Ervas Secas, De Bilge Ceylan, Provoca Com Professor Cruel

Ervas Secas, de Bilge Ceylan, provoca com professor cruel – 13/03/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Sob a neve que cobre um pequeno vilarejo da Turquia estão sonhos e frustrações que se acumulam nas mais de três horas de “Ervas Secas”, filme do premiado Nuri Bilge Ceylan que foi exibido no Festival de Cannes do ano pretérito, onde arrematou o prêmio de atuação feminina para Merve Dizdar.

No núcleo da trama está Samet, papel de Deniz Celiloglu, professor de artes numa escola frequentada por crianças que mal têm o que vestir, muito menos tempo para sonhar com uma curso naquela superfície. Pelas burocracias do sistema educacional, ele precisa passar alguns anos no lugar, até poder ser transferido para uma cidade grande.

Assim, seu sentimento de frustração cresce, não só por sua própria situação, mas também por perceber que tem pouco a oferecer àqueles estudantes, para os quais a vida não suplente um horizonte muito promissor. A paisagem gélida corrobora para o sentimento de desalento –não há grama, ou ramaria, capaz de crescer ali.

Um dúbio relacionamento se impõe sobre a narrativa. Samet tem uma clara preferida em sua turma, Sevim –Ece Bagci–, em idade pré-adolescente, que toma uma vez que pupila. Ele a mima com presentes que só podem ser encontrados na cidade, passa tempo conversando com ela em sua sala e suplente a ela carícias e palavras de uma mel que não combina com seu jeito escabroso.

Não é com surpresa, portanto, que o diretor da escola recebe uma denúncia anônima de que a relação que se estabeleceu entre eles é imprópria, jogando para o público a possibilidade de Samet ser pedófilo. Zero em cena confirma, mas a viradela de seu personagem, depois a denunciação, não faz dele menos repugnante.

“O diretor deixa simples que não houve insulto sexual, ele fala exclusivamente do comportamento em lição, mas simples que eu não posso controlar o testemunha que pensa que talvez haja um pouco mais profundo escondido, que não chegou à denúncia”, afirmou Ceylan do supino de um prédio em Cannes, a um grupo de jornalistas que estavam ali depois a exibição de “Ervas Secas”.

Mas ele não nega que, a partir da denúncia, o protagonista dá início a uma série de abusos psicológicos. “Ele está numa posição hierárquica e, ao se sentir humilhado, a violência dentro de si aumenta, dando vazão à crueldade, uma vez que acontece com muitos de nós em diferentes situações.”

Samet não entende por que Sevim falaria contra ele –seria ela a culpada, numa dedução fácil e imponderada–, e passa a destratar a aluna com uma maldosa preocupação. Margem a tortura psicológica, o que não torna a experiência de acompanhá-lo exatamente deleitável.

Ceylan deixa simples que não gosta de fazer filmes políticos, e que a inspiração para “Ervas Secas” foi um caso real sobre o qual leu, ocorrido na mesma região da Turquia. Para ele, é oriundo que professores criem conexões especiais com determinados alunos –no caso de seu filme, Sevim dá a Samet a pujança que ele precisa para encarar o exílio naquele lugar inóspito.

“Mas por razão da desilusão pela qual passa, ele começa a ser cruel, porque, na verdade, ele sempre foi assim. Vemos isso até na relação com seu camarada professor. Logo se o aluno fosse um menino, seu comportamento seria o mesmo”, diz Ceylan, que não quis que a obra refletisse, por exemplo, o movimento MeToo, e a compara mais à traição de Júlio César por Brutus.

Junto com o professor com quem divide moradia, níveo da mesma denúncia de que estaria tratando alunas de forma imprópria, Samet cria um laço poderoso com Nuray, a personagem de Merve Dizdar, também no vilarejo de passagem.

É a personagem dela a bússola moral da história. Nuray perdeu uma das pernas devido à explosão de uma explosivo, refletindo um caso real do qual Ceylan tomou ciência. Assim, ela viu seus sonhos, também, serem soterrados pela frieza e imobilidade que imperam naquele lugar.

São vários e longos os diálogos travados entre o trio de personagens adultos, que refletem sobre a vida e as expectativas de horizonte –ou a falta delas. Há muita verborragia, uma vez que é praxe no cinema do turco, que já venceu a Palma de Ouro por “Sono de Inverno” e o prêmio do júri por “Era uma Vez na Anatólia”, que ficam perto das três horas de duração.

“Eu palato de testemunhar a conversas, seja no cinema, no teatro ou na TV. Palato de páginas e páginas de discussão. Eu sou uma pessoa que gosta mais de ouvir do que de falar”, diz Ceylan sobre suas longas durações. “Veja, eu preferiria estar ouvindo o que você tem para manifestar neste momento do que estar respondendo às suas perguntas.”

Folha

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