Entusiasmado com os primeiros resultados de “Vale Tudo”, uma das principais apostas da TV Mundo ao festejar 60 anos, o principal executivo da emissora, Amauri Soares, projeta uma imagem de crédito e rejeita prognósticos críticos sobre o estado atual da empresa. “Por todas as métricas que a gente olhe, a Mundo cresceu”, diz ele.
Soares diz crer muito na TV 3.0, um novo sistema que tornará a televisão ensejo interativa e customizável. Em outra frente, aguarda o desenvolvimento de uma métrica de audiência única, capaz de medir números tanto na TV quanto no streaming. O executivo ainda serpente com urgência uma regulação das plataformas digitais, inclusive com relação a lucidez sintético.
“Nenhuma plataforma nativa do dedo respeita propriedade intelectual”, reclama. “A audiência da TV ensejo é auditável, a exibição de publicidade tem certificado. Já os players digitais não têm métrica nenhuma e o consumo é aquele que a própria plataforma informa. O oferecido não é auditável”, acrescenta.
Dizendo-se “antialgoritmico”, Soares rejeita a teoria de que a programação da Mundo hoje é mais conservadora. “A Mundo tem uma história de ser uma grande propositora de pautas para discussão e seguirá assim propondo discussões, porque esse é o nosso lugar na sociedade.”
Na emissora desde 1987, o jornalista de 58 anos ocupou cargos importantes no departamento, até mudar de extensão em 2013 e se tornar diretor de programação. Em 2020, em novidade promoção, virou diretor do ducto TV Mundo. Hoje é diretor-executivo dos Estúdios Mundo, da TV Mundo e de Afiliadas.
Soares conversou com a Folha por videoconferência. Leia a entrevista a seguir.
Em 1988, há 37 anos, “Vale Tudo” não somente era líder de audiência, mas era relevante, promovia debates na sociedade, criava modas, gerava consumo. Hoje, comemorando 60 anos, a Mundo ainda pode reivindicar esse papel?
Criamos um perfil para a protagonista Fatima Acioli nas redes sociais há duas semanas, antes mesmo de a personagem se transformar numa influencer, e ela já está chegando em 400 milénio seguidores. A telenovela continua meão no consumo de audiovisual, no entretenimento brasílio. Nenhum outro teor provoca tanta conversa, procura por informação, engajamento e consumo. “Vale Tudo” já dá sinais de que será um fenômeno cultural de novo. Tanto pela audiência quanto pela repercussão. O próprio interesse pelos bastidores da romance é um indicativo disso.
Comemorar os 60 anos é festejar um protótipo que deu muito patente, mas não funciona tão muito hoje. Não é um pouco amarga a comemoração?
A TV Mundo hoje é muito maior do que quando entrei cá, em 1987. É maior em tamanho, em horas de produção, em receita mercantil, em exportação e em alcance de pessoas. Por todas as métricas que a gente olhe, a Mundo cresceu. A TV Mundo, diferentemente da TV de 1987, não está mais presa no aparelho de TV da sala. Ela está no notebook, no celular, no streaming, na caixinha da operadora de TV paga e está disponível on demand, depois que o programa foi ao ar, no Globoplay.
Por que a TV 3.0 é tão importante? E por que há tanta segurança de que ela mudará o jogo?
A TV 3.0 é a junção de dois mundos, o da TV ensejo que conhecemos hoje com recursos que permitem a individualização do consumo, com camadas de customização. Ele permite a formação de grupos para ver em conjunto e também possibilita o direcionamento de publicidade. Ela moderniza a TV ensejo para o testemunha e para o anunciante.
O protótipo atual, com TV ensejo e streaming, põe em questão os dados de audiência. As métricas ainda não dialogam. Mas também passam a sentimento de que as empresas, Globoplay entre elas, não querem terebrar com transparência esses dados. Por quê?
Quando a gente compara a audiência de hoje com a de 20 anos detrás, é evidente que os números são muito diferentes. É uma confrontação assimétrica. Se você perdesse o capítulo da romance, não tinha uma vez que rever. Hoje tem inúmeras maneiras. Infelizmente, não há hoje no Brasil nem em outros mercados uma métrica de audiência que consolide esse consumo. A Kantar está debruçada sobre o objetivo de ter uma métrica única.
Isso gera instabilidade no mercado?
A audiência da TV ensejo é auditável, a exibição de publicidade tem certificado. Já os players digitais não têm métrica nenhuma e o consumo é aquele que a própria plataforma informa. O oferecido não é auditável, não é transparente. É simplesmente informado por quem o gerou. São dois pesos e duas medidas. Vejo o mercado muito interessado em uma métrica única, que dê mais segurança para todo mundo.
O que explica o veste de programas terem audiência baixa ou frustrante e, ao mesmo tempo, serem campeões de publicidade? É o caso do último BBB, não?
A audiência linear é menor, mas o mercado publicitário e as marcas sabem que isso não significa que o teor está sendo menos visto. O BBB deste ano dominou as conversas sobre televisão no Brasil nas redes sociais por quatro meses. Em alguns momentos, chegou a ocupar 90% das conversas. É um oferecido que não aparece na audiência, mas indica a relevância do teor.
Comparado com edições recentes do programa, leste BBB teve uma queda significativa de audiência. Porquê a Mundo viu esse problema?
Essa temporada na TV ensejo teve uma audiência menor, principalmente porque foi exibida junto com uma telenovela, “Mania de Você”, que também não teve uma boa performance. O Big Brother recebia uma audiência menor da romance do que na edição passada. Em TV ensejo, isso afeta.
De que maneira a queda de audiência da TV Mundo e o aumento da concorrência em todas as plataformas afetam as apostas em novos conteúdos?
Não trabalhamos no segmento de teor gerado por usuários, teor amásio. Oferecemos jornalismo profissional, a maior carteira de transmissões esportivas do país, e somos os maiores produtores de teledramaturgia e programas de variedades e auditório do país. Essa é a nossa aposta e seguirá sendo. Não estamos disputando no mesmo lugar que o teor gerado por usuários.
Você concorda que os programas da Mundo de 2025 são mais conservadores do que os da Mundo de 1988?
De maneira nenhuma! Também acho uma simplificação expressar que a sociedade ficou mais conservadora. Pesquisas mostram de maneira muito clara uma vez que a sociedade brasileira avançou em várias questões da agenda de comportamento. A Mundo tem uma história de ser uma grande propositora de pautas para discussão e seguirá assim . Nesse sentido, somos antialgorítmicos. Queremos propor pautas, enriquecer a conversa, apresentar diferentes visões, realidades, mundos, jeitos de viver e amar. Senão, estaremos cada vez mais individualistas, solitários e intolerantes.
Mas a Mundo usa algoritmos.
Não estou condenando o algoritmo uma vez que utensílio tecnológica. Usamos algoritmo para programas, filmes na Sessão da Tarde, usamos para muita coisa. Outra coisa é a informação intermediada por algoritmo, que vai recortando a verdade com base no que você viu no minuto anterior. Ele vai te dando um recorte mais profundo, mas mais restrito daquilo que você gosta e conhece. É um caminho que teoricamente dá prazer. A gente opera num sentido muito dissemelhante. Somos curadores de teor. Apresentamos para debate novos assuntos, novas ideias e histórias.
A política de contratação de artistas por obra é irreversível? A emissora não sente falta de alguns talentos para protagonizar novelas e séries?
Nós só tínhamos um protótipo de contratação, que era por prazo longo e com exclusividade absoluta. Esse protótipo, infelizmente, se tornou insustentável. Hoje temos três modelos. Continuamos com artistas contratados com exclusividade. Temos um grupo com contrato vitalício, que garante remuneração e projecto de saúde para sempre. E tem o grupo contratado por obra.
Esse novo protótipo não dificultou a escalação de ‘Êta Mundo Bom 2’, por exemplo?
Porquê é uma prolongamento da história, o elenco tinha que ser exatamente o mesmo. Seria muito mais fácil fazer isso se todos fossem contratados da Mundo. Não são mais. Mas, mesmo assim, contratamos todos. Nem todo personagem da primeira romance estará na segunda. Mas contratamos todos os personagens que o responsável trouxe para a prolongamento. Não houve problema.
Por que a emissora praticamente abandonou, já há uns cinco anos, sua programação de humor?
Não com o mesmo volume de antes, nós temos oferecido programas de humor todo ano. Nesse momento, tenho 47 projetos de humor em desenvolvimento, em diferentes estágios, para a TV Mundo, canais pagos e Globoplay. Filmes, séries, programas de variedades, todos os formatos possíveis. No caso específico da Mundo, houve uma descontinuidade causada pelo desmanche de um grupo que vinha criando programas de humor e também por motivo da pandemia.
A maior concorrência nas transmissões esportivas é revérbero, entre outros motivos, de uma postura mais conservadora da Mundo na obtenção de direitos. Há planos de mais investimento nessa extensão ou está bom assim? Não dói perder três domingos seguidos para a Record por motivo do campeonato paulista?
Quero pedir um VAR dessa narrativa que perdemos três domingos (risos). Não é uma questão de opção somente, mas de sustentabilidade. Olhamos para a carteira de direitos esportivos, os valores pretendidos e vimos que era insustentável. Tivemos que priorizar. Gostaríamos muito de ter o Campeonato Paulista no nosso portfólio. É o campeonato regional mais importante do país junto com o do Rio. Tem as maiores rivalidades. Mas ele precisa ser sustentável do ponto de vista da exploração de publicidade.
Não é novidade, mas acho curioso, e queria ouvir sua opinião, do por que a audiência da Mundo no Rio é, em média, melhor do que em São Paulo?
Em São Paulo, o número de TVs ligadas lentidão mais a crescer. Provavelmente as pessoas estão levando muito tempo no deslocamento, no transporte. O Rio tem um número de TVs ligadas maior. Isso dialoga com a atividade econômica. Onde você tem uma atividade econômica menor, você tem mais gente em mansão. A grade da TV ensejo precisa atender à dinâmica da mansão.
A Mundo está tomando alguma atitude para enfrentar o uso ou a manipulação de seus conteúdos por terceiros, com utilização de lucidez sintético?
Não é só com lucidez sintético. Todo pai de teor no mundo está preocupado com o inteiro desrespeito com a propriedade intelectual em alguns ambientes digitais. É insustentável. Não dá para ter secção do mercado regulado, auditado, pagador de direitos e impostos, e outra secção do mercado estar absolutamente desobrigada de respeitar propriedade intelectual. As ferramentas de IA vão tornar esse quadro ainda mais latente. Alguma regulação precisa ter. Isso é uma disfunção.
Você está falando do YouTube?
Nenhuma plataforma nativa do dedo respeita propriedade intelectual ou se sente responsável pelo uso de propriedade intelectual de terceiros. Elas se sentem sem qualquer responsabilidade sobre seu uso. Espero que a sociedade faça com a IA um pouco melhor do que fez no pretérito com as plataformas digitais, que estabeleça limites e responsabilidades para todo mundo.
Relâmpago-X | Amauri Soares, 58
Caloso por quatro décadas nos bastidores da Mundo —onde já foi editor-chefe do Jornal Vernáculo, diretor de jornalismo em São Paulo e diretor de programação—, Amauri Soares é há dois anos o principal executivo da TV Mundo e dos Estúdios Mundo, o macróbio Projac