As comunidades da Baixada Santista estão de parabéns pelo Carnaval majestoso na última semana. Foi no sambódromo Dráuzio da Cruz, em Santos, onde as escolas do grupo privativo desfilaram noite adentro pela passarela, remontando a história e tradição carnavalesca da cidade, uma vez que também marcando o início no estado de São Paulo do período de muita sarau, parábola e sambas-enredo que contam a história de um povo.
Ficam registrados os cumprimentos à corporação Unidos dos Morros, que foi a grande campeã do Carnaval santista, conforme apuração divulgada na terça-feira. A escola foi para a avenida homenageando a cidade de Peruíbe.
A Unidos dos Morros ficou em primeiro lugar por critérios de desempate, numa disputa emocionante, em que correu ponto a ponto junto à corporação União Imperial, a “verdejante e rosa do Marapé”.
Meu coração muito que torceu para a Imperial trespassar campeã deste Carnaval, mas, uma vez que me disse Rubens Gordinho, diretor de Carnaval da corporação, “somente por levar o samba que levou para a avenida já foi uma imensa vitória”.
No Sambódromo, desfilei pela escola, para festejar a negra cor, joia rara, e rememorar figuras históricas da cidade de Santos. Tive a imensa honra de ser homenageada no samba-enredo junto a Dona Alzira Rufino, criadora e diretora da Moradia de Cultura da Mulher Negra de Santos, instituição onde trabalhei por anos e me formei politicamente. Dona Alzira, poeta da resistência negra, nos deixou no último ano, depois uma vida de muitos feitos em prol da pundonor da negritude brasileira.
O samba da União Imperial estava na boca do povo e veio para fazer justiça a essa tradição, revivendo uma coletividade da merecida homenagem a Dona Alzira até grandes figuras do pretérito, uma vez que Pai Felipe, rei africano e líder de um grupo de escravizados que fundaram o Quilombo do Pai Felipe.
Essa Santos negra cantada pela verdejante e rosa é a que faria meu pai, Joaquim Ribeiro, estivador do porto de Santos, sindicalista do Partido Comunista do Brasil, sambar até se completar na avenida. Poucas pessoas sabem, mas, apesar de ser uma veras distante dos tempos atuais, Santos já foi conhecida uma vez que a “Cidade Vermelha”, tamanha a concentração de comunistas.
É a Santos que se orgulha de Quintino de Lacerda, o primeiro vereador preto da história do Brasil, eleito no século 19. Quintino foi líder do Quilombo do Jabaquara, fundado no mesmo ano da morte de Luiz Gama, o legista libertador, que também foi homenageado no desfile e tem uma história muito formosa com a cidade.
Porquê conta o jornalista Sérgio Willians, Gama foi responsável pelo ingresso na Justiça para a emancipação de 217 pessoas escravizadas que ficavam na moradia do comendador Joaquim Manoel Ferreira Neto, um dos homens mais ricos do Predomínio.
O jurista preto trabalhou por nove anos no caso, elaborando uma petição de milénio páginas, em uma guerra judicial contra os filhos de Ferreira Neto, os quais resistiam à decisão do pai registrada em testamento pela libertação dos escravizados depois sua morte. Gama terminou vitorioso, porém o decurso do tempo para a vitória processual, combinado com as más condições de subsistência, levaram à emancipação de 130 pessoas sobreviventes.
Pois é, Santos é rica de história e quem quiser saber mais pode fazer a Estirão dos Quilombos Históricos na cidade.
Outro homenageado foi o memorável Esmeraldo Tarquínio, jornalista, legista e prefeito eleito pelo MDB em 1968, mas impedido de tomar posse pelo regime militar, que cassou seu procuração por ser um líder popular preto. Seria o primeiro —e até o momento único— prefeito preto na centenária história da cidade, que se preencheu de cores e sentidos na sarau memorável da União Imperial pela avenida, cantando um lindo samba que entra para a história.
“Sou pedra preta milenar / Reluz a minha ‘áurea cor’ / Caminho traçado pelo mar / Para cá desembarcar / Tive preço, e não valor! / Resisti ao chicote da Senzala / Conquistei lugar de fala / Sou a voz pro mundo inteiro ouvir / Lutei com Pai Felipe e Quintino / Para mudar esse sorte / Vi meu povo ressurgir!”
No quesito história e compromisso com a cidade, a escola foi a grande campeã. Parabéns a toda a comunidade e aos compositores Gustavo Santos, Fernando Negrão, Joãozinho, Ademarzinho do Estilha, Rodrigo Correia, Lúcio Nunes, Nikinha, Rafa Neves e Toninho 44. Ficam meus agradecimentos especiais a Ivo Evangelista, vice-presidente, e ao presidente Luiz Alberto Martins, pela honraria.
Viva a verdejante e rosa do Marapé!
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