Entenda As Raízes De Fernanda Torres No Bairro Da Tijuca

Entenda as raízes de Fernanda Torres no bairro da Tijuca – 27/02/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Fernanda Torres se lembra muito do dia em que o proeminente Paulo de Frontin, no Rio Extenso, na zona setentrião da capital fluminense, desabou. Era um sábado, 20 de novembro de 1971. Duzentos metros de cimento armado caíram sobre 20 carros, além de um ônibus e um caminhão, e 48 pessoas morreram.

Torres tinha seis anos e se arrumava para visitar os avós paternos na Tijuca, bairro vizinho ao Rio Extenso, quando soube do sinistro pela televisão. Em suas memórias também está a rua Padre Elias Gorayeb, onde ficava a moradia da família de seu pai, o ator e produtor Fernando Torres.

“Era um apartamento de três andares no término da rua, do lado de um rio que marca o limite da ruazinha. A gente brincava na rua, comia no moca Palheta, na lanchonete, e ia ver filmes nos cinemas da rossio Saenz Peña”, diz a atriz.

Do universo de artistas que estarão presentes na cerimônia do Oscar, no próximo domingo, só Torres é tijucana, alguma coisa de que ela se orgulha. “Minha família morava no Jardim Botânico. Porquê meus pais trabalhavam muito no término de semana, no teatro, passei grande secção da puerícia ali.”

O moca Palheta virou uma farmácia, os cinemas da rossio viraram uma igreja. A rua onde a família de Torres morou não era um estacionamento informal de carros, uma vez que hoje, nem tinha tantos espaços de fisioterapia e farmácias de manipulação.

No cenário, a Tijuca da puerícia de Torres, que hoje vive na zona sul, é muito dissemelhante. Mas no jeito de ser parece a mesma —um lugar de classe média que encontra o orgulho próprio menos na paisagem e mais no estado de espírito. Um bairro de memorabilia.

Da união entre Fernando Torres e Fernanda Montenegro, uma carioca de Madureira, também na zona setentrião, nasceu Fernanda e Cláudio Torres, que virou um diretor de cinema. As crianças passavam finais de semana na Tijuca.

“Meus primos, Aline e Chico, moravam no apartamento com minha tia Ilma, o tio Paulo, e minha tia-avó Suzel. Foi o apartamento em que o meu pai cresceu”, conta Torres. “Eu era sócia do Tijuca Tênis Clube, fui a muito dança de Carnaval no clube. Fui mulher de honra da vizinhança.”

É dessa era que o benemérito do Tijuca Tênis Clube, Jorge Amaro da Silva Pinto, de 71 anos, diz se lembrar da presença de Torres ainda petiz por ali. “Em 1975, montamos uma discoteca no clube chamada Baby Boate. Oriente negócio foi crescendo e por algumas vezes vi Fernanda cá com uma prima”, afirma. “Eles eram uma família tijucana raiz.”

A Tijuca fica na zona setentrião, mas está mais perto da zona sul e do núcleo do que seus vizinhos do subúrbio. O bairro, longe do mar, fica aos pés do maciço da Tijuca, ergástulo de montanhas coberta pela floresta.

Na cultura, a Tijuca é causa de Tim Maia, Erasmo Carlos, Ivan Lins e Lucinha Lins —a relação entre os dois começou no bairro—, além do compositor Aldir Blanc. O bairro também ajudou a produzir laços para os vizinhos Luiz Melodia e Gonzaguinha, do Estácio, Jorge Ben Jor, do Rio Extenso, e Roberto Carlos, que morou no Lins de Vasconcelos, mas passava temporadas na moradia da tia Amélia, na Tijuca, período da vida relatado na melodia “Minha Tia”.

Na dez de 1970, formavam a classe média tijucana alguns artistas, advogados, militares e funcionários públicos sem rumo, num Rio de Janeiro pós-perda da capital federalista para Brasília.

Torres se lembra do início da construção do metrô, em 1976. “O bairro virou um canteiro de obra com estrondo e poeira. Perdeu a qualidade de vida que tinha”, diz. As três estações do bairro foram inauguradas em 1982. “Quando fecharam o buraco, minha avó já tinha ido, minha tia-avó também, tio Paulo separado. Mas me sinto muito ligada à Tijuca.”

Com população maior do que Copacabana —são 142.909 tijucanos e 128.919 moradores de Copacabana—, a Tijuca tem escolas, universidades, hipermercados e shoppings e ainda possui comércios antigos, uma vez que açougues, sapatarias e bares sem nome, em que os boêmios parecem observar o movimento frenético da rua em outro compasso.

O jurisperito e noticiarista Eduardo Goldenberg, de 56 anos, responsável do livro “Tijucanismos”, foi um desses boêmios. Hoje morador de Copacabana, ele vê semelhanças entre os dois lugares. “Existe uma inacreditável cultura da fofoca nos dois bairros. É de uma cafonice emocionante”, diz o noticiarista, que era camarada próximo de Aldir Blanc, morto em 2020. Blanc, ele acrescenta, foi quem melhor soube trasladar o microcosmo Tijuca.

Em telefonemas diários, ao longo de 25 anos de amizade, Goldenberg e Blanc teorizavam se o tijucano médio é um ser conservador. “O tijucano é mais tradicionalista do que conservador. A Tijuca tem essa coisa da família toda junto nos almoços de domingo, mesmo que todos queiram se matar depois da sobremesa.”

Apesar de hoje ter o mar de Copacabana mais próximo, Goldenberg ainda tem a Tijuca uma vez que o cenário de um dia perfeito. “Ajustar muito cedo, tomar moca, ir à feira e tomar de manhã —a cerveja passou a noite toda na geladeira, ainda não tem nenhum raso no bar. Depois voltar para moradia, fazer um almoço para os amigos e terminar o domingo no Maracanã.”

Antes dos bares, escolas, cinemas e Maracanã, antes mesmo da formação das favelas, a Tijuca era toda uma plantação de moca. “O moca chega à Tijuca pelo clima, a chuva volumoso e a disponibilidade de terreno. É um tipo de vegetal que gosta de relevo cima, e a Tijuca oferecia essas condições. Nobres do predomínio e comerciantes portugueses investem no moca usando a mão de obra escravizada”, conta Mário Brum, professor do departamento de história da Uerj, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Na metade do século 19, as árvores da mata atlântica que hoje compõem o maciço da Tijuca já estavam todas cortadas e tinham oferecido lugar aos cafezais. Um reflorestamento aconteceu a partir de 1850. “Nessa era, o núcleo está densamente povoado, escamoteado e sujeito a epidemias. Uma atmosfera úmida e insalubre. Tijuca e Botafogo se tornam áreas destinadas a uma certa escol da cidade. Famílias abastadas passam a ocupar a Tijuca em palacetes, chácaras, casas com quintal.”

Fábricas ocuparam terrenos da Tijuca na primeira metade do século 20, espalhando pelo bairro vilas operárias e construções sobre os morros, que deram início às favelas. Os morros do Salgueiro, Borel e Turano foram batizados com sobrenomes dos donos das terras da região.

“Herdeiros do Emílio Turano quiseram evacuar os moradores nos anos 1950, e eles conseguiram permanecer. O morro passou a se invocar Morro da Liberdade durante um tempo, depois voltou a prevalecer o nome Turano. No Borel, surgiu a União dos Trabalhadores Favelados também por conta de uma resistência.”

Na noite em que Torres venceu o Mundo de Ouro de melhor atriz, por sua atuação em “Ainda Estou Cá”, a Tijuca fervilhava. Era 5 de janeiro, primeiro domingo deste ano, vértice do verão. A escola de samba Acadêmicos do Salgueiro fazia uma apresentação gratuita em frente a um bar na rossio Niterói e o morro da Formiga estava em sarau com as tradicionais folias de reis.

Na noite do domingo, a Tijuca deve fervilhar mais uma vez. Seis blocos estão programados para desfilar pela região, além do desfile da vizinha Mangueira na Marquês de Sapucaí. Os bares estarão abertos e alguns se preparam para exibir transmissão televisiva dupla, com revezamento entre as escolas de samba e a cerimônia de premiação. Duplos também serão os chopes, todos esperam, para comemorar a vitória.

Folha

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