Popularizado nos anos 1970, o noção de blockbuster se tornou indissociável da indústria cinematográfica desde que Steven Spielberg arrecadou US$ 483 milhões com “Tubarão”, há quase 50 anos, e bateu o próprio recorde duas vezes, com “E.T.: O Extraterrestre” e “Jurassic Park”.
No entanto, se antes um longa precisava inferir bons números de bilheteria para ser rotulado uma vez que tal, com o passar do tempo o termo virou um gênero por si só. Hoje, filmes já nascem uma vez que blockbusters, graças aos orçamentos robustos e às pretensões escancaradas de levar multidões ao cinema.
Mas nem sempre isso acontece. O padrão vem entrando em crise desde a pandemia de Covid-19, que, aliada à subida do streaming e às mudanças de hábitos dos espectadores, tornou mais difícil para os grandes executivos de Hollywood farejar sucessos.
“Desde o surgimento do blockbuster moderno, executivos e produtores vêm identificando elementos replicáveis que aumentem as chances de sucesso nas bilheterias e minimizem os riscos de investir num longa”, diz Alexander Ross, pesquisador na Universidade Yale, nos Estados Unidos, e responsável do livro “Blockbusted”, em que esmiúça as fórmulas hollywoodianas.
“Hoje, os responsáveis por prometer que o preço das ações dos estúdios suba estão passando por uma crise. Eles exauriram as franquias que tinham em mãos e não têm zero de novo para oferecer. Ironicamente, não faltam roteiros originais circulando por Hollywood, mas o dissemelhante significa risco, e esses executivos, que muitas vezes nem cinéfilos são, tem aversão a isso.”
Não é preciso ir longe para encontrar exemplos dessa fatiga. “Coringa: Delírio a Dois” tinha tudo para ser um arrasa-quarteirão. O primeiro filme passou do US$ 1 bilhão de bilheteria, seu protagonista é um dos vilões mais conhecidos da cultura pop, seu planeta venceu um Oscar pelo papel e, para a sequência, a Warner Bros. conseguiu atrair a diva pop Lady Gaga.
Mas nem mesmo o orçamento turbinado e uma campanha de marketing agressiva conseguiram fazer o filme edificar voo. Foram US$ 37,8 milhões em sua semana de estreia nos Estados Unidos, longe dos US$ 70 milhões inicialmente previstos, e a arrecadação vem sendo descrita pela prensa estrangeira uma vez que “trágica”.
Na lista de bombas deste ano, especialistas incluem ainda “Furiosa: Uma Saga Mad Max”, “Borderlands: O Fado do Universo Está em Jogo”, “Madame Teia”, “Argylle: O Superespião”, “O Dublê”, “Amigos Imaginários” e “Guerra Sem Regras”. Eles compõem uma modelo diversificada que aponta que o problema não está num subgênero específico, uma vez que o dos super-heróis ou das adaptações de games.
O cinema pátrio também vem tendo dificuldade para emplacar sucessos. Nossa maior bilheteria do ano foi “Os Farofeiros 2”, com 1,8 milhão de espectadores, muito aquém da campeã do pré-pandêmico 2019, quando “Minha Mãe É uma Peça 3” levou 11,6 milhões de pessoas aos cinemas.
E os ventos pessimistas que sopram dos Estados Unidos não ajudam a melhorar os ânimos. A bilheteria americana não ficava tão baixa quanto no ano pretérito desde 2005. Foram US$ 8,9 bilhões acumulados. Na última dez, os números oscilavam entre US$ 10 e US$ 11 bilhões.
Isso porque os ingressos ficaram mais caros nos últimos 20 anos, turbinados por tecnologias uma vez que o 3D e o IMAX. Mas a quantidade de entradas vendidas vem caindo —mais precisamente, 46% no mesmo período. Em outras palavras, nem o encarecimento foi capaz de vedar a crise.
Também não ajuda o vestuário de grandes astros terem perdido seu valor, numa veras em que rostos digitais são os grandes influenciadores na tomada de decisão das novas gerações e, na tela do celular, conteúdos patrocinados se acumulam, aumentando a prestígio do marketing para Hollywood —hoje, há longas com orçamentos de publicidade maiores que os de produção.
Somado a isso, mercados importantes têm investido cada vez mais em produtos nacionais. Depois de uma longa romance para que a China permitisse a ingresso de produções americanas em suas salas, o país decidiu que era hora de investir em seu próprio cinema.
No ano pretérito, todos os dez campeões de bilheteria do país, uma superpotência na venda de ingressos e que prenúncio ultrapassar permanentemente o mercado americano, foram produções locais.
A Coreia do Sul embarcou num processo semelhante e de longo prazo, que dá frutos agora, três décadas depois que “Jurassic Park” fez mais verba do que a montadora Hyundai, acendendo um alerta no governo lugar. Desde logo, gestou-se um longo projeto de emancipação cultural, que engloba não só o cinema, mas também a música, a literatura e a televisão.
Esse cenário foi posto no meio de “A Franquia”, série de comédia da HBO lançada no mês pretérito, que tira sarro da falência das fórmulas usadas por Hollywood. Seu instituidor e diretor, Sam Mendes, vencedor do Oscar por “Formosura Americana”, não acredita em pane no sistema, mas diz que a indústria precisa se reorganizar.
“A demanda hoje é por filmes que entreguem espetáculo, submersão, experiência, catarse e entretenimento sensorial, porque o resto você consegue ter numa tela grande em moradia. Alguns desses blockbusters poderiam ser melhores? Sim. Há uma maneira mais funcional de fazê-los? Sim”, disse ele a leste jornal. “Mas se esse é o tipo de filme que queremos, logo vamos fazer muito, em vez de fazer qualquer porcaria.”
Qualidade e críticas negativas podem ajudar a explicar o fiasco de “Coringa: Delírio a Dois” —com desastrosos 32% de aprovação no Rotten Tomatoes, um dos agregadores de resenhas de filmes e séries mais importantes do mundo. Elas, porém, não ajudam a entender o fiasco de “Furiosa”, que tem 90% de aprovação na mesma plataforma.
Hollywood ainda tenta entender o que está acontecendo e o que o público quer, tarefa mormente difícil para os estúdios tradicionais. Para plataformas de streaming uma vez que a Netflix, que controla toda a sua masmorra produtiva, até a chegada do filme ao consumidor final, o cenário é menos preocupante.
A Netflix sabe exatamente quem vê seu teor e quais são seus hábitos e preferências, diz Tom Getty, responsável de “How to Make Blockbuster Movies” –ou uma vez que fazer filmes blockbuster, sem tradução para o português– e fundador da produtora de trailers Acrolight Pictures.
“Os estúdios tradicionais estão num jogo de adivinhação. Desde o caso Paramount nos anos 1950, eles estão desconectados do público”, diz ele, sobre uma ação antitruste que proibiu estúdios de serem donos de redes de cinema.
Com a pandemia, a regra tem sido derrubada, numa prova de que segmento do problema reside nesta desconexão com o público. Agora, vários estúdios e plataformas estão se reorganizando para comprar salas de cinema. “O porvir não é propriamente o streaming, mas grandes empresas de tecnologia que detenham os processos de produção, distribuição e exibição”, afirma Getty.
A Amazon, por exemplo, já dona do Prime Video e do MGM, pretende comprar a AMC, principal rede de cinema dos Estados Unidos. Eles sabem que é forçoso coletar dados da sua audiência, afirma o perito. A Apple, por sua vez, protagoniza há anos um rumor de que compraria a Disney. Assim, o porvir do blockbuster hollywoodiano parece estar cada vez mais em Wall Street do que nos cinema.