No próximo dia 21, completo cinco anos de pilastra semanal cá na Folha. Aproveito para agradecer ao jornal pelo espaço, o que faço na pessoa de Sérgio Dávila, muito porquê pelo desvelo editorial de toda a equipe durante estes anos.
Escrevo com totalidade liberdade de pensamento e sou, ainda, privilegiada por descrever com a companhia luminoso de Aline Patriarca porquê ilustradora dos textos.
Ortografar semanalmente é um dos maiores desafios que tive nestes últimos anos. Mal entrego uma pilastra tenho que pensar na próxima, por vezes em meio a um turbilhão de outros compromissos, porquê eventos ou mesmo um livro para grafar. Algumas colunas entrego quando soa a última badalada do sino, madrugada adentro. Outras vezes consigo preparar o texto com a precisão de quem talha a madeira sem nenhuma pressa. A verdade é que não há receita, vou vivendo e lidando com esse compromisso porquê posso.
É uma oportunidade única para refletir sobre temas do dia a dia, fazer devidas homenagens, resenhar obras. Há alguns anos mantenho leste espaço porquê uma conversa nossa, pois parei de trazer a pilastra para minha página pessoal das redes sociais –penso que o clima de hostilidade ao pensamento crítico pode ser tóxico quando se aproxima de lugares onde também compartilhamos momentos pessoais.
Mas, em universal, sou abordada de forma positiva por pessoas que me contam que acompanham esse espaço às sextas-feiras. Quando sou apresentada em público, proferir que sou “colunista do jornal Folha de S.Paulo” é alguma coisa reiteradamente reforçado por mestres de cerimônia. Tenho um pressentimento de que, para além de ser alguma coisa digno de nota grafar um texto semanal de 4.400 caracteres toda semana, esta própria Folha exerce um misto de fascínio e revolta em muitas pessoas.
Lembro-me da primeira vez em que fui entrevistada pelo jornal. Foi há quase dez anos, em setembro de 2014, quando escrevia para a iniciativa Blogueiras Negras, onde assinei a primeira pilastra de minha curso. Nas Blogueiras Negras fiz segmento de um grupo de ativistas que organizou uma guerrilha contra a série “Sexo e as Nega”, que estreava na Rede Orbe. Para nós, tudo naquilo era um imenso contraditório, a iniciar pelo título, as chamadas para a estreia e os próprios episódios, que reforçavam o estereótipo de hipersexualização de nossos corpos.
O movimento iniciado pelas Blogueiras Negras começou a tomar força nas redes sociais, e passou a permanecer difícil ignorá-lo. Até logo, aquilo era uma novidade: mulheres negras organizadas, com voz e espaço midiático para denunciar um resultado da mídia hegemônica. Eram as delícias das redes sociais, que, talvez por isso, passaram a deixar o alcance cada vez mais restrito a quem tem o poder de “impulsionar”.
Éramos algumas escritoras e passamos a publicar textos críticos à série. A série, por meio de seu diretor e de personalidades da emissora, passou a responder às críticas, ao que o site das Blogueiras Negras publicou um manifesto chamado “Ah, branco, dá um tempo!”. Ainda fizemos lives aos sábados, chamadas #AsNegaReal. Eram tempos áureos da fala política de mulheres negras em um Facebook que ainda permitia, por meio de seus algoritmos, que alguma coisa dessa natureza tomasse corpo.
A mobilização estava fervendo e meu telefone tocou: era o jornalista Nelson de Sá, desta Folha, que escrevia na Ilustrada. Na relação, fui instada a reagir às declarações do diretor da série, que argumentava que a ficção estaria ameaçada por esse movimento extremista.
Logo respondi: “Quando grupos historicamente marginalizados reclamam, é óbvio que quem está numa posição de poder se incomoda”. Foi minha primeira citação neste jornal e penso que ela seja uma síntese provável da obra “Lugar de Fala”, que escreveria três anos depois.
Enfim, para a nossa alegria, a série acabou cancelada. Pudemos saborear a vitória e seguir trabalhando para repetir a voz dissonante das mulheres negras e invadir espaço de fala na mídia, luta esta que persiste até hoje, em todos os espaços.
Sigo nesta pilastra rumo ao próximo ano, no que narrativa com a companhia de vocês.
Até a semana que vem!
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