No início desta semana, duas notícias veiculadas pela Folha de São Paulo acerca de grandes festas públicas movimentaram as redes sociais. O que quase ninguém colocou em taxa é a urgência de prefeituras e estados organizarem eventos culturais massivos.
Foi no início desta semana que o prefeito de Fortaleza, José Sarto, do PDT, cancelou o show da dupla sertaneja Victor & Leo do São João da cidade. Pesou na decisão o vestimenta de Victor Chaves ainda responder na Justiça por agressão à sua ex-mulher.
Muitos dos internautas também argumentaram que Victor e Leo seriam pouco representativos do São João nordestino. Tanto o prefeito quanto os internautas comungaram da teoria de que prefeitura deve organizar um evento desse porte, discordando eventualmente exclusivamente dos nomes elencados.
A segunda polêmica envolveu a Viradela Cultural paulistana, que ocorreu no término de semana pretérito. Em material assinada por Guilherme Luis e Gustavo Zeitel, esta Folha publicou um balanço da sarau sob o título de “Viradela Cultural de São Paulo acaba porquê museu, com vários artistas ultrapassados”.
A professora da USP, Lilia Schwarcz, influente nas redes sociais, escreveu uma sátira que conseguiu mais de vinte milénio curtidas e foi muito compartilhada: “O que significa uma manchete de jornal declarar que uma atividade cultural ‘acaba porquê museu, com artistas ultrapassados’? Por que será que devolvemos estereótipos quando o objetivo é conseguir likes com uma frase chamativa? (…) Aproveito para me opor a essa visão de museus (elitista e ultrapassada) contida no título do jornal.”
O que a professora colocou em taxa tem sua pertinência. Mas ela não fez nenhuma ponderação ao texto em si, exclusivamente ao título. Acabou se aproximando muito da sátira feita nas redes sociais na atualidade, que não aprofunda debates a partir de leituras textuais, mas exclusivamente se posiciona frente a manchetes escandalosas.
Em ambos os casos, tanto no Ceará quanto em São Paulo, não se colocou em taxa por que o governo deve organizar festas públicas. Quando o Estado gasta organizando festas massivas, é o meu e o seu numerário que está sendo usado. Assim, com uma canetada, onera-se os recursos públicos com gastos baseados no sabor do prefeito ou governador de plantão. E sobra menos para saúde, ensino e segurança.
Há alguns anos, houve grande queixa ao vestimenta de sertanejos terem seus shows bancados por prefeituras minúsculas do interno. A indignação era justa, mas muitos se indignaram exclusivamente porque Gusttavo Lima, um dos pivôs da crise, era bolsonarista.
E quando o governo atua porquê querem os progressistas, aí vale o dirigismo cultural? Se seu artista preposto for contemplado pela Secretaria de Cultura municipal, portanto está visível a prefeitura custear a sarau? Ou quando seu artista odiado perde as bênçãos estatais, aí vale a intromissão estatal?
A intenção dos shows massivos em terreiro pública é sempre boa: levar cultura à população. Trata-se de uma visão tutelada da cultura. É porquê se o povo fosse mero receptor, e não capaz de produzir arte. E quem ganha com isso são os grandes artistas, seja Victor e Leo, ou quem vier a substituí-los, no caso do Ceará, seja Joelma ou Pabllo Vittar, na Viradela Cultural paulista.
Alguns argumentam: está na Constituição que o Estado deve proporcionar cultura aos cidadãos. Mas a única forma de estimular a cultura popular é realizando shows em terreiro pública? Há de se pensar formas menos tuteladas e, sobretudo, sem envolver somas exorbitantes de verba que essas festas demandam.
Outros argumentam que festas massivas trazem verba para o estado. Mas se os shows trazem tanto mercê assim para cidade, não poderia a sociedade social organizá-los? Bastaria ao Estado proporcionar o espaço, segurança e saúde pública. Essa é a obrigação do Estado, não a de remunerar por músicos, palcos, luz, som e cachês de cantores famosos ou grupos carnavalescos.
Não se trata de suprimir o Estado da cultura. A geração de museus é um exemplo de gasto estatal que gera maiores benefícios culturais, que não se esvaem ao sabor de uma noite. Quantos museus e casas de cultura poderiam ser sustentados com a verba da Viradela paulistana ou do São João de Fortaleza?
Outra forma de estimular a cultura seria construindo escolas de música e teatros pela cidade, mormente nas periferias. Ou ainda a contratação de artistas para fazerem oficinas em escolas e comunidades de bairro. Ou mesmo o incitação de música e teatro ao ar livre em praças públicas, para públicos menores, que desfrutariam mais da intimidade com um artista menos inalcançável. Tudo isso também é cultura.
Desde os anos 1980 criou-se no Brasil a estética de sarau massiva que quase sempre depende do Estado para se realizar. São João, Carnaval, Ano Novo, Viradela Cultural são algumas das mega festas financiadas pelo Estado anualmente. Recentemente o show da Madonna também contou com numerário da prefeitura carioca.
Até quando essa será a visão hegemônica de fomento cultural no país?
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