Dias Perfeitos, De Wim Wenders, Tenta Oscar Para O Japão

Dias Perfeitos, de Wim Wenders, tenta Oscar para o Japão – 26/02/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Seguir por duas horas a rotina de um senhor responsável por limpar os banheiros públicos de Tóquio não é, exatamente, uma premissa muito animadora. Mas Wim Wenders sempre teve um palato pelo sensacional, o incógnito, por aquilo que está distante dos olhos do resto do cinema.

Aos 78 anos, o cineasta boche levou ao último Festival de Cannes o longa “Dias Perfeitos”, que apesar da monotonia e sobriedade conquistou uma imensidão de elogios e, agora, chega enfim aos cinemas brasileiros, ostentando uma indicação ao Oscar de filme internacional –para o Japão, seu principal produtor.

Com pelo menos um projeto na direção por ano desde 2014 –foram 18 nesta última dezena, entre ficções, documentários, curtas, séries e especiais–, Wenders conta que escolhe os temas sobre os quais vai se debruçar por possibilidade, conforme fatos e personagens curiosos entram em sua vida.

“Eu não penso nas histórias que tenho dentro de mim, mas fico cauteloso àquelas que se apresentam a mim”, diz ele em conversa por vídeo. “Meus filmes se formam a partir dos lugares [que visito]. Meus personagens são o resultado de uma equação entre história e lugar, eles vêm da vontade de relatar histórias que só poderiam sobrevir em determinado lugar.”

Uma resposta digna para um cineasta que já filmou assuntos tão díspares e sempre arraigados ao contexto em que se desenrolam, dos dramas “Asas do Libido” e “Paris, Texas” aos documentários “Pina” e “O Sal da Terreno”, sobre a coreógrafa alemã Pina Bausch e o fotógrafo brasílico Sebastião Salso, respectivamente.

“Dias Perfeitos”, por sua vez, surgiu primeiro uma vez que fruto de seu paixão por Tóquio, cidade que diz ser uma de suas favoritas e que já enquadrou em “Tokyo-Ga”, de 1985. Segundo, pela surpresa por Yasujiro Ozu, um dos mestres do cinema nipónico, responsável por baluartes uma vez que “Era Uma Vez em Tóquio”, homenageado cá ao emprestar o nome de sua família protagonista ao personagem médio do novo longa.

E terceiro, romantismo à segmento, de um invitação de um empresário nipónico que o queria dirigindo uma série de curtas sobre a mundialmente reconhecida cultura de banheiros nipônica, com suas latrinas tecnológicas, capazes de espirrar chuva em várias direções e aquecer as nádegas de seus usuários.

É um objecto sério para os japoneses, que espalharam por Tóquio uma série de 50 banheiros públicos projetados por arquitetos renomados –dois deles, amigos de Wenders–, em preparo às Olimpíadas de 2020, e que passam por manutenção e limpeza minuciosas.

“De vestuário, a premissa deste filme é incomum, eu não pensei que viajaria para saber banheiros. Me disseram que se eu me sentisse inspirado, gostariam que eu criasse uma série sobre eles. Eu fui, amei os banheiros, mas senti que podia fazer um tanto mais original, completo e multíplice”, diz Wenders.

Assim nasceu o personagem Hirayama, zelador dos banheiros públicos de Tóquio que leva uma vida monótona e solitária. Todos os dias ele acorda, toma o moca, entra em sua van, escolhe uma cantiga de rock anglófono e portanto para, de banheiro e banheiro, para desentupir vasos, lustrar porcelanas e trocar rolos de papel higiênico.

Acompanhamos o protagonista e a leveza de seu dia a dia nos detalhes, uma vez que num “Jeanne Dielman” de Chantal Akerman, até enfim, lá pela metade do filme, entendermos um pouco mais dos motivos que o levaram a uma vida tão pacata e fora do radar, na qual as únicas companhias são imensas coleções de música, literatura e retrato.

Avante do personagem está o nipónico Koji Yakusho, eleito melhor ator no Festival de Cannes do ano pretérito. Por 20 minutos a câmera o acompanha em totalidade silêncio, com somente o esfregão dos banheiros e o motor de sua van uma vez que parceiros de sua jornada de trabalho solitária. Uma preocupação para Wenders, conta ele, que sabia que seria difícil bancar um filme em que zero acontece por boa segmento do tempo.

Ao mostrar uma primeira versão, ainda bruta, para um grupo de amigos, no entanto, o boche percebeu o poder que Hirayama tinha de se conectar com o público –ele vive o momento presente, e isso desperta um tanto dentro de todos nós, acredita.

Com esse tom contemplativo, e a partir de um personagem que olha tanto para o seu interno, Wenders diz ter conseguido, com “Dias Perfeitos”, fazer o filme que mais conseguiu, ao longo de sua curso, transmitir uma sensação de tranquilidade. É um objetivo seu, ele sempre disse, filme detrás de filme.

Ao ser questionado sobre o poder de uma trama e de um personagem uma vez que esses num momento em que duas guerras concentram a atenção do mundo –uma na Ucrânia e outra em Gaza–, Wenders é direto.

“Eu não acho que o cinema tem o poder de mudar o mundo, mas ele pode mudar a nossa percepção de mundo. E eu sinto que chegamos num momento em que precisamos ver o mundo de forma dissemelhante. Não sei o que podemos fazer sobre essas guerras, e eu nunca acreditei em filmes explicitamente políticos, mas acho que seria interessante o cinema tomar para si a missão de nos mostrar um mundo mais pacífico e amoroso.”

Folha

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