de luta pela liberdade para os negros brasileiros.

“O 13 não satisfazia, não havia por que comemorá-lo. A anulação só havia ocorrido no papel; a lei não determinara medidas concretas, práticas, palpáveis em obséquio do preto. E sem o 13 era preciso buscar outras datas, era preciso retomar a história do Brasil”, anotou Oliveira Silveira.

Referências

Segundo ele, que também se tornou responsável de teatro, o grupo conhecia a peça Redondel conta Zumbi, de Gianfrancesco Guarnieri e musicada por Edu Lobo (1965). Zumbi dos Palmares também estava nas bancas de revista, no tomo nº 6 da série Grandes Personagens da Nossa História, editado pela Abril Cultural. Na publicação constava o dia 20 de novembro de 1695 uma vez que data da morte de Zumbi.

Na Livraria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, o logo estudante Antônio Carlos Cortes localiza o livro Quilombo de Palmares (1947), do historiador Edison Carneiro. O livro corroborava a data de 20/11, assim outros livros consultados posteriormente pelo grupo uma vez que As guerras nos Palmares (1938), do historiador português Ernesto José Bizarro Ennes, e Palmares – la guerrilla negra (1965), do historiador gaúcho Décio Freitas e editado inicialmente no Uruguai.

Além da data de Zumbi dos Palmares, o grupo previu realizar homenagens ao legista Luiz Gama em 24 de agosto, e ao jornalista José do Patrocínio em 9 de outubro, datas de promanação dos dois abolicionistas negros. “Estava delineada uma precária, mas deliberada ação política no sentido de apresentar, à comunidade negra e à sociedade em universal, alternativas de datas, fatos e nomes, em negação ao oficialismo do 13 de maio”, explicou em cláusula Oliveira Silveira.

Increpação prévia

A primeira homenagem articulada pelo Grupo Palmares a Zumbi ocorreu no 20/11, um sábado à noite, no Clube Náutico Marcílio Dias, com o evento Zumbi, a homenagem dos negros do teatro. Antes da apresentação, no dia 18, o grupo foi chamado à sede da Polícia Federalista para detalhar a programação do ato e obter liberação da increpação.

“Todas as nossas manifestações tinham que passar pela Polícia Federalista, pela increpação, para que eles carimbassem autorizando aquele ato que a gente ia fazer em função do 20 de novembro de Zumbi dos Palmares. Mais do que isso, eu e o Oliveira chegamos a ser detidos”, lembra Antônio Carlos Cortes sobre testemunho forçado que tiveram de prestar.

A repressão política queria averiguar se o Grupo Palmares tinha ligações com a organização Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), que atuava na luta armada.

Liberados para fazerem a homenagem, no dia do evento os componentes do Grupo Palmares e a audiência no Clube Náutico Marcílio Dias formaram um círculo para saber e discutir a história de Palmares e seus quilombos com base nos estudos feitos pelos estudantes e militantes, defendendo a opção pelo 20 de novembro, em vez do 13 de maio, uma vez que data histórica para os negros brasileiros.

A partir de logo, “Oliveira nunca deixou um ano de fazer alguma atividade no 20 de novembro”, recorda-se a atriz gaúcha Vera Lopes – desde jovem atuante no movimento preto de Porto Prazenteiro. Para ela, a data da morte de Zumbi dos Palmares “é uma referência que remete para aquilo que a gente sempre, desde sempre viveu, que é a luta por vida digna. Em nenhum momento da história, as pessoas negras aceitaram ser escravizadas de bom grado. O tempo inteiro, houve resistência.”

Conjunto de quilombos 

O historiador e professor mineiro Marcos Antônio Cardoso, perito em movimento preto, avalia que Zumbi e o quilombo de Palmares carregam outros atributos importantes. “Essa foi a primeira forma coletiva de organização de africanos no Brasil contra o regime de escravização. Foi uma experiência cultural, política e social.”

Palmares, na verdade um conjunto de quilombos que existiu por murado de um século na Serra da Bojo na capitania de Pernambuco, hoje em União dos Palmares (AL), ia além do cultivo preponderante de unicamente uma cultura agrícola, uma vez que acontecia nos engenhos de cana de açúcar, e tinha formas mais horizontais de comando e de liderança do que o padrão escravagista.

Zumbi, nascido em Palmares, mas criado no Recife por um padre pregador, retorna à região e posteriormente assume a liderança do quilombo sucedendo, por volta de 1680, Ganga Zumba – que havia aceitado uma proposta de rendição e sossego da diadema portuguesa.

Quinze anos posteriormente Zumbi ter assumido a liderança do Quilombo de Palmares, mantendo a resistência, o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho invade e destrói em 1694 o principal assentamento do quilombo (Mocambo do Macaco). Zumbi sobrevive por murado de mais dois anos em outro reduto, até ser morto em 20 de novembro pelo capitão Furtado de Mendonça. Com o corpo esquartejado, Zumbi teve sua cabeça cortada exposta no Recinto do Carmo no Recife.

Utopia da paridade 

Para Marcos Antônio Cardoso, apesar da guião e morte de Zumbi “o processo de resistência, de guerrilha, de organização, é muito importante do ponto de vista de pensar a história do Brasil a partir do olhar dos chamados vencidos. O quilombo de Palmares é ressignificado na memória negra brasileira. Se transforma na utopia de construção de uma sociedade baseada na paridade.”

O gesto do Grupo Palmares em Porto Prazenteiro em tutelar a substituição das comemorações do 13 de maio para o 20 de novembro, no auge da repressão, não teve propósito inesperado de mobilização política. Mas, em 1978, quando a sociedade social volta a se declamar em meio à buraco “lenta, gradual e segura” da ditadura cívico-militar, a bandeira de 1971 do pequeno coletivo gaúcho será abraçada Movimento Preto Unificado (MNU),

“Graças ao esforço do MNU, ampliando e aprofundando a proposta do Grupo Palmares, o 20 de novembro transformou-se num ato político de certeza da história do povo preto, justamente naquilo em que ele demonstrou sua capacidade de organização e de proposta de uma sociedade opção”, descreveu a intelectual e ativista Lélia Gonzalez no cláusula O Movimento Preto Unificado Contra a Discriminação Racial.

Na sua opinião, “Palmares foi o verídico nascimento da nacionalidade brasileira, ao se constituir efetiva democracia racial, e Zumbi, o símbolo vivo da luta contra todas as formas de exploração.”

Causas propostas, articuladas e abraçadas pelo MNU, uma vez que o 20/11, pautaram a redemocratização do Brasil e até se tornaram políticas públicas atuais, uma vez que o ensino da história da África nas escolas brasileiras, reivindicado desde o final dos anos 1970.

Em 2003, o 20 de novembro foi incluído por lei nos calendários escolares. Em 2011, a data é instituída oficialmente. No ano pretérito, também por lei, torna-se feriado pátrio – posteriormente os estados de Alagoas, do Amazonas, Amapá, de Mato Grosso e do Rio de Janeiro e murado de 1.200 municípios já terem asilado a data uma vez que dia sem trabalho, mas com reflexão social.


Brasília - Senador Paulo Paim participa do lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Previdência Social, no auditório Petrônio Portela (Antonio Cruz/Agência Brasil)
Brasília - Senador Paulo Paim participa do lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Previdência Social, no auditório Petrônio Portela (Antonio Cruz/Agência Brasil)

Brasília – Senador Paulo Paim – Antonio Cruz/Escritório Brasil

“É um feriado fundamental para que a gente sonhe um dia em ser um país de primeiro mundo. Nós só seremos um país de primeiro mundo quando pusermos termo a essa lesão do racismo, do preconceito e da discriminação”, afirma o senador Paulo Paim (PT-RS), relator do projeto de lei que transformou o Dia de Zumbi e da Consciência Negra em feriado cívico pátrio.

Os negros são a maioria dos brasileiros. Pretos e pardos representam 55,5% da população – 112,7 milhões de pessoas em um universo 212,6 milhões. Conforme o Recenseamento 2022 (IBGE), 20,6 milhões (10,2%) se reconhecem uma vez que “pretos” e 92,1 milhões (45,3%) se identificam uma vez que “pardos”.

De pacto com Paulo Paim, “toda pessoa negra tem que entender que é progénito de quilombola, e o princípio dos quilombos é esse: uma país para todos.”

Fonte EBC

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