Em sua apresentação uma vez que técnico da seleção brasileira no Rio de Janeiro, Dorival Júnior disse esta frase: “O futebol brasílio não pode viver o que estamos passando. Aprendemos com o futebol brasílio o caminho das vitórias e precisamos reencontrar esse momento”.
Também esta: “É uma obrigação de todos nós fazer o nosso melhor para entregar ao torcedor uma seleção confiável, que passe credibilidade”.
Esta outra: “Peço de coração para que o torcedor volte a participar do dia a dia da seleção”.
E mais esta: “A partir de agora não é a seleção do Dorival, é a seleção do povo brasílio”.
O hoje prestigiado treinador, fruto do trabalho em 2022 no Flamengo (vencedor da Libertadores e da Despensa do Brasil) e de ter levado em 2023 o São Paulo à conquista inédita da Despensa do Brasil, enumerou obviedades, coisas que qualquer um que acompanha futebol tem conhecimento.
Quem não sabe que a seleção pentacampeã mundial está em situação medíocre e desconfortável nas Eliminatórias para a Despensa do Mundo de 2026?
A tábua da competição mostra: o Brasil está na sexta colocação entre os dez concorrentes da América do Sul.
Quem não sabe que a percentagem técnica da seleção tem a obrigação de fazer o melhor?
Se a referência de Dorival, 61, é ao trabalho do predecessor, Fernando Diniz, 49, que ocupava o missão interinamente, fica nas entrelinhas a epílogo de que o técnico do Fluminense não se dedicou ao sumo, e pode ser isso mesmo, já que ele se dividia entre clube e seleção.
Diniz e seu estafe, que fracassaram (três derrotas e um empate em seis partidas), não deixaram de dar o sumo que podiam, dentro de seus limites e limitações, para a equipe engrenar e passar credibilidade.
Se a referência de Dorival é aos jogadores que Diniz utilizou, ele conclui que os convocados (ou segmento deles) estavam descompromissados, desinteressados, desmotivados. Não encararam a seleção com a devida e necessária dedicação.
Na minha visão, isso tem realizado. A sentimento é que a maioria dos jogadores que vestem atualmente a camisa do Brasil não dá o sumo. Um tanto na risco “tanto faz”: “Se ganharmos é bom. Se empatarmos ou perdermos não é bom, mas tudo muito”.
Sem responsabilidade, sem culpa, sem zero. Vida que segue, enfim “logo tem jogo pelo clube, que é quem me paga um baita salário”.
Antes o jogador brasílio “se matava” pela seleção. Estar nela era motivo de orgulho sumo, de incomparável realização. Hoje não mais. A pátria de chuteiras, uma vez que escrevia Nelson Rodrigues, é pretérito.
Dorival incita o torcedor a participar do cotidiano da seleção. Só que a seleção propriamente não tem um dia a dia faz muito tempo –não só ela mas todas as grandes do mundo.
É feita a convocação, muro de duas a três semanas antes da Data Fifa em questão (amistosos ou jogos por competição).
Os jogadores brasileiros, quase todos procedentes da Europa, apresentam-se quatro dias antes do primeiro dos dois jogos na concentração da Granja Comary, em Teresópolis (RJ).
Treinam dois dias, um desportista mais o técnico concedem entrevistas burocráticas aos jornalistas, e viajam para o lugar da primeira partida. Jogam lá e depois viajam para o lugar da segunda partida. Fazem mais um ou dois treinos, novas entrevistas pasteurizadas e vão para o jogo. Desmobilizam-se a seguir e retornam para a cidade do clube.
Os treinamentos mal são abertos para a prensa –a quem se oferece de 15 a 30 minutos para os repórteres verem e os fotógrafos clicarem uma corridinha, um bate-bola ou um “bobinho”–, e não costuma ser dissemelhante para os torcedores, que, sem chegada, não podem aplaudir os jogadores, prestigiá-los, solicitar fotos ou autógrafos. Dar carinho.
O contato dos fãs com o time fica quase sempre restrito aos aeroportos (chegada e partida) e às saídas dos e retornos aos hotéis (para treinos ou para o jogo). Nem sempre são atendidos nos pedidos de selfies.
Nas partidas, quando o Brasil faz um gol, vejo celebração, por vezes pouco efusivas, entre os atletas. Os torcedores festejam a intervalo.
Não há aquela euforia de outrora de o responsável do gol saltar a placa publicitária, driblar os seguranças, aproximar-se dos fãs que pagaram custoso para ir ao estádio dar incentivo. Vibrar perto deles.
Desse jeito, é muito difícil querer que o torcedor se afeiçoe à equipe. Falta empatia, falta boa vontade, falta relação humana. Só quem é muito “pacheco” para permanecer feliz.
O distanciamento é um problema relevante, porém, com paciência dos torcedores (permanecer em fileira, organizadamente) e solicitude da delegação (ter tempo, disponibilidade), sanável.
Que se estipulem duas horas por dia (no hotel ou no lugar de treinamento) e que três ou quatro jogadores, mais o treinador, atendam as pessoas, ofereçam um sorriso, um aperto de mão, um amplexo, uma assinatura com dedicatória na camisa , um “estamos cá para dar tudo pelo nosso país”. E as ouçam, mesmo que brevemente.
Desse modo seria provável gerar um vínculo com os brasileiros, ou ao menos com uma parcela deles. Simpatia e atenção são bons e todo mundo gosta.
Em relação à convocação, aos 23 (às vezes mais) chamados, Dorival cria uma utopia.
Não há “seleção do povo” e não haverá. A seleção sempre será a do técnico (atualmente, Dorival), com espeque ou não do povo.
Só haverá uma verdadeira seleção do povo se for o povo a convocá-la, por votação, o que é inviável no sistema monocrático que sempre existiu e ainda existe.
Para dar voz, mínima que seja, ao povo na sua lista, Dorival teria de conversar com o povo. Ir às ruas dias antes de anunciar os nomes, em algumas cidades do Brasil, e ouvir das pessoas quem elas querem, quais os indispensáveis.
Certamente escutará alguns que não estão diretamente no seu radar. E não escutará gente uma vez que João Pedro (atacante, Brighton), Carlos Augusto (lateral, Inter de Milão) e Pepê (atacante, Porto). Lembrados por Diniz, são ilustres desconhecidos por cá.
As recomendações, se feitas hoje, seriam por atletas que se destacaram recentemente em solo tupiniquim, uns com mais idade, outros com menos: Murilo (zagueiro, Palmeiras), Tiquinho (atacante, Botofogo), Hulk (atacante, Atlético-MG), Fábio (goleiro, Fluminense), Pablo Maia (volante, São Paulo), Zé Rafael (volante, Palmeiras), Alan Patrick (meia, Internacional), Ayrton Lucas (lateral, Flamengo), Yago Pikachu (lateral/meia/ponta, Fortaleza), entre outros.
Chamando esses, Dorival daria voz ao povo e, conforme prega o ditado (“a voz do povo é a voz de Deus”), a Ele. Considerando-se (dizem) que Deus é brasílio… é só esperar dar perceptível.
Esses nomes que jogam por cá talvez mostrem mais raça com a camisa da seleção que os que atuam fora, que estão devendo com a “amarelinha”. Isso até serem negociados e passarem a (ou voltarem a) jogar fora, distanciando-se do fidedigno povo torcedor.
O que torna essa teoria um mero paliativo para uma “doença” que se mostra insanável. Pois minha epílogo é que a seleção está doente, padecendo de males endêmicos.
A equipe precisa vencer e convencer, em campo, e encantar e maravilhar a torcida, em campo e fora dele. Do jeito que está, não se vislumbra nem uma coisa nem outra.
Aguardemos o “médico” Dorival tratar isso, para saber se de um exposição ordinário e refutável sairá alguma coisa dissemelhante, impactante e que surpreenda positivamente. Se ocorrer, será uma façanha.
