Ditadura: brasil produz menos filmes do que vizinhos 08/04/2025

Ditadura: Brasil produz menos filmes do que vizinhos – 08/04/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

A vaga de golpes de Estado que levou à instauração de regimes militares na América do Sul inspirou mais de milénio filmes ao longo de 60 anos, mas o Brasil produziu menos histórias com essa temática do que seus vizinhos, mostra levantamento feito pela Folha. Exceções são obras uma vez que “Ainda Estou Cá”, de Walter Salles, ganhador do Oscar de melhor filme internacional.

Ao retratar a ditadura ou tramas que se passam no período desse regime, a Argentina, por exemplo, foi premiada duas vezes na mesma categoria do Oscar —em 1986, com “A História Solene “, de Luis Puenzo, e em 2010, com o “Sigilo de Seus Olhos”, de Juan José Campanella.

A produção cinematográfica brasileira sobre a ditadura é menor do que a de Argentina e Chile. Para especialistas em história e cinema, isso se explica pelo investimento em políticas de memória de cada país e também por parcerias internacionais.

“São países com políticas e soluções diferentes em relação à ditadura. Sabemos que a anistia no Brasil foi um tratado e é óbvio que isso também impacta a produção cultural que opera nesse trabalho de memória”, afirma o professor Eduardo Morettin, da Escola de Notícia e Artes da Universidade de São Paulo.

A reportagem coletou títulos cinematográficos mapeados pelos acervos da organização Memória Ocasião, que reúne entidades de direitos humanos da Argentina, do Museu da Memória e dos Direitos Humanos, do Chile, do grupo de pesquisa História e Audiovisual, da USP, coordenado por Morettin, e do site TMDB, o The Movie Database.

Foram considerados filmes de ficção e não ficção com termos relacionados à ditadura na sinopse. Mais de 95% das obras tratam dos regimes ditatoriais da Argentina, com 608 filmes. O Chile surge no ranking com 225, e o Brasil, com 189. A estudo considera as coproduções com outros países.

Embora a maioria desses filmes trate da história de cada país, há exceções, caso. do documentário chileno “Não é Hora de Chorar”, de 1972. A obra aborda a ditadura brasileira por meio de depoimentos de revolucionários enviados ao Chile em janeiro de 1971.

A ditadura militar no Brasil foi de 1964 a 1985. A primeira reflexão sobre o golpe aparece no drama “O Repto”, de 1965, de Paulo César Saraceni. Filmado em 13 dias, a narrativa mostra o romance entre um jornalista e poeta de esquerda e a mulher de um empresário industrial.

O auge da produção vernáculo é registrado em 1979, com 15 obras, a maior secção documentários e curtas, mas também há longas de ficção, uma vez que “Paula, a História de uma Subversiva”. Produzido com recursos da extinta Embrafilme, o drama de Francisco Ramalho Junior analisa as consequências da ditadura para quatro gerações.

Morettin, o professor, diz que o fechamento da Embrafilme, em 1990, impactou o cinema no país. Apesar disso, há obras de destaque na dezena, caso de “O Que É Isso, Companheiro”, de 1997, dirigido por Bruno Barreto e indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Com Fernanda Torres entre as protagonistas, mostra o sequestro do emissário americano Charles Burke Elbrick.

Novos picos de produção foram registrados no percurso dos anos 2000, o último em 2013, com nove filmes, o que os especialistas relacionam aos trabalhos da Percentagem Pátrio da Verdade, concluída em 2014, no governo de Dilma Rousseff, do PT.

Professor do departamento de História da Universidade Federalista do Paraná, Fernando Seliprandy afirma que, por muito tempo, o cinema sobre a ditadura foi centrado nas ações de resistência e testemunhos. Nos anos 2000, surgiram filmes sobre perpetradores e sobre outros perfis de vítimas que não as da classe média branca. “No campo historiográfico do cinema, ‘Ainda Estou Cá’ é um filme vinculado a uma tarifa de memória que já não era a da vez, mas se torna um fenômeno social”, diz.

Na Argentina, os golpes militares de 1955 e 1966 antecederam a tomada do poder pelos militares em 1976, instaurando um regime que vai até 1983. No mesmo ano do golpe, ao menos cinco filmes críticos sobre o tema foram lançados, entre eles “Bandidos uma vez que Jesus”, de Cristina Ruiz e Giampiero Tartagni, sobre a militância de setores progressistas da igreja católica.

Enquanto no Brasil a retomada dos filmes sobre a ditadura ocorreu em gestões petistas, a produção sobre a ditadura argentina tem maior fôlego sob os governos Cristina Kirchner, com tapume de 200 obras feitas de 2007 a 2015. Os picos de lançamentos foram registrados em 2016 e 2018, já sob Mauricio Macri, com 27 filmes em cada ano.

“Os Kirchner adotaram a política de memória relacionada à ditadura uma vez que uma tarifa. Foi criado um espaço de memória onde funcionava a Escola Superior de Mecânica da Armada, usada uma vez que meio de tortura na ditadura. O Brasil sempre teve uma política de memória um pouco mais tímida”, afirma Seliprandy.

Depois de invadir dois prêmios Oscar, a produção sobre a ditadura argentina recebeu uma novidade indicação em 2022, com “Argentina, 1985”, fundamentado na história de procuradores responsáveis por processar autoridades da ditadura, obra estrelada por Ricardo Darín e Peter Lanzani.

No Chile, a ditadura de Augusto Pinochet começou em 1973, com o golpe ao governo de Salvador Allende, e terminou em 1990. Em 1975, críticas ao regime passam a brotar em obras uma vez que “Chove Sobre Santiago”, de Helvio Soto.

O professor Ignácio Del Valle-Dávila, do Instituto de Artes da Unicamp, perito em cinema latino-americano, afirma que muitos cineastas exilados em razão da perseguição do regime Pinochet produziram filmes sobre o Chile em outros países, o que permitiu que a ditadura do país se tornasse mais conhecida.

“Há uma relação possante com políticas de memória desenvolvidas por outros agentes culturais, que formam uma espécie de diplomacia cultural. Essas sinergias podem se trasladar em uma política pública que fomenta discursos sobre a memória histórica, favoráveis a surgimento desse tipo de filme.”

A indústria cinematográfica chilena passou a receber investimentos somente nos anos 2000, somando ao menos 155 filmes sobre o regime militar desde logo. O pico foi registrado em 2015 e 2020, com 15 obras, o que Dávila relaciona a datas importantes sobre o tema no país.

Em 2013, o filme “No”, de Pablo Larraín, sobre a campanha pelo “Não” no referendo que questionava a permanência do general Augusto Pinochet no poder, conquistou uma indicação ao Oscar. Dez anos depois, o tema ainda rendeu “O Conde”, também de Larraín, que levou o troféu de melhor roteiro no Festival de Veneza ao retratar Pinochet uma vez que um vampiro de 250 anos.

Folha

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *