Documentário revisita filme de luiz sergio person 02/04/2025

Documentário revisita filme de Luiz Sergio Person – 02/04/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

A produção de “A Hora dos Ruminantes” é um desses mitos sombrios do cinema brasílio. É um projeto não filmado —mas um que, mais de uma vez, quase foi filmado. A primeira tentativa foi feita por Luiz Sergio Person, o nome medial do documentário “Os Ruminantes”, de Tarsila Araújo e Marcelo Mello.

Jean-Claude Bernardet adaptou o livro de José J. Veiga e escreveu o roteiro com Person. Mario Civelli, que nos anos 1950 fundara a Multifilmes, seria o produtor. O negativo em cores já havia sido comprado e as locações encontradas no interno de São Paulo.

A partir daí a história toma um rumo estranho, e relatos derivados de torturas no DOI-Codi dão conta de que o negativo teria sido vendido a um grupo guerrilheiro furtivo, pago com moeda de assaltos, e finalmente usado por Rogério Sganzerla para filmar “Copacabana Mon Amour”, em 1970. Quem confia em relatos obtidos mediante tortura? Mas o mito passa por aí.

Person ainda tentou levantar a produção nos Estados Unidos, sem triunfo e, segundo documentos, sofrendo a interferência de oficiais do Tropa brasílio junto a burocratas americanos. Os militares estariam revoltados não com os “Os Ruminantes”, mas com Person, diretamente, pois “O Caso dos Irmãos Naves”, de 1967, relatava um caso de erro judiciário em que a prática de tortura era mais que explícita.

O caso era do tempo da ditadura Vargas, mas que importa? É evidente que o filme remetia à ditadura instalada em 1964.

“A Hora dos Ruminantes” não tratava de violência física, uma vez que muito acentua Bernardet: era um clima de vexação que se criava com a chegada de estranhos a uma pequena cidade, com acontecimentos estranhos que passavam a assolar o lugar. Até 1968, o filme passaria pela increpação. Depois do AI-5, nem pensar.

Em secção pela logro com o fracasso do projeto, em secção pela situação política da era, a curso de Person sofreu desvios nem sempre felizes: Ele fez a comédia —intragável— “Panca de Valente”, um incidente da interessante “Trilogia do Terror”, emplacou com sucesso outra comédia, “Cassy Jones, o Magnífico Sedutor”, antes de se destinar à produção teatral. Morreu em um acidente automobilístico em 1974, aos 39 anos.

“Os Ruminantes” passa ainda pela ruinosa tentativa de José de Anchieta, no final dos anos 1970. Anchieta chegou a filmar sua adaptação do livro, mas uma tromba d’chuva na cidade em que aconteceram as filmagens arrasou o galpão onde estava montada a cenografia e a produção foi suspensa.

Anchieta conseguiu salvar ao menos um copião, mas nunca levantou moeda para finalizar sua obra. Conforme seu rebento, o cineasta —que morreu em 2019— levava sempre aqueles copiões consigo. Hoje se encontram em estado lastimável.

O mais importante talvez seja a maneira uma vez que a malograda produção afeta a curso de Person e revela os problemas da produção cultural no Brasil. Marina, sua filha, lembra ter recebido o parecer de Carlos Reichenbach, ex-aluno de Person: “Faça o que quiser de sua vida, mas nunca pense em filmar ‘A Hora dos Ruminantes’. É um filme maldito.”

Pelo sim, pelo não, um terceiro cineasta que manifestou o libido de conciliar o livro para um jornal, Silvio Back, tirou o corpo fora: um problema cardíaco de Civelli e a inundação que arrasou a produção de Anchieta eram, em todo caso, um mau presságio.

Fica a questão levantada por Bernardet no documentário. Person era um cineasta com graves divergências em relação ao cinema novo, e por isso combatido por ele. Queria fazer um cinema capaz de divertir o público, mas com valores culturais. Entendia seu projeto uma vez que de esquerda, mas dissemelhante do de Glauber Rocha.

Hoje, tais divergências parecem mais da ordem da superstição, mas não na era. Bernardet também expôs suas reservas em relação ao cinema novo e acreditava em um projeto cinematográfico voltado à classe média.

Depois o fracasso de “A Hora dos Ruminantes”, pouco se viu nas telas um pouco de Person que lembrasse a força de “São Paulo Sociedade Anônima”.

Assim, o que o filme traz não é somente a história de um projeto não realizado, mas de tudo o que o envolve: da capacidade das ditaduras de violentar a cultura, à frustração e ao desaparecimento precoce de Luiz Sergio Person.

Fala de um momento pessoal da produção audiovisual no país, mas, sobretudo, das imensas dificuldades que cercam o trabalho dos cineastas em um país uma vez que o nosso: por excesso de increpação, falta de moeda ou indiferença dos espectadores em relação ao que se produz por cá.

Folha

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