Elizabeth Teixeira, 100, Inspira Festival E Novos Filmes 12/02/2025

Elizabeth Teixeira, 100, inspira festival e novos filmes – 12/02/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Elizabeth Teixeira mora na mesma morada, desde 1985, com a filha caçula, Anatilde Targino Alves, no bairro de Cruz das Armas, em João Pessoa. Lar esta que ganhou do cineasta Eduardo Coutinho, fruto de secção da bilheteria do documentário “Cabra Marcado para Morrer” nos cinemas, do qual ela é uma das protagonistas.

Mulher-símbolo da luta pela terreno, por melhores condições de trabalho do varão do campo e pela reforma agrária no Brasil neste marco do cinema vernáculo, ela completa século anos nesta quinta-feira (13) e será homenageada com três dias de festas no Memorial das Ligas e Lutas Camponesas em Sapé, na zona da mata paraibana.

Magrinha, uma vez que sempre foi, mas um tanto fragilizada pela idade, ela quase não escuta. Em conversa por vídeo com a Folha, ao lado de Maria José, pedagoga aposentada e uma dos 11 filhos dela com o lavrador João Pedro Teixeira —o “cabra” do filme—, ela solta frases soltas, desconexas na maior secção das vezes.

A filha garante, porém, que a saúde da mãe é boa. “Ela não tem triglicérides e colesterol altos, a pressão é óptimo, não tem doença nenhuma. Tem, sim, uma saúde de ferro e ainda virilidade”, diz.

No sofá, Elizabeth fica o tempo todo encostada na filha. De óculos, um vestido branco com detalhes pretos e sandália marrom, ela, de cabeça baixa, parece absorta, pensando em outros tempos. Elizabeth perdeu o marido em 1962, morto por dois policias e um vaqueiro a mando de latifundiários de região de Sapé, onde João Pedro fundou a primeira liga camponesa da Paraíba. Maria José tinha cinco anos.

“A vida da nossa família foi uma tragédia detrás da outra. A morte brutal do meu pai, as perseguições e prisões que minha mãe sofreu, o suicídio de um irmão, o desaparecimento da minha mãe, que fugiu [para São Rafael, no Rio Grande do Norte] para não ser morta e não ser motivo da morte de qualquer dos seus filhos por policiais a mando dos latifundiários.”

Insistindo em qualquer observação de Elizabeth, Maria José pergunta para ela o que acha da reforma agrária. “A reforma agrária vem?”, pergunta ela. “Vem”, responde a filha. “Eu quero terreno para plantar e a reforma agrária no Brasil”, diz Elizabeth, pedindo que Deus proteja o país, antes de mostrar para si. “A cabeça está doendo, minha filha”, afirma, ao final da entrevista.

Nesta quinta, a família irá para a brecha de uma exposição sobre ela no Memorial das Ligas e Lutas Camponesas, seguida de um almoço fechado, que reunirá pela primeira vez todos os filhos —hoje são sete vivos—, netos, bisnetos e tataranetos.

“Elizabeth Teixeira é uma mulher que teve uma vida fenomenal, mesmo diante das dificuldades e violências que ela e sua família sofreram dos latifundiários, do Estado e da ditadura militar, nunca deixou de lutar por terreno para o varão do campo”, diz Alane Maria Silva de Lima, presidente do memorial.

Em “Cabra Marcado para Morrer”, Coutinho fala dos 11 filhos que Elizabeth teve com João Pedro, inclusive quando a reencontra vivendo escondida do regime em São Rafael, em 1981, e adotava, na ocasião, o pseudônimo de Marta Maria da Costa com um dos filhos, Carlos Antônio Teixeira.

Coutinho e a família Teixeira se reencontraram um ano antes da morte do cineasta, em 2014, e rendeu um curta documental lançado uma vez que extra para um DVD de “Cabra Marcado para Morrer”, na qual o diretor entrevista alguns dos filhos de Elizabeth novamente. Mas a filha caçula dela, Anatilde, com quem mora, nem é citada.

O diretor Fábio Rogério, que viajou para Paraíba para filmá-la nas homenagens do seu centenário, em Sapé, para o projeto “Mulher Marcada para Viver”, lembra que Anatilde não é filha de João Pedro Teixeira —pormenor que a família não costuma comentar. O cineasta descobriu isso por uma dissertação sobre a memória da família Teixeira e a relação com os traumas da ditadura, defendida por Anna Rachael de Arruda Tavares —filha de Anatilde e neta de Elizabeth—, que será transformada em livro neste ano.

A história foi escondida de Anna Rachel e de sua mana até um dia em que a mãe decidiu descrever, aos prantos, sobre ser filha de Luís Targino Alves, um varão que ela nunca conheceu —nem sabia se esse nome, oferecido por Elizabeth, era verdadeiro.

Anatilde, conta Anna Rachel, respeitou a decisão da mãe de nunca revelar essa secção da sua história, mesmo que esse silêncio a magoasse profundamente. Segundo a neta de Elizabeth, Coutinho sabia da história de Anatilde, mas nunca quis entrevistá-la.

“Esse apagamento [da relação de Elizabeth com outro homem, após a morte de João Pedro] pode ter relação com o peso que envolve a história dela, de sua luta coletiva pela terreno e a reforma agrária, que se tornou maior que a sua própria vida pessoal e que ganhou notoriedade e valia quase mítica com o filme de Coutinho”, diz a historiadora e professora, Juliana Elizabeth Teixeira do Promanação, neta da ativista.

Anatilde primeiro aceitou falar com a Folha, mas depois mudou de teoria, por se tratar, nas suas palavras, de um matéria muito emocionalmente perturbador. “Sei que preciso superar, mas… Minhas expressas e mais sinceras desculpas”, disse. Feridas, porém, que não diminuem sua aproximação com a mãe. “Esse centenário de Elizabeth promete.”

Em paralelo, Anatilde diz estar colaborando para o filme “Quem é Elizabeth?”, um longa ficcional sobre sua mãe, com roteiro e pesquisa de Kátia Dumont, produção de Drica Soares, da Carambola Filmes, e direção de Inês Figueiró.

Folha

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