Entenda Como Fica A Vacinação Contra O Hpv No Brasil

Entenda como fica a vacinação contra o HPV no Brasil

Brasil

A vacinação contra o papilomavírus humano, o HPV, no Sistema Único de Saúde (SUS) vai deixar de ser feita em duas doses e passará para ração única. A mudança passa a valer a partir da divulgação de uma nota técnica, ainda nesta terça-feira (2).

“A partir da publicação, as pessoas que receberam uma ração já estão plenamente vacinadas e não precisarão receber a segunda”, reforçou o diretor do Programa Vernáculo de Imunização do Ministério da Saúde, Eder Gatti.

A vacina utilizada no novo esquema da rede pública permanece sendo a ração quadrivalente produzida pelo Instituto Butantan, que protege contra quatro subtipos de HPV associados ao cancro de pescoço de útero.

Em entrevista à Escritório Brasil, a presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Mônica Levi, considerou a mudança uma estratégia acertada.

“É uma tendência. Vários países do mundo estão migrando para a ração única. Alguns porque não têm vacina e o único jeito de introduzir é com uma ração somente. Outros, uma vez que Austrália, Escócia e Dinamarca, migraram para a ração única porque já conseguiram controlar ou reduzir em mais de 90% a circulação do vírus, das lesões e do cancro propriamente dito. Portanto, eles estão migrando para uma ração para manter o vírus com circulação baixa ou até ausente”.

“Esse cenário depende de cobertura vacinal e não do número de doses. Se você tem uma baixa cobertura vacinal, ainda que seja com duas doses, você não vai ter mais sucesso do que quando há muita gente vacinada – que seja com uma ração só”, explicou.

Mônica destacou ainda que a mudança se aplica estritamente ao SUS e que o esquema de duas doses para adolescentes de 9 a 14 anos está mantido na rede privado. Isso porque, segundo ela, estudos apontam a eficiência da ração única contra o HPV na prevenção do cancro de pescoço de útero, mas o vírus está associado a outros tipos de cancro, uma vez que de orofaringe, pênis, ânus, vagina e vulva.

“O Brasil é subscritor de um convenção da Organização Mundial da Saúde para expulsar o cancro de pescoço de útero e tomar todas as medidas necessárias até 2030. Essas medidas incluem vacinação, rastreamento adequado com dois testes, pelo menos, ao longo da vida das mulheres e entrada ao tratamento. Hoje, o Brasil está focado na eliminação do cancro de pescoço de útero. Agora, quem se vacina no sistema privado, quer também proteção contra a verruga genital e outros tipos de cancro. E esses dados a gente não tem com ração única porque não foi estudado. Não quer proferir que não vai funcionar, mas a gente não tem esse oferecido.”

Confira os principais trechos da entrevista:

Brasília (DF) 02/04/2024 - Mônica Levi é eleita presidente da SBIm para o biênio 2023-2024
Foto: Sarah Daltri/SBIm/Divulgação
Brasília (DF) 02/04/2024 - Mônica Levi é eleita presidente da SBIm para o biênio 2023-2024
Foto: Sarah Daltri/SBIm/Divulgação

Presidente da SBIm Mônica Levi conversou com a Escritório Brasil – Sarah Daltri/SBIm/Divulgação

Escritório Brasil: Uma vez que a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) avalia a decisão do ministério? A senhora acredita que ela foi tomada no momento correto, considerando o cenário brasiliano atual de baixa cobertura vacinal contra o HPV?

Mônica Levi: Considero um oferecido positivo para o Brasil. Nós estávamos realmente com baixa cobertura, uma baixa adesão para a segunda ração. Com uma ração só, a gente vai conseguir aumentar a cobertura vacinal. É mais fácil, né? A logística fica mais fácil. E o que a gente tem de oferecido é que, se você tiver uma grande cobertura com uma ração, talvez você consiga um mercê maior do que com duas doses pra menos gente. É isso que a gente está vendo ocorrer no mundo. Por um período de oito a 10 anos, a gente tem dados de estudos mostrando que a proteção é semelhante com uma, duas ou três doses.

A Escócia é um exemplo. A gente viu que lá, quem se vacinou com 12 ou 13 anos – com uma, duas ou três doses – praticamente não teve nenhuma lesão de pescoço uterino. E isso desde 2007, quando a Escócia começou a vacinação. Portanto, a estudo deles hoje é que, independentemente do número de doses, o mercê foi igual. Esse é um mote pra se ter uma justiça maior da vacinação no mundo. O grande mercê que eu vejo é que quem tem hoje de 15 a 19 anos e perdeu a oportunidade – principalmente por conta da pandemia – e já não está mais na idade do público-alvo da vacinação vai ter a chance também de se vacinar e se proteger.

Escritório Brasil: Adolescentes que já tomaram uma ração estariam, até o momento, com o esquema vacinal incompleto. A partir da publicação da nota técnica, eles maquinalmente não precisam mais da segunda ração? Uma vez que ficam esses casos?

Mônica Levi: Essa é uma mensagem que a gente tem que ter desvelo ao passar porque as sociedades médicas não vão transmigrar para a ração única. A Sociedade Brasileira de Imunizações e a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia vão manter o esquema de duas doses até aos 20 anos e de três doses para supra de 20 anos. Passa a ser uma preocupação individual. Quem se vacina quer uma proteção contra tudo que a vacina pode proteger. O Brasil é subscritor de um convenção da Organização Mundial da Saúde (OMS) para expulsar o cancro de pescoço de útero e tomar todas as medidas necessárias até 2030. Essas medidas incluem vacinação, rastreamento adequado com dois testes, pelo menos, ao longo da vida das mulheres e entrada ao tratamento. Hoje, o Brasil está focado na eliminação do cancro de pescoço de útero. Agora, quem se vacina na rede privada, quer também proteção contra a verruga genital e outros tipos de cancro. E esses dados a gente não tem com ração única porque não foi estudado. Não quer proferir que não vai funcionar, mas a gente não tem esse oferecido.

Escritório Brasil: O ministério também pediu que estados e municípios façam uma procura ativa por jovens de até 19 anos, homens e mulheres, que ainda não receberam nenhuma ração contra o HPV. Por que uma procura ativa nesse grupo? Há possibilidade de ampliar o público-alvo atual?

Mônica Levi: Não quer proferir que nós vamos vacinar contra o HPV [o público] de 9 anos a 19 anos uma vez que rotina, para sempre. Vai ter um período, talvez de seis meses a um ano, em que vai ser feito um catch-up, que é buscar todos aqueles que deveriam ter recebido a vacinação entre 9 e 14 anos e, por conta da pandemia ou por outro motivo qualquer, não receberam e agora não tem mais idade pra se vacinar pelo SUS. Portanto, esses meninos e meninas que estão com idade entre 15 e 19 anos vão ser vacinados, mas reforçando: em período de catch-up. Não é uma vacinação rotineira pra sempre.

É uma coisa muito positiva. Se a gente tiver uma adesão grande, vamos ter um mercê maior no sentido de caminhar para a eliminação do cancro de pescoço de útero. A vacina é importante para meninos e meninas, já que também há doenças associadas ao HPV no sexo masculino. O foco dessa decisão do ministério pela ração única é a eliminação do cancro de pescoço de útero e muitos países estão fazendo a mesma coisa. A OMS recomenda isso e a gente espera proteger mais pessoas. Os desfechos provavelmente vão ser melhores do que mantendo duas doses só de 9 a 14 anos e não conseguindo cobertura vacinal para a segunda, que é o que está acontecendo.

Escritório Brasil: Uma vez que estava a cobertura vacinal contra o HPV no Brasil até o momento, com o esquema de duas doses?

Entre os meninos, só 27% têm a segunda ração. Isso desde 2017 – uma cobertura acumulada até 2023. Entre as meninas, 56% têm a segunda ração, segundo dados do Instituto Vernáculo do Cancro (Inca). Se agora a gente concentrar aos esforços para aumentar a cobertura vacinal em ração única, fizermos um trabalho coordenado de campanha, acho que a gente pode ter um resultado melhor a longo prazo. Melhor que manter duas doses com baixa cobertura e permanecer patinando nisso, além de deixar tanto adulto ou jovem mais velho sem a proteção contra o HPV.

Escritório Brasil: Com base na experiência de outros países, é verosímil pensar em uma janela de tempo pra que a gente possa falar em expulsar o cancro de pescoço de útero no Brasil?

Mônica Levi: A eliminação do cancro de pescoço de útero acontece quando você chega a um percentual de quatro ou menos casos para cada 100 milénio mulheres. Alguns países já caminham rumo a esse cenário desde 2022, uma vez que Suécia, Austrália e Dinamarca. A Austrália está com seis casos para cada 100 milénio mulheres, muito próximo da eliminação.

Expelir o cancro de pescoço de útero não é chegar a zero, mas transformar a doença em uma patologia rara. Vai ter escape de casos, simples que vai. Mas muito pouco. Ele deixa de ser um dos cânceres que mais mata mulheres no mundo pra se tornar um cancro vasqueiro. Essa é a teoria. Eliminação é isso. E, no Brasil, a gente ainda tem entre 13 e 16 casos de cancro de pescoço de útero por 100 milénio mulheres. São 17 milénio casos novos e 6,6 milénio óbitos todos os anos.

Fonte EBC

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