É Possível Debater Com Um Pombo? 24/09/2024 Wilson

É possível debater com um pombo? – 24/09/2024 – Wilson Gomes

Celebridades Cultura

Antes que começassem a voar cadeiras nos debates entre os candidatos a prefeito de São Paulo, já haviam voado os insultos, as acusações de envolvimento com o violação, os apelidos ofensivos e humilhantes e as provocações malcriadas. A violência física foi o desfecho de um longo processo de interação entre os candidatos, que as empresas de jornalismo insistem em invocar de “debates”, mas que de debate urbano mesmo teve muito pouco.

Diz-se que não houve apresentação de propostas nos vários rounds da rinha eleitoral paulistana, mas isso não é verdade. Assisti, gravei e revi todos –por razões profissionais, não por alguma tara peculiar– e houve tantas propostas quanto em qualquer outro campeonato eleitoral. Talvez até mais do que a média, pois, em minha experiência, quanto mais fragmentada e feroz a disputa, mais propostas são despejadas nas campanhas.

Porquê elas não serão realmente examinadas, que ocasião melhor para prometer o impossível e prometer que todos os desejos e necessidades serão satisfeitos? No entanto, o que ficou na memória depois desses encontros –que, finalmente, é o que realmente importa– foi o nível de agressividade e leviandade, que pareceu excessivo até para essa estação em que todos os limites da urbanidade já foram ultrapassados.

Curioso é que todos reclamam da baixaria, mas ninguém abre mão do espetáculo. As empresas de mídia não só acolheram e promoveram esses eventos uma vez que os multiplicaram. Ou nós achamos que tiro, porrada e explosivo entre políticos não dão audiência? Na verdade, somos nós quem damos audiência, parando para ver o circo pegar queimação ao vivo. “Para que tanto desses debates, meu Deus?”, pergunta meu coração socrático. Porém, meus olhos, grudados na tela, não perguntam zero.

O grotesco encanta. Lucram as empresas de jornalismo com a audiência e desfrutamos nós, os espectadores da disputa de rua, mas também faturam os políticos envolvidos, pois gente do país inteiro parou para ver os candidatos a prefeito de São Paulo saírem no tapa, mesmo quando não deu a mínima para eventuais debates entre candidatos da própria cidade.

E a democracia? Muito, a democracia devia estar em moradia àquela hora, assistindo a doramas coreanos e comendo Bis, alheia a essas coisas que zero têm a ver com ela. “Por fim”, pensa ela, “se os paulistanos preferirem Pablo Marçal”, por exemplo, “muito merecem ser governados por ele”. Não é esse o combinado? Na democracia, você escolhe e fica com o resultado, não adianta espernear depois.

Há muitas lições a serem tiradas dessa série de lutas na lodo na “cidade mais rica do país”, que nós, os de fora, descobrimos nos debates ser o epíteto obrigatório de São Paulo.

Primeiro, não é verdade que “não é isso o que o público quer ver nos debates”, uma vez que me explicou um repórter nesta semana. Ora, sejamos realistas: esta eleição mostra que é exatamente isso que uma segmento significativa do público quer ver nos debates, na política e na vida pública. Metade do Brasil estaria disposta a transferir seu morada eleitoral para São Paulo só para votar numa eleição quente, animada, de dedo nos olhos, rasteiras metafóricas e cadeiradas nem tanto.

O vestimenta de que debates eleitorais não foram concebidos para esse tipo de confronto, e que outros públicos considerem detestável esse padrão, não significa que a “marçalização” dos debates não tenha seu público, e que ele não seja imenso.

Segundo, muitos de nós, estudiosos da política, acreditávamos que chegaria o momento em que a extrema direita, uma vez que qualquer movimento radical, cansaria o votante. Por fim, um sistema que exige um nível uniforme de indignação, fúria e antagonismo tende a se tornar extenuante. No entanto, o radicalismo político não perdeu fôlego e, se há um pouco que ameaço a sua perenidade, é o surgimento de desafiantes internos ao próprio sistema. Marçal é uma novidade extração de radicalismo, que desafia o establishment bolsonarista no seu próprio terreno.

Terceiro, vimos que, em uma sociedade radicalizada e polarizada, uma candidatura que faz o seu jogo sem dar a mínima para os combinados acerca dos propósitos de campanhas e debates consegue desestabilizar todo o conjunto. Observar a Marçal nos debates era uma vez que ver, ao vivo, a ilustração perfeita da parábola do “pombo enxadrista”, popular em fóruns da extrema direita.

Debater com ele sobre propostas para a prefeitura é uma vez que tentar jogar xadrez com um pombo: o bicho derruba as peças, defeca no tabuleiro e volta todo contente para o pombal para se gabar de sua “vitória”.


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Folha

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