Uma delegacia especializada no combate ao crack foi uma das primeiras repostas do governo de São Paulo ao surgimento da Cracolândia, na região meão da capital paulista. Em julho de 1995, o logo governador Mário Covas assinou o decreto que criou o região policial, vinculado ao Departamento de Investigações Sobre Narcóticos (Denarc). Foi nesse ano que o termo Cracolândia começou a ser usado pelos grandes jornais paulistas para nomear a aglomeração de pessoas que se formava nos bairros da Santa Ifigênia e dos Campos Elíseos para fumar a droga.
No início da dezena de 1990, o consumo e venda da cocaína em pedra, preparada para ser fumada já era noticiado na região. Porém, só qualquer tempo depois a ocupação de pessoas, a maioria em situação de rua, passou a ser chamada de Cracolândia pelos jornais, termo, segundo os veículos de notícia, criado pelos próprios usuários e acabou por estigmatizá-los. .
A delegacia inaugurou as políticas de repressão contra o transacção e consumo da droga na região meão de São Paulo. Em 2012, foi extinta por decreto pelo logo governador Geraldo Alckmin.
Quase 30 anos depois, a Cracolândia ainda é meta de ações policiais que parecem surtir pouco efeito no sentido de reduzir o uso ou a venda de drogas.
Mais de 5 milénio boletins de ocorrência
Em 12 anos, até o final de 2023, o 3º Província Policial, dos Campos Elíseos, um dos que atende a região da Cracolândia, foram registrados 3.113 casos de tráfico, uma média de 259 por ano. Na 77ª Delegacia de Polícia, da Santa Cecília, também responsável por secção das ruas por onde circula a aglomeração de pessoas, foram pouco mais de 2 milénio registros de tráfico ao longo desses anos, segundo dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública de São Paulo.
“Eu vejo [a Cracolândia] porquê um exemplo muito caricato mesmo da questão da guerra às drogas, um exemplo muito pontual, se confinou pessoas ali de certa maneira a uma região por conta da criminalização das drogas. E a criminalização impede que qualquer outro tipo de política que veja as drogas por uma visão não policial seja implementada”, analisa o pesquisador Almir Felitte, responsável do livro A história da polícia no Brasil: Estado de exceção permanente?.
Dor e sofrimento
Depois grandes operações policiais, vários prefeitos afirmaram que a Cracolândia havia sido extinta. Em 2008, Gilberto Kassab, que estava avante do Executivo municipal, anunciou o término das ruas tomadas por usuários de crack. Em janeiro de 2012, na gestão de Kassab seria realizada a Operação Dor e Sofrimento, quando as pessoas eram obrigadas a circunvalar continuamente, não podendo se concentrar nas ruas, sendo impedidas pelos policiais, que lançavam bombas de gás lacrimogêneo e cassetetes. O Ministério Público Estadual obteve uma liminar que proibiu a Polícia Militar de promover ações “vexatórias, degradantes ou desrespeitosas” contra pessoas desprotegidas socialmente.
Na ocasião, o logo coordenador de Políticas sobre Drogas do governo estadual, Luiz Alberto Chaves de Oliveira, disse que a repressão regular das pessoas nas ruas tinha a intenção de gerar “dor e sofrimento” para que elas buscassem atendimento nos serviços públicos.
Militante de direitos humanos e ativista na redução de danos na região desde 2011, Roberta Costa acompanhou de perto a operação. “Veja só, o Poder Público declara, sem papas na língua, que vai fazer uma operação para motivar dor e sofrimento nessas pessoas já com tantos sofrimentos estruturais e pessoais, para ver se causando dor e sofrimento, elas saem dali, porque está atrapalhando a via pública e a estética da cidade”, contou.
“Parece contraditório, mas de lá para cá continua se fazendo mais ou menos a mesma coisa”, diz a ativista.
Outro término da Cracolândia
“Indumento importante e relevante é que quebramos o gavinha da espaço criminosa, que distribuía drogas cá claramente e vendiam drogas em um verdadeiro shopping center ao ar livre de drogas. Isso acabou e por isso declarei que foi o término da Cracolândia”, disse o logo prefeito João Doria, em maio de 2017. Havia feito de ser realizada uma grande operação policial que envolveu mais de 900 agentes, principalmente da Polícia Social.
“Teve toda aquela cena de guerra, com centenas de policiais chegando e destruindo as coisas das pessoas, com elas perdendo os pertences”, relembra Roberta Costa. Poucos dias depois, a aglomeração, concentrada na Rua Helvetia e na Parque Dino Bueno, se instalou na Rossio Princesa Isabel, a 900 metros do sítio inicial.
A violência se somou a um processo que, segundo a ativista, vinha ocorrendo desde o início do ano, desarticulação dos serviços de atendimento social e de saúde voltados à população sem proteção social. “Doria chegou e demitiu todos os trabalhadores que há anos conheciam aquelas pessoas. Eram pessoas que tinham mais vínculo, que conseguiam edificar cuidados, políticas e mediações”, explica a militante, que também publicou uma tese de mestrado na Universidade de São Paulo (USP) sobre a relação dos usuários de drogas com o sítio de consumo.
Moradia e renda
Era o término da única experiência que, na estudo do pesquisador Almir Felitte, se distanciava de uma abordagem essencialmente repressiva. “A prefeitura tentou ali impor uma visão mais de saúde pública, de questão de política de ocupação”, destaca. Em 2014, a prefeitura de São Paulo criou o Programa De Braços Abertos, que atendeu murado de 400 pessoas. A iniciativa se baseava na oferta de moradia em hotéis sociais, com renda a partir de frentes de trabalho da prefeitura. Era disponibilizado seguimento de psicólogos e assistentes sociais.
Mesmo com o esforço da gestão municipal em mudar a direção das políticas na região, Felitte acredita que a violência policial prejudicou os resultados do programa. “A prefeitura do [Fernando] Haddad veio com uma política de trazer uma visão de saúde pública à questão das drogas, enquanto o governo do estado continuava com a sua visão única e exclusivamente policial”, compara. “Por mais de uma vez, viu-se a Polícia Militar estadual ter ações que boicotaram essas políticas, ações violentas que acabaram atingindo até assistentes sociais, assistentes do município”, acrescenta.
A repressão se tornou o foco das ações desde logo. Em 2021, o Ministério Público de São Paulo e a Defensoria Pública estadual moveram uma ação contra a atuação da Guarda Social Metropolitana (GCM) na Cracolândia. O pedido foi embasado por material colhido durante quatro anos, além de uma série de vídeos feitos com câmera escondida pelo movimento A Craco Resiste, que mostram guardas promovendo agressões com bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta de surpresa, contra pessoas distraídas ou até sentadas.
“É disso que se trata, de muita violência e de um gasto, uma desdém com o quantia público sem precedentes. Estão há 10 anos fazendo uma política muito onerosa, que todo mundo sabe que não funciona”, enfatiza Roberta. Levantamento do movimento mostrou que a GCM chegava a gastar R$ 14 milénio em único dia em bombas de gás e balas de borracha.
Operação Caronte
Em 2022, a Polícia Social lançou a chamada Operação Caronte, apresentada porquê uma ação de “lucidez” para combate ao “tráfico de drogas” na região da Cracolândia. No entanto, um relatório divulgado pela Defensoria Pública de São Paulo mostra que a maioria dos detidos eram pessoas em situação de rua, sendo que alguns sequer portavam drogas.
O trabalho analisou 641 registros de prisões feitas entre setembro e novembro de 2022. Dessas, 638 foram enquadradas somente no Item 28 da Lei de Drogas (11.343 de 2006), que diz saudação ao porte de substâncias para consumo pessoal. Apesar da exigência legítimo de inspecção que comprove a existência da droga ilícita, em 74 casos, não foi apresentado o laudo toxicológico. Em 556 casos, foram apreendidos cachimbos com “resquícios e sujidades” de cocaína ou maconha e, em somente oito, houve mortificação de drogas em alguma quantidade.
O prelúdios da operação foi marcado pela dissipação do fluxo da Rossio Princesa Isabel. Um levantamento do Laboratório Espaço Público e Recta à Cidade (LabCidade), da Universidade de São Paulo, mostrou as pessoas se espalharem por 16 pontos dos bairros da República, Santa Ifigênia, Santa Cecília e Campos Elíseos.
“A gente vê só a reprodução dessa guerra, que porquê a gente pode ver, o supremo que ela consegue fazer é espalhar essa região para mais outros lugares, espalhar essas pessoas para mais outros lugares”, enfatiza Felitte.
A guerra às drogas, explica Felitte, é um noção criado nos Estados Unidos na dezena de 1970 para enfrentamento ao consumo e transacção de drogas, a partir da lógica essencialmente repressiva, porquê o combate militar de um inimigo. “A gente vê que é uma política que, no melhor dos casos, sendo os dirigentes dessas políticas públicas muito intencionados, ela não funciona. No pior dos casos, que aí é a visão que eu tenho, ela funciona e funciona muito muito porquê uma forma de manter certos setores da sociedade, principalmente pessoas pobres, pessoas negras, numa situação de regular marginalização”, ressalta o perito.
Em 2023, a Secretaria de Estado da Segurança Pública de São Paulo fez um balanço em que afirma que “tem concentrado esforços na luta contra a criminalidade e na revitalização do núcleo”. Segundo a pasta, foram presos quase 5,9 milénio infratores, de janeiro a novembro, 26,8% mais do que no mesmo período de 2022. “Os índices de furtos registraram uma queda de 7,2%, enquanto os roubos diminuíram em 16,4%”, acrescenta a nota da secretaria.
Ações sem repressão
No ano pretérito, 40 organizações da sociedade social realizaram o seminário Cracolândia em Emergência em que foram discutidas ações para a região que não passem pela repressão. A estruturação de um programa que promova a moradia porquê ação meão e a geração de um espaço de uso seguro, a exemplo de outros países que lidaram com situações semelhantes, estavam entre as medidas debatidas.
Alguns dias antes do encontro, o o Recomendação Municipal de Políticas sobre Drogas e Álcool de São Paulo divulgou relatório avaliando a possibilidade da geração de seguro para consumo de drogas na capital paulista. O documento contextualiza que a medida estaria dentro da moral da redução de danos.