Vencedora da Série Ouro do Carnaval de 2024 no Rio de Janeiro, a Unidos de Padre Miguel volta a desfilar no Grupo Peculiar em seguida 52 anos. Com o enredo Egbé Iyá Nassô, a escola leva para o Sambódromo da Marquês de Sapucaí a história do Terreiro Lar Branca do Talento Velho. Fundado em Salvador, na Bahia, pela ialorixá Francisca da Silva — a Iyá Nassô — o espaço é considerado o primeiro terreiro de candomblé do Brasil, além de também ser o primeiro tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Pátrio (Iphan), em 1984.
“Contamos a saga de uma mulher africana, membro da incisão do Predomínio de Oyó, que veio para o Brasil na quesito de escravizada e que manteve a religiosidade, não se afastou da mãe África. Depois de muita luta contra preconceitos e perseguições, ela inaugura o primeiro terreiro de candomblé do Brasil, a Lar Branca do Talento Velho”, conta o carnavalesco Alexandre Louzada.
Com 40 anos de trajetória no Carnaval carioca, Louzada estreia neste ano na Unidos de Padre Miguel.
“Dizemos que ela plantou o primeiro axé cá no Brasil, que ela fundou, na verdade, o protótipo de candomblé ketu no país”, complementa o arquiteto Lucas Milato, que continua pelo seu segundo ano porquê carnavalesco da escola de samba. Responsável pelo sábio a Xangô, um dos principais orixás das religiões afro-brasileiras, no palácio do Alafin de Oyó, Iyá Nassô teve a colaboração de outras duas ialorixás na construção da lar de candomblé na capital baiana: Iyá Adetá e Iyá Akalá, também celebradas no samba da Unidos de Padre Miguel.
Iyá Nassô
“A Iyá Nassô era de Oyó e a Iyá Adetá de Ketu. Elas trazem com elas todas essas influências africanas desses dois reinos extremamente importantes para a África, mas que entraram num processo de declínio por conta de invasões, portanto elas precisaram vir para o Brasil, já na quesito de escravizadas, e cá precisaram buscar formas de manifestar a sua religião, a sua fé”, explica Lucas em entrevista à Escritório Brasil no barracão da Unidos de Padre Miguel, na Cidade do Samba.
Para Alexandre, o que aproxima o tópico da escola de samba nascida na Vila Vintém, no bairro de Padre Miguel, na zona oeste do Rio de Janeiro, e justifica a preferência da diretoria da clube pela história do surgimento do candomblé no território vernáculo é que, assim porquê o Terreiro da Lar Branca do Talento Velho, a Unidos de Padre Miguel se trata de um grande “egbé”, termo em iorubá que significa “comunidade”. “O que escrevemos é que ‘egbé’ significa lar, uma grande comunidade, e a Unidos de Padre Miguel não é dissemelhante. Ela vive e respira dentro de uma grande comunidade”, ressalta o carnavalesco.
Outrossim, assim porquê o início da religião afro-brasileira no Brasil, a escola é liderada principalmente por mulheres. Uma vez que traz Lucas, muitos pilares da Unidos de Padre Miguel são femininos, enquanto a Lar Branca do Talento Velho é um terreiro de candomblé orientado, criado e fundado por mulheres. “Até hoje ela se sustenta por essa força feminina, portanto esse enredo conquistou o coração da nossa diretoria por isso, porque é um enredo que valoriza muito a figura feminina, não só nas religiões de matriz africana, mas também na comunidade porquê um todo”.
“É uma história que a nossa história solene não conta”, reflete Alexandre, ao lado de Lucas. “Trazemos à tona personagens esquecidos pela história, porque na era colonial houve esse apagamento cultural, não só dos que vieram da África para o Brasil, porquê da própria África, portanto hoje existe um movimento muito possante de resgate dessa cultura africana, porque somos um país de maioria com geração africana”, acrescenta. Segundo o Recenseamento Demográfico de 2022, do Instituto Brasílio de Geografia e Estatística (IBGE), 55,51% da população vernáculo se identifica porquê negra, sendo 45,34% porquê parda e 10,17% porquê preta.
Da Vila Vintém à Sapucaí
“A Unidos de Padre Miguel é uma escola muito esperada pelo grande público, porque ela teve o seu reinado, vamos manifestar assim, na Série Ouro por vários anos. É dissemelhante de muitas escolas que ascendem ao grupo privativo, porque ela já tem uma torcida própria”, comenta Alexandre. “Ela sempre foi tão esperada a ser vencedora e várias vezes bateu na trave. Agora, isso se torna verdade, portanto ela é uma escola que chega ao grupo privativo gozando de uma simpatia maior do que em outros casos que já aconteceram de escolas que ascenderam ao grupo privativo”.
No carnaval de 2023, a escola encerrou em segundo lugar na Série Ouro. O mesmo resultado se repetiu nos desfiles de 2020, 2018, 2016 e 2015. Apesar de a Unidos de Padre Miguel já ter desfilado antes na primeira separação do carnaval do Rio de Janeiro, considerando o formato atual da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa), essa é a primeira vez que a clube disputa no Grupo Peculiar.
A expectativa agora é “ser campeã, botar todas elas para trás”, diz Alexandre. “Esse tem que ser o pensamento perceptível de um carnavalesco. Sabemos da dificuldade, sabemos que estrear no Grupo Peculiar é uma coisa muito difícil, porque vamos enfrentar grandes feras do carnaval, mas a gente vai com fé, porque nos foi oferecido condições de fazer um carnaval para disputar de igual para igual”.
“Geralmente, cria-se um paradigma de que a escola que subiu tem que competir para não descer. Na verdade, não queremos ter esse pensamento. Queremos competir para ser campeões, para ocupar um lugar no G6, o grupo das seis escolas que retornam para o Desfile das Campeãs”, continua Lucas. “Esse desfile criamos com uma expectativa muito grande, porque obviamente marca esse grande retorno da escola ao grupo privativo, mas, supra de tudo, acho que é um grande presente que estamos dando para a comunidade da Vila Vintém, que esteve conosco todos esses anos”.
*Estagiária sob supervisão de Vinícius Lisboa