Doação de joão cabral pôs berinjela no mapa de sebos

Doação de João Cabral pôs Berinjela no mapa de sebos do RJ – 07/03/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Em 1999, a Berinjela tinha quatro anos de vida e caminhava para se tornar um dos melhores sebos do Rio de Janeiro. Daniel, o possuinte, depois de um dia esgotante de trabalho, ia encolher as portas quando o telefone tocou: “Gostaria de vender uns livros que estão no último andejar do prédio, que antes era talhado aos empregados”.

Daniel perguntou se poderia passar no dia seguinte: “Preciso que seja hoje, vamos entregar o apartamento amanhã”. Pediu o endereço e o nome da pessoa a quem procurar e, ao ouvi-los –rua 2 de Dezembro, no Flamengo, e João Cabral–, saiu correndo.

Ao comprar das mãos de seu rebento segmento do pilha do poeta João Cabral de Melo Neto, morto naquele ano, Daniel acredita que fez o que um mercante de livros de segunda mão necessita para se estabelecer na terreiro e definir um perfil para sua loja. Uma operação que mistura escolha deliberada de exemplares, pesquisa, faro e sorte. “O sebo do momento é aquele que consegue comprar a melhor livraria”, define.

“A família havia feito uma seleção de livros destinados a leilão, deixando outros espalhados no solo, muro de 4.000, muitos assinados por João Cabral ou com dedicatórias para ele, inclusive de Carlos Drummond de Andrade”, conta.

Junto com o lote, veio o fardão da ABL (Ateneu Brasileira de Letras). “Consegui vender no dia seguinte, graças a Deus, porque dá má sorte.”

Rebento de argentinos e neto de poloneses, Daniel Chomski nasceu no Brasil por contingência, quando a família veio seguir o pai no trabalho. Com sobrenome quase igual ao de Noam Chomsky, ele supõe ser primo distante do linguista. Os dois até se parecem um pouco.

Aos 17 anos, decidiu morar sozinho no Rio. Estudou jornalismo, escreveu resenhas para o Jornal do Brasil. Virou sócio de duas livrarias. A By The Book, no segundo andejar de um mercadinho na terreiro Mauá, era visitada por duas ou três pessoas por dia. Na Brumário, a sociedade não funcionou, e ele saiu para terebrar a Berinjela em 1994.

Queria um nome inusitado. Ter uma loja moderna, meio de tribo. E limpa. Na quadra, a maioria dos sebos no núcleo do Rio lembrava depósitos, com livros em mau estado e cheios de poeira e bolor.

O primeiro nome de batismo –Berinjela, Nabo e Jiló– felizmente foi descartado. O espaço é grande, no subsolo do Marquês do Herval, na avenida Rio Branco, 185, um prédio-monstro com 21 andares, oito elevadores e 630 salas.

O importante era que ficava em frente à livraria Leonardo da Vinci, uma das mais conceituadas da cidade. Com Silvia, mana e sócia, Daniel deu asas à imaginação para atrair a clientela, promovendo shows de rock e campeonatos de botão. A especialização em ciências humanas e sociais e literatura de ficção, além da oferta de vinis, CDs e DVDs, trouxe o reconhecimento.

À esquerda de quem entra, a primeira estante é dedicada à verso. Apreciador do gênero, o livreiro bancou a revista Modos de Usar, que revelou Angélica Freitas e Marília Garcia, e abrigou os lançamentos da Inimigo Rumor, do colega Carlito Azevedo.

Daniel compra livros todos os dias. Diz que 80% do trabalho é braçal, 20% intelectual. “Quando saio daqui, não tenho tempo para ler, vou fazer ginástica.”

O sigilo do negócio é manter o estoque sempre renovado. O freguês que chega ao sebo pela terceira vez e encontra as mesmas ofertas não costuma voltar.

O estoque vai de 10 milénio a 12 milénio livros. Guardados numa sala do sétimo andejar do prédio estão mais 24 milénio exemplares. O site Berinjela, que é independente da loja, oferece muro de 8.000 volumes. Todo primeiro sábado do mês acontece a Feirinha do Subsolo, com descontos, sucesso entre o público jovem; nessas datas, os livros vendidos podem chegar a 500, cinco vezes mais que um dia normal.

Mesmo antes da pandemia, Daniel apostou nas redes sociais para incentivar as vendas. No Instagram, diariamente são postadas pilhas de livros. “Devo ter sido o primeiro a fazer. Permite uma interação grande com o cliente.”

Ele se orgulha de ter formado novos profissionais. Ivan Costa, do sebo Belle Époque, no Méier, e Felippe Marchiori, da livraria Ânimo, ensejo recentemente no Flamengo, aprenderam o ofício na Berinjela.

No mais, é esperar outra sorte grande do tipo Cabral.

Folha

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