No afrofuturismo, movimento cultural protagonizado por pessoas negras, a liberdade permite que nascente grupo sonhe, projete um porvir e rompa barreiras. Erykah Badu, com seu show na noite desta quarta-feira (6), no Espaço Unimed em São Paulo, provou que esta liberdade é a núcleo da sua arte —presente tanto nas letras que compõe quanto na extensão da sua voz e na construção de sua imagem.
Por volta das 21h30, o Espaço Unimed já estava referto de pessoas ansiosas pela apresentação, embora os ingressos não tenham se esgotado. Antes de Badu, quem subiu ao palco foi Luedji Luna, com o último show da turnê de seu álbum “Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Chuva Deluxe”, de 2022.
Luedji, que tem Badu uma vez que uma de suas maiores inspirações, fez uma franqueza de muro de 50 minutos. Embora enfrentasse problemas técnicos com o microfone, tanto o seu quanto os das backing vocals, ela conseguiu levantar a plateia, mormente ao trovar seu grande hit “Banho de Folhas”. Antes de se despedir, a artista anunciou que um novo disco está em produção.
A apresentação de Badu, inicialmente prevista para 22h, começou às 22h35. Mas ela, na verdade, só apareceu às 22h42, depois de alguns minutos de exibição instrumental de sua margem. Seu demora costumeiro, no entanto, foi logo recompensado.
Quando entrou, Badu gerou grande alvoroço no público. Em silêncio e envolta em mistério, ela apareceu no palco usando uma grande cartola, calças de moletom, uma camiseta com a imagem de Tupac, botas verdes e um sobretudo gravado. Sob o chapéu maximalista, usava uma tureg que envolvia uma trunfa feita de meia-calça —item muito popular entre mulheres negras, antes da chegada das toucas de cetim, para preservar os cabelos.
Logo que começou a trovar, sua voz dominou o envolvente. Ela iniciou a setlist com “The Healer”, do álbum “New Amerykah”, cujos versos afirmam que o hip-hop é maior que a religião e o governo. Em seguida, veio “On & On”, um hit de seu álbum de estreia “Baduizm”, pioneiro do neosoul. Nas suas canções, Badu escreve com mão possante a narrativa de uma mulher negra que fugia dos estereótipos impostos pela indústria da música e pela sociedade.
O show teve uma atmosfera cósmica, com imagens de planetas e galáxias no telão, além de efeitos sonoros e luminosos que evocavam um envolvente forasteiro. Em um momento, Badu parecia ser abduzida por um lio de luz vindo do teto. Em outro, ela simulava estar recebendo choques nas mãos enquanto tentava transpor uma barreira luminosa, até finalmente superá-la. As cenas reforçavam a aura quase divina que envolvia a artista.
A cantora conversou com o público inúmeras vezes, expressando sua felicidade em estar ali e compartilhando reflexões. “Podemos não falar a mesma língua, mas nós entendemos isso”, disse, referindo-se à música.
Ela também deu conselhos. “Existem cinco coisas das quais precisamos. Precisamos do Sol, que nos dá força; exercícios, que nos mantêm possante; boa comida, frutas, vegetais, que nos faz ser inteligentes; dormir pelo menos seis horas; e também precisamos do espírito —que vem dos tambores.”
Badu ainda fez uma referência às religiões de matriz africana brasileiras. “Precisamos rezar com os tambores para convocar os espíritos. Não é assim na cultura de vocês? Quando vocês tocam os tambores, o espírito vem.”
À vontade, ela surpreendeu ao descer do palco e subir em uma caixa de som, e assim permanecer mais próxima do público, enquanto cantava “Next Lifetime”. A artista também parou a apresentação quando uma fã passou mal, perguntou se ela estava muito e arremessou garrafas de chuva de lá de cima.
Ela cantou outros sucessos uma vez que “Orange Moon” e “Apleetree” e chegou a ameaçar trovar “Bag Lady”, mas desistiu antes do segundo verso para frustração da plateia. O tempo todo, Badu impressionou com seus vocais exuberantes e sua habilidade em combinar soul, R&B e batidas de hip-hop. Mesmo sem lançar um novo trabalho há quase uma dez, a cantora segue no auge de sua potência artística.
A cantora começou em São Paulo uma turnê que faz pela América Latina, tendo os próximos destinos ainda no Brasil. O segundo show, nesta sexta-feira (8), será no festival Rock the Mountain, em Petrópolis (RJ), e o terceiro no Afropunk, em Salvador, neste sábado (9).
