Ao lado dos Arcos da Lapa, cartão-postal que atrai turistas para o meio do Rio de Janeiro, Marta da Costa organiza a barraquinha que expõe dezenas de bonecas de tecido feitas a mão pela comunidade dela. Um pormenor: todas são pretas. Marta é uma das representantes do Quilombo da Rasa, em Armação dos Búzios, cidade da Região dos Lagos fluminense, e participa da Feira Aquilombar, neste término de semana.
“A gente está cá participando desse evento, divulgando nossa arte, nosso potencial”, diz ela à Dependência Brasil, tendo nas mãos uma das bonecas, chamadas de jongueiras. “Ela representa nosso grupo de jongo”, completa. Ela explica que a produção artesanal das bonecas é uma tradição que passa de geração em geração.
Além de ser uma forma de vender os produtos e comprar renda, Marta destaca que a feira de empreendedores quilombolas é uma oportunidade para atrair visitantes para outra atividade da comunidade tradicional.
“Também estamos na pegada do turismo de base comunitária, recebendo as pessoas e contando a nossa história, porque temos locais que consideramos sagrados da nossa existência. A Ponta do Pai Vitório, Mangue de Pedra, Praia da Gorda. São locais lindos.”
Paulo César dos Anjos é um dos mais de milénio visitantes que passaram pela feira neste sábado (30). Ele diz que a variação cultural foi um dos pontos que mais chamaram a atenção dele no lugar que reúne 30 barraquinhas expositoras, espaço para gastronomia típica, música e dança.
“É importante para substanciar, reafirmar a identidade, se aproximar mais com a cultura antepassado. Acho que há uma um encontro não só com a questão histórica do Rio de Janeiro, mas com a própria história do preto”, disse.
A Feira Aquilombar, que une cultura afro-brasileira e empreendedorismo, é promovida pelo Serviço de Escora às Micro e Pequenas Empresas no Estado do Rio de Janeiro (Sebrae Rio), em parceria com a Associação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj). A Empresa Brasil de Notícia (EBC), da qual faz secção a Dependência Brasil, é uma das apoiadoras da iniciativa.
O visitante que passeia entre as barraquinhas de produtos típicos, uma vez que bijuterias, adereços e trajes, tem a oportunidade de, seja por folhetos informativos, cartazes ou em conversas com os expositores, saber mais das respectivas comunidades quilombolas – reminiscências da resistência de negros à escravidão, que durou até o século 19. A feira fecha o chamado Novembro Preto, mês que traz reflexão sobre consciência negra.
Resistência
A presidente da Acquilerj, Bia Nunes, acredita que a realização da feira é uma forma de colocar em tarifa um termo que ela considera não ser muito disseminado. “Você não escuta falar no empreendedorismo quilombola”, aponta.
“A população não conhece as nossas comunidades, poucos já visitaram as nossas comunidades. Logo estamos trazendo cá para um ponto turístico da capital do Rio de Janeiro, as comunidades de Cabo Indiferente, Paraty, Baía dos Reis…”, diz ela, citando municípios fluminenses.
Ao lado de uma barraquinha que vendia itens uma vez que um gula de ameixa com bacon, Bia convidou a sociedade a saber “o que o quilombo produz”.
“Não adianta só falar que nós somos guardiões da floresta. Somos guardiões da floresta, mas nós produzimos. Cá a população vai ver um pouco dessa gastronomia maravilhosa, da formosura, de tudo que essa população produz dentro da sua comunidade”, enfatiza a presidente da associação. “Quilombo existe e resiste”, conclui Bia Nunes.
Veras quilombola
O Recenseamento 2022 do Instituto Brasílio de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que o Brasil tem 1,3 milhão de quilombolas espalhados em quase 7,7 milénio comunidades. No estado do Rio de Janeiro, são 73 comunidades onde vivem 20,4 milénio quilombolas.
Análises complementares do Recenseamento apontaram situações desafiadoras. Em julho de 2024, o IBGE revelou que oito em cada dez quilombolas vivem com saneamento fundamental precário e que o analfabetismo é 2,7 vezes maior que média do país.
Na última sexta-feira (29), o governo federalista anunciou um conjunto de ações destinadas à população negra. Entre elas, desapropriação de terras para beneficiar quilombolas.
Empreendedorismo
A exegeta técnica Larissa Passos, da gerência de Sustentabilidade, Variação e Inclusão do Sebrae Rio explicou à Dependência Brasil que os 30 expositores quilombolas passaram por seis meses de capacitação.
“Esse evento, na verdade, é a entrega final do projeto Raízes Empreendedores, que buscou capacitar os expositores. Eles passaram por essa trilha de capacitação, foram acompanhados com oficinas, palestras, consultorias relacionadas a comportamento empreendedor e gestão financeira”, descreve.
Ela enfatiza que o empreendedorismo é um mecanismo de transformação social. “Conseguir montar seu próprio e, a partir disso, gerar renda, ter oportunidade, de indumentária, de estar primeiro do seu negócio, tendo retorno sobre isso é uma das grandes missões do Sebrae. A gente quer transformar os nossos empreendedores nos verdadeiros protagonistas do Brasil”, aponta.
A expectativa dos organizadores é que o público supere o da edição do ano pretérito, que recebeu 2 milénio visitantes em um término de semana, na Terreiro Mauá, também região mediano do Rio.
Antirracismo
Além das atividades comerciais e culturais, o evento propõe mesas de debates sobre temas uma vez que antirracismo e cultura afro-brasileira. O gerente executivo da regional Rio de Janeiro da EBC, Acácio Jacinto, participou de uma das rodas de discussões.
Ele defende que empresa pública tem responsabilidade que vai além da simples transmissão de conteúdos.
“Nossa missão é ser uma ponte entre diversas culturas e a sociedade brasileira, amplificando vozes que, historicamente, foram silenciadas. Nesse contexto, a cultura quilombola e negra encontra na EBC um espaço de reconhecimento e valorização. Nossa programação procura mostrar que essas histórias e tradições são secção necessário do tecido cultural brasiliano”, afirmou.
“Um dos grandes desafios da mídia é romper com estereótipos que reduzem a cultura negra a visões distorcidas e marginalizadas. A EBC investe em conteúdos que celebram a riqueza das tradições quilombolas e afro-brasileiras, apresentando suas contribuições em todas as esferas: arte, música, culinária, espiritualidade e resistência”, completa.
Serviço
No domingo, a Feira Aquilombar está ensejo ao público das 10h às 17h. A ingressão é gratuita. Uma das atrações de fechamento será a roda de samba Quilombo do Grotão, a partir das 16h.