As batidas sintéticas e inconfundíveis de “Sweet Dreams”, do Eurythmics, vazam de um carruagem na sequência inicial de “Tipos de Gentileza”. Uma vez que num “gulodice sonho”, tudo o que o testemunha vai ver nas próximas três horas de filme parece distante da verdade, espezinhado num sem razão que só seria verosímil numa noite intensa de sono.
Não à toa o longa viralizou muito antes de sua estreia nos cinemas, nesta semana, com um clipe de poucos segundos em que Emma Stone contorce seu corpo numa dança esquisita e constrangedora, sem qualquer contexto. Nascente tampouco existe quando a cena é costurada ao roteiro, repleto de situações nonsense.
Mas Yorgos Lanthimos não está em procura da razão em seu primeiro longa depois de outra bem-sucedida parceria com Stone, “Pobres Criaturas”, que gerou burburinho e deu a ela um segundo Oscar de melhor atriz. Antes disso, eles já haviam trabalhado juntos em “A Favorita”.
Conhecida de longa data do cineasta, a atriz acredita que “Tipos de Gentileza” é um retorno ao cinema mais visceral e megalomaníaco que ele começou fazendo na Grécia. Não que “O Lagosta” e “O Sacrifício do Corço Sagrado”, já em inglês, sejam convencionais, mas no novo filme há uma ruptura com o que se espera de um filme bancado pela gigante 20th Century Studios.
“Fazer um filme porquê levante é muito libertador, risonho, catártico”, disse ela em conversa com jornalistas, na manhã posteriormente a exibição no Festival de Cannes, em maio. “O Yorgos trabalha com temas que muitos outros diretores exploram, mas de uma maneira muito criativa e própria.”
Ligeiro e com a pele abrilhantada pelo sol, que a flagrou na tradicional sessão de fotos às quais as estrelas são submetidas no evento galicismo, Stone sentava ao lado de Jesse Plemons, dias antes de o ator ser laureado porquê a melhor performance masculina da edição deste ano de Cannes.
Não é fácil assumir seu personagem –ou seus personagens. Ele é a presença mais ordenado nas várias histórias que compõem “Tipos de Gentileza”, uma florilégio formada por três tramas que, num primeiro momento, parecem ter pouca relação entre si.
Na buraco, acompanhamos um varão com a vida cuidadosamente planejada pelo dirigente, que diariamente lhe entrega um roteiro dizendo o que deve manducar, porquê deve se vestir e se, ao chegar em moradia à noite, deve ou não transar com a mulher. Ao receber uma ordem radical, o personagem de Plemmons se rebela contra o de Willem Dafoe –outro que repete a parceria com Lanthimos depois de “Pobres Criaturas”.
Já a segunda história põe Plemmons casado com Stone. Eles vivem uma vidinha pacata, com exceção das noites em que gravam orgias com um parelha de amigos, até que a mulher desaparece durante uma expedição de trabalho no mar. Quando finalmente retorna, ela está dissemelhante, porquê se seu corpo servisse de vasilha para um ser totalmente ignoto.
Por termo, conhecemos uma mulher que faz secção de uma seita, em procura de um messias que seria capaz de ressuscitar os mortos. Para participar do grupo, é preciso se manter puro –bebendo muita chuva e abdicando dos prazeres da mesocarpo. Quando a personagem de Stone é estuprada, porém, ela precisa mourejar com a repudiação.
Todas as histórias parecem desconexas, mas numa estudo mais profunda fica simples que é a oposição entre controle e livre-arbítrio que rege a trilogia. Hiperbólica, a discussão se embrenha por situações aparentemente rotineiras, que são transformadas em absurdas.
Há ainda uma falta de gentileza nas interações dessas figuras, ao contrário do que o título sugere. Suas relações são viscerais, inescrupulosas, quase desumanas. Mas a câmera de Lanthimos não procura enviesar o testemunha –ela assume neutralidade mesmo diante de momentos de excesso, porquê um homicídio ou um desfeita.
“Esses personagens existem num universo muito privado, em que desprezamos muitas regras e convenções. Queríamos explorar os temas de forma extrema, sem necessariamente fazer declarações a reverência do que vemos em cena”, diz Plemmons sobre o projeto.
A ele, Stone e Dafoe se somam Hong Chau, Margaret Qualley, Hunter Schafer, Mamoudou Athie e Joe Alwyn, numa comprovação do status de Lanthimos porquê um dos cineastas mais disputados hoje em Hollywood –apesar de ele ter uma boa parcela de detratores, que não compram a afetação de sua filmografia.
No Festival de Cannes, o filme recebeu elogios de forma comedida, e no júri americanizado liderado pela diretora Greta Gerwig, saiu com o cobiçado prêmio de atuação masculina, numa decisão surpreendente, embora respeitada.
“Tipos de Gentileza” marca ainda uma retomada da parceria entre Lanthimos e o roteirista Efthimis Filippou, depois de trabalhar em dois filmes com o mais convencional Tony McNamara. Também heleno, Filippou foi responsável por ortografar o longa que comprou a passagem de Lanthimos para Hollywood, “Dente Cínico”, fundador da preocupação do cineasta com o tema do controle.
Ele permeia toda a sua obra, não é difícil notar. Se no filme heleno víamos um pai que mantém os filhos em cativeiro, em “Pobres Criaturas” vemos porquê o patriarcado dita a vida das mulheres.
Em “A Favorita”, uma rainha pensa que controla suas damas de companhia e amantes, quando, na verdade, são elas que exercem poder sobre a diadema. Em “O Lagosta”, solteiros são obrigados a encontrar um par, enquanto “O Sacrifício do Corço Sagrado” mostra um médico forçado a repensar sua relação com um paciente.
Em meio a tantas discussões sobre controle, não deixa de ser curioso o descontrole de Lanthimos em “Tipos de Gentileza”, um filme que foge das amarras impostas por Hollywood mesmo com um grande estúdio por trás.