Entenda O Que Está Por Trás Das Brigas Entre Torcidas

Entenda o que está por trás das brigas entre torcidas organizadas

Brasil

Torcidas organizadas são ambientes que favorecem os extremos das emoções. Desde o paixão mais incondicional, até a maior das brutalidades, porquê foi o caso das cenas de horror envolvendo torcidas organizadas do Sport e do Santa Cruz, no Recife.

Sociólogos e psicólogos consultados pela Filial Brasil afirmam: situações porquê esta são somente a ponta do iceberg, em uma sociedade onde a violência se apresenta de forma quase onipresente. Na avaliação deles, muitas pessoas acabam exagerando, ao levar tão a sério, levante esporte que, segundo o jargão popular, é assinalado porquê “a coisa mais importante entre as menos importantes”.

Pesquisador do Núcleo de Estudos Sobre Violência e Segurança da Universidade de Brasília (NEVIS/UnB), Edergênio Vieira diz que as pessoas precisam aprender a folgar não só com as vitórias, mas também com as derrotas de seus times.

“Vale zoar, simples que respeitosamente, o camarada. Mas vale também folgar com as derrotas, porquê fazem, por exemplo, os torcedores do Ibis”, sugere o sociólogo, referindo-se ao time pernambucano que é motivo de orgulho para seus torcedores pela glória de pior time do mundo.

Vieira explica que, para o próprio muito do futebol, ele precisa ser visto porquê alguma coisa que proporciona lazer e diversão. “Não pode servir de pretexto para extremos de violência”, acrescentou o pesquisador que se apresenta porquê “corintiano, maloqueiro e sofredor”.

Dimensões

Segundo Vieira, em um país porquê o Brasil, o futebol assume dimensões que vão além da esportiva, estando associado até mesmo à teoria do que é ser brasiliano.

“O futebol nos explica, enquanto brasileiros, para o mundo. Explica também nossas paixões, impulsos e motivações diante do cotidiano. Isso está presente até mesmo nas metáforas usadas em todas as dimensões da vida”, argumenta.

De convenção com o sociólogo, o futebol carrega consigo muitas das expressões que permeiam a vida dos brasileiros. “Inclusive a violência contida em nosso dia a dia. Nesse caso, potencializado, devido aos aspectos de catarse coletiva proporcionada por ele”, ressalta o responsável de estudos sobre as performances da violência na sociedade.

Torcer é…

Ele cita alguns historiadores que publicaram trabalhos sobre o terror no futebol brasiliano e sobre o surgimento das torcidas. Vieira explica que, em seguida chegar ao Brasil, o futebol era tido porquê um esporte de escol.


Cruzeiro - torcida - Mineirão - 5 de novembro de 2023 - confronto contra o Inter pelo Brasileiro
Cruzeiro - torcida - Mineirão - 5 de novembro de 2023 - confronto contra o Inter pelo Brasileiro

Torcedores levam  fanatismo e paixão aos estádios – Alessandra Torres/Cruzeiro Esporte Clube/Direitos Reservados

“As pessoas iam aos estádios segurando lenços [para secar o suor] e observar os jovens da escol praticando o novo ‘esporte bretão’. Durante a partida, em meio às angústias, elas seguravam o lenço e o torciam. Foi daí que surgiu a vocábulo torcedor”, disse ele ao relatar as montanhas-russas de emoções associadas ao futebol.

Com o tempo, o entrada ao futebol foi ficando barato e alcançável, para uma população que não tinha muitas outras formas de diversão. “O público, portanto, passou a ser, em universal, de jovens moradores de bairros com subida vulnerabilidade social. E eles passaram a encontram, na torcida, um lugar de pertencimento”, acrescentou.

Esse viver em grupo ganhou portanto proporções ainda maiores por se tratar de um envolvente de catarse coletiva semelhante ao que se observa, por exemplo, em algumas igrejas. “Torcidas e fiéis vivem seus momentos de celebração e literato. Cada um com seu véu sagrado”, relata o sociólogo.

Psicólogo e diretor de torcida organizada

Técnico em psicologia clínica e ex-diretor de torcida organizada Rubra, do time goiano Anapolina, Pedro Henrique Borges passou por experiências que possibilitaram, a ele, um olhar privilegiado tanto para o interno dessas torcidas, porquê para o íntimo de seus torcedores.

“As torcidas organizadas são movimentos de volume. Sigmound Freud [o pai da psicanálise] falou [sobre situações como esta] em seus textos sobre psicologia das massas; sobre o sentimento de pertencimento das pessoas ao serem aceitas entre seus pares”, disse o psicólogo.


Brasília (DF) 05/02/2025 - Especialista em psicologia clínica e ex-diretor de torcida organizada Rubra, do time goiano Anapolina, Pedro Henrique Borges.
Foto: Pedro Henrique Borges/Arquivo pessoal
Brasília (DF) 05/02/2025 - Especialista em psicologia clínica e ex-diretor de torcida organizada Rubra, do time goiano Anapolina, Pedro Henrique Borges.
Foto: Pedro Henrique Borges/Arquivo pessoal

Técnico em psicologia clínica e ex-diretor de torcida organizada Rubra Pedro Henrique, do time goiano Anapolina . Foto: Pedro Henrique Borges/Registo pessoal

Ele explica que, segundo essa traço da psicanálise, a volume não precisa de verdades e nem de concordar com verdades, mas de um líder que dite ideias e discursos. “Não se concorda com a teoria, mas com o líder, até pela sensação de pertencimento. E, para se sentir pertencente, ele acaba fazendo coisas que, talvez fora do grupo, não faria”.

Violência

Essa visão mais abrangente, enquanto psicólogo e integrante de torcida organizada, possibilitou a Borges seguir de perto todo o processo pelo qual alguns torcedores passaram, desde os momentos iniciais de protecção pelo grupo até a participação em atos de extrema violência praticada supostamente porquê prova de paixão ao clube.

Ele explica que, geralmente, o torcedor é asilado e aceito pela organizada. “Ali, ele pode ingressar mesmo tendo sido expulso ou rejeitado de outros lugares. Nesse envolvente, acaba sendo muito geral encontrar pessoas extremamente violentas e problemáticas”, disse ele ao reportar estudos indicando que a incidência de pessoas com perfil psicopáticos varia entre 4% e 6%.

“Pessoas com perfil de psicopatias costumam aproveitar grupos porquê torcidas organizadas para praticar toda sua perversidade”, acrescenta.

Machismo e afeto

Somado a isso, Borges lembra que, em uma sociedade machista que não permite ao varão manifestar afeto, as torcidas organizadas acabam sendo, para muitos, a única forma onde expressar afeto é alguma coisa permitido, o que amplia a relação passional com o clube e com os demais integrantes da torcida.

“Ali, eles podem expressar os afetos que, em outros espaços, são negados ao varão. Na hora do gol, ele pode abraçar e beijar o colega; pode expressar paixão ao clube. Pode até mesmo chorar, sem ter sua masculinidade questionada. Em outros ambientes, isso o inferiorizaria em relação aos demais”, explica.

Edergênio Vieira lembra que, desde moço, o futebol representa sociabilidade para os homens, exigindo deles comportamentos másculos, atitudes fortes. “É aquela velha história: ‘futebol é coisa para varão’. Ouvimos isso a todo momento, mesmo com as mulheres conquistando seus espaços, seja na torcida ou em campo”, pontuou.

Essa violência impregnada no varão acaba sendo cultuada pela sociedade, tendo porquê reflexos o menosprezo e a desvalorização do outro. “O futebol não está à segmento disso, e evidencia a dificuldade de se ver as qualidades ou contemplar o time rival. Veja muito: valorizar o rival seria também uma forma de valorizar tanto as vitórias porquê as derrotas diante dele”, complementa.

“Outrossim, pessoas que se sentem fracassadas podem ter, nas vitórias de seu time, motivos para se sentirem felizes. Elas se realizam com o futebol. Quando dá patente, tudo muito. Mas quando dá inexacto, elas encontram qualquer motivo para trasbordar a frustração com o time”, acrescentou.

Comportamento fascista

Para Borges, a violência ocorrida na véspera da partida entre Sport e Santa Cruz foi um caso “evidente e flagrante de psicopatia que rompe todo e qualquer pacto civilizatório”. “Vemos ali alguma coisa muito parecido com os movimentos nazistas e fascistas, no sentido de animalizar e destruir o outro, considerado dissemelhante”.

O psicólogo diz ver “predominância clara” de pessoas de perfil conservador nessas torcidas, mas que há, também, torcidas que apesar de adotarem discursos progressistas, acabam se comportando também preconceituoso e ofensivo, quando diante do efeito manada.

“É importante deixar simples que não há ideologia no torcer, e que contender e confrontar estão relacionados a uma suposta honra do quidam ao grupo que o acolheu”, disse.

Percepção semelhante tem o sociólogo Edergênio Vieira. “É estranho vermos torcidas que se dizem progressistas, inclusive adotando discursos antifascistas, serem flagradas praticando atos enquadrados exatamente no campo do fascismo. O mesmo com relação à homofobia. O bom pensamento surge, mas o quidam acaba perdido em meio à turba, porque não há controle sobre ela”.

Protegido pelas massas


Brasília (DF) 05/02/2025 - Edergênio Vieira, pesquisador do Núcleo de Estudos Sobre Violência e Segurança da Universidade de Brasília (NEVIS/UnB), escritor e doutorando em Sociologia (PPGSOL-UNB).
Foto: Carlos Costa/Divulgação
Brasília (DF) 05/02/2025 - Edergênio Vieira, pesquisador do Núcleo de Estudos Sobre Violência e Segurança da Universidade de Brasília (NEVIS/UnB), escritor e doutorando em Sociologia (PPGSOL-UNB).
Foto: Carlos Costa/Divulgação

Edergênio Vieira, pesquisador do Núcleo de Estudos Sobre Violência e Segurança da Universidade de Brasília (NEVIS/UnB). Foto: Carlos Costa/Divulgação

Vieira explica que, em meio a esse “efeito manada”, o quidam tem a sensação de estar protegido pelas massas. “Ele, que muitas vezes se sente fraco e inofensivo individualmente, quando rodeado pela turba tira de si essa perspectiva e se sente integrante de alguma coisa maior. Em muitos casos, da marginalidade”.

Associado a isso, acrescenta, tem também um processo de negação do outro. “Isso é muito presente nas torcidas organizadas, inclusive em seus cânticos que, muitas vezes, chegam a festejar a morte de um rival. Em várias situações as torcidas organizadas relembram pessoas assassinadas por torcedores”, complementou o sociólogo.

Vieira lembra que, em alguns casos, é notória a relação próxima entre integrantes da torcida organizada e facções criminosas, mas que seria um erro generalizar esse problema, criminalizando as torcidas organizadas porquê um todo.

“Essas facções chegam a interferir no processo de organização de algumas torcidas, inclusive visando venda de entorpecentes e receptação de mercadorias roubadas”, disse.

Soluções

De convenção com os especialistas consultados pela Filial Brasil, algumas medidas podem amenizar a violência praticada entre torcidas organizadas.

Para Vieira, uma das coisas mais frustrantes para aqueles que amam o futebol são as partidas jogadas com estádios vazios ou com torcida única. “Essa é uma medida que faz o futebol perder o que tem de bonito e espetacular”, diz ele ao se referir a uma das medidas punitivas mais adotadas contra torcidas violentas.

Uma solução, segundo o sociólogo, seria a geração de um cadastro vernáculo de torcedores, alguma coisa que pode ser ajudado até mesmo pelos ingressos que exigem reconhecimento facial, na hora da ingressão no estádio. “Tecnologias porquê esta podem ajudar a endurecer a punição contra os maus torcedores, inclusive banindo-os das torcidas, poupando os demais”, disse.

Segundo Borges, a exclusão de torcidas não resolveria, a longo prazo, o problema da violência. “Isso já foi tentado várias vezes e nunca deu patente”, disse ao declarar que pessoas não melhoram quando isoladas, seja de um estádio, seja da sociedade.

“O que precisa é um processo educativo que desenvolva, nas pessoas, tino crítico. São necessárias, portanto, políticas voltadas a esses sujeitos mais problemáticos, até porque eles continuarão existindo fora do estádios”.

Polícias

Vieira labareda atenção para o papel das polícias, que não precisam ser necessariamente violentas. “Um elemento fundamental é a atuação de batalhões especiais de policiais, inclusive para se comunicarem de forma mais direta com as torcidas organizadas”.


Rio de Janeiro (RJ) 23/10/2024 - Torcedores do time Peñarol, do Uruguai, envolvidos em confusão no Recreio dos Bandeirantes, são tradizos à Cidade da Polícia Civil. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Rio de Janeiro (RJ) 23/10/2024 - Torcedores do time Peñarol, do Uruguai, envolvidos em confusão no Recreio dos Bandeirantes, são tradizos à Cidade da Polícia Civil. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Polícia intervém para evitar conflitos e prisões em estádios – Foto:  Fernando Frazão/Filial Brasil

“Isso possibilita a realização de projecto de prevenção em conjunto com chefes das organizadas. Várias experiências já mostraram que isso dá patente”, acrescentou.

É o que o psicólogo Borges fazia quando era diretor de torcida organizada. “Sempre pensávamos juntos [com a polícia] formas de ajudar os torcedores a se conciêntizarem sobre os perigos desse efeito manada, quando a turba perde o controle e segmento para ações violentas”, disse.

Vieira acrescenta que as polícias deveriam dar atenção próprio aos grandes eventos esportivos. “Muitas brigas são marcadas via redes sociais. Elas poderiam ter sido evitadas, caso houvesse um trabalho de lucidez mais eficiente, por segmento das polícias”.

O sociólogo considera necessário, também, uma dissociação entre instituições e torcedores. “Clubes e torcidas organizadas têm CNPJ diferentes. Têm formas de organização e dinâmica diferentes, ainda que, sabemos, alguns clubes tenham relações nebulosas, para não expor umbilicais, com algumas torcidas organizadas”.

O sociólogo, no entanto, alerta: muitos torcedores atuam de forma violenta porque têm certeza da impunidade. “Isso é ruim porque, sem punição a essas atrocidades, dá-se salvo conduto ao quidam para repeti-la. Eles não podem receber anistia, porque isso acabará estimulando outros a fazerem o mesmo”, concluiu.

Fonte EBC

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