Eles Andaram 226 Quilômetros Descalços Na Praia Do Cassino

Eles andaram 226 quilômetros descalços na praia do Cassino – 02/05/2024 – É Logo Ali

Esporte

Percorrer 226 quilômetros de areia fustigados por fortes ventos e uma chuva gelada, sem equipamentos, barracas ou calçados. Sim, zero de calçados. Um pequeno grupo de quatro iniciados nas artes da sobrevivência enfrentou, entre os dias 14 e 19 de abril, o duelo Largados no Cassino, que lhes apresentou o diferencial de fazer todo o trajectória expondo a pele dos pés ao impacto esmeril de um solo resistente, seco, e o espírito a uma paisagem em que somente os sobras de animais marinhos mortos e um monte de lixo acompanhavam a odisseia.

Organizado pela empresa Via Radical Brasil, fundada em 2002 pelo coronel da suplente do Tropa Marcelo Montibeller Borges, 52, porquê “uma escola focada na segurança para eventos fora da rotina”, que dá cursos de sobrevivência em todo o país voltados para os mais diversos biomas. O duelo do Cassino começou a ser idealizado há cinco anos. Por se tratar da maior extensão litorânea do planeta e não racontar com nenhum tipo do que se costuma imaginar porquê infraestrutura praiana —ou seja, sem quiosques, pousadas, camarãozinho frito ou qualquer tipo de suporte humano que não o de um único farol habitado ao longo do trajectória—, prometer a integridade dos participantes exigiu um grande investimento e a mobilização de diversos especialistas para o seguimento da viagem.

Depois viabilizar a infraestrutura de suporte ao duelo, Montibeller abriu inscrições para voluntários que se dispusessem a enfrentá-lo. Uma vez que responsável pelas entrevistas que indicaram ao Discovery Warner Channel candidatos para o programa Largados e Pelados Brasil, não lhe foi difícil reunir cidadãos dispostos a encarar os perrengues do Cassino. Rodeados por uma equipe de 12 especialistas que seguia em carros 4×4 totalmente equipados, com telefones por satélite Starlink, rastreadores e olhares atentos para a eventual urgência de retirar qualquer dos participantes da prova, os inscritos foram divididos em dois grupos, um, denominado Sarita, que seguiria com calçados e poderia escolher duas peças de sobrevivência para levar (faca, pederneira etc) e outro, o Albardão, o dos descalços, que só levariam um item. Dos nove que iniciaram, somente 4 terminaram o trajectória, 3 deles justamente do segundo time. E mais: em vez dos sete dias previstos para duração máxima do trajeto, eles o terminaram um dia antes, chegando ao Chuí às 19h do dia 19 de abril.

Um dos descalços que concluíram os 226 quilômetros é o 2º sargento fuzileiro naval recém reformado, “bushcrafter e discípulo de Jesus” Alex de Moraes dos Santos, 49. “Todo fuzileiro é meio maluco, né, a gente gosta muito de proeza”, brinca ele.

Instrutor de sobrevivência na Marinha e técnico em segurança, ele havia determinado, na viradela deste ano, fazer uma marcha de Brasília (DF) a Valparaíso (GO), de 35 quilômetros, sem calçados. “Eu tinha objetivos espirituais, ia caminhando e falando com Deus, mas também fui postando nas redes sociais onde eu estava, porquê era pisar em areia, grama, brita, etc”, relata. Sua jornada chamou a atenção de colegas que acompanham a Via Radical Brasil e que, sabendo do convocação para o duelo, insistiram para que se inscrevesse. “Eu nem sabia dessas coisas, não tinha nem roupa adequada”, lembra. Com a ajuda de amigos, acabou encarando a jornada, para a qual só poderiam racontar com qualquer coisa que achassem pelo caminho, em meio ao sem razão volume de lixo que as correntes espalham pela praia. Com um pormenor: ele saiu de morada carregando no corpo os resquícios de um dos muitos casos de dengue que se espalharam por Brasília, onde mora.

“Mas o mais difícil de enfrentar, apesar dos pés feridos pela areia, foi mesmo o insensível com chuva, que caiu o tempo todo até o último dia”, lembra Moraes, que chegou a cavar com uma pá improvisada pelo colega Luiz Carlos Izzo com um pedaço de plástico uma cova na areia para improvisar um precário abrigo para passar a noite mais fria um tanto protegidos dos ventos que jogavam areia em seus rostos. A inópia foi (quase) driblada por uma laranja podre e um tatu morto encontrados no caminho. “Nós vimos muitos animais mortos, tartarugas, leões marinhos, golfinhos, mas cheirávamos e estavam podres, não dava para manducar”, conta. “Quando achamos um tanto que ainda se podia manducar foi um presente de Deus”, acrescenta.

Para Izzo, 55, jornalista e 2º sargento reservista do Tropa, além do insensível e da chuva, uma das maiores dificuldades da jornada foi “a monotonia geográfica, o cenário é praticamente o mesmo do início ao término, com praia à esquerda, frente arenosa e interminável e praticamente zero à direita”. O jeito que encontraram, ele e Moraes, para evitar uma provável hipotermia, foi caminhar à noite e tentar repousar durante o dia, quando a temperatura era um pouco menos ameaçadora.

“Leste foi meu nono duelo de sobrevivência”, diz Izzo, “mas foi o que mais exigiu esforço físico”. Entre os perrengues que já completou, ele inclui três no Pantanal matogrossense, um na Amazônia, um na Chapada Diamantina e três na Mata Atlântica.

E o que levaram da jornada os dois participantes, além de muitas bolhas e o consolação de mais de 10 quilos de peso corporal deixados pelo caminho? “No primórdio da jornada eu ia catando conchas para levar para morada, mas ao longo do tempo fui largando tudo pelo caminho e só sobraram alguns isqueiros descartáveis que íamos catando para aproveitar e juntar as peças para tentar fazer qualquer queima”, conta Moraes.

Já Izzo foi mais pródigo com os souvenirs e carregou de volta a Itupeva (SP), onde mora, quatro conchas, quatro pedras, a pá improvisada e, também, dois isqueiros velhos. “Eu tinha mais, mas foram retidos no aeroporto”, relata.

Ambos, com certeza, não incluíram entre as lembrancinhas as bolhas e arranhões levados de brinde de uma viagem que muitos definiriam porquê uma experiência única —para não se repetir. Será?

Folha

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