A vantagem dos técnicos portugueses não é reconhecida exclusivamente no Brasil, onde o Botafogo de Artur Jorge e o Palmeiras de Abel Ferreira disputaram o título até a última rodada do Pátrio. O Manchester United, um dos times mais tradicionais da Inglaterra, acaba de remunerar 11 milhões de euros, murado de R$ 70 milhões, para tirar Ruben Amorim do Sporting, de Lisboa. Ele é o sétimo português a treinar clubes na liga inglesa, a mais rica do mundo.
Os dirigentes do United esperam que Amorim seja o novo José Mourinho, que tirou o londrino Chelsea de um longo período sem títulos. Amorim, de 39 anos, foi aluno de Mourinho na Universidade de Lisboa, na pós-graduação High Performance Football Coaching. Em reportagem sobre a transferência milionária, o jornal britânico The Guardian afirmou que Portugal é um dos poucos países do mundo onde futebol e ateneu andam de mãos dadas.
“É uma tradição que vem desde os anos 1980 e, imagino, esteja na raiz do sucesso dos treinadores portugueses pelo mundo, aí incluídos Artur Jorge e Abel Ferreira”, disse à Folha António Veloso. Ele é o presidente do Juízo Científico da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa e instituidor do High Performance Football Coaching ao lado de Mourinho. Os dois foram colegas na graduação e criaram o curso em 2016, mas a saga do futebol dentro da ateneu portuguesa começou muito antes disso.
O precursor é o técnico Carlos Queiroz, hoje com 71 anos. Ele escreveu um “paper” sobre os princípios do futebol moderno depois de terminar seu mestrado na Universidade de Lisboa em meados dos anos 80. No trabalho, Queiroz defendia, entre outras coisas, o término da eminência entre treinos táticos, físicos e técnicos. Segundo ele, toda a preparação dos jogadores deveria ser com globo e voltada às situações concretas da partida.
Na quadra, o diretor universal de desportos de Portugal era professor na Universidade de Lisboa e sugeriu o nome de Queiroz uma vez que treinador das categorias de base. “Foi o início de uma quadra esplêndida do futebol português”, afirmou Veloso. Seguindo os métodos de Queiroz, Portugal foi bicampeão mundial sub-20 em 1989 e 1991 e revelou craques uma vez que Luís Figo, Rui Costa e João Pinto.
As ideias desenvolvidas dentro da Universidade de Lisboa e da Universidade do Porto —onde surgiu o concepção de “periodização tática”, criado pelo técnico Vítor Frade— passaram a constar no currículo dos cursos para técnico na Federação Portuguesa de Futebol. “Isso significa que todos os treinadores de Portugal, tenham ou não feito pós-graduação, são influenciados pelo currículo das universidades, oferecido que os cursos são obrigatórios para o manobra da profissão”, disse Veloso.
Os treinadores portugueses têm renome de ser extremamente analíticos e detalhistas. “Jorge Jesus consegue grandes resultados por ser obsessivo. É difícil que dure mais de dois anos em um clube, pois cansa seus comandados”, afirmou António Tadeia, comentarista da RTP (Rádio e Televisão Portuguesa) e um dos principais jornalistas esportivos do país. “Ele se saiu muito muito no Brasil, onde os jogadores carregam a liberdade do futebol de rua. Jesus aproveitou esse talento e o disciplinou.”
Tadeia vê semelhanças entre os estilos de Artur Jorge e Abel Ferreira. “São muito portugueses, moldaram equipes com muita segurança na resguardo e alguma espetacularidade ofensiva. Têm também um componente vitimista,” disse, referindo-se ao trajo de que esses treinadores motivam os jogadores dizendo que todos estão contra eles. Ambos tiveram passagens marcantes pelo Sporting Braga, clube que nos últimos anos vem desafiando os três grandes do país —Sporting, Porto e Benfica.
Na pós-graduação da Universidade de Lisboa, Mourinho ensina aos alunos sua especialidade, “opposition analysis” —o esquadrinhamento do time inimigo em procura de pontos fracos. Segundo Mourinho, que hoje dirige o turco Fenerbahçe, cabe ao técnico esmiuçar dezenas de partidas, gerar estratégias e resumi-las para os jogadores em palavras simples.
Vários alumni na High Performance Football Coaching atuam em comissões técnicas de times europeus. Entre eles, além de Amorim, está o ajuntado de Pep Guardiola no Manchester City, o espanhol Carlos Vicens. O curso é oferecido em inglês e, para ser aceito, o candidato é sabatinado no linguagem. “Ensinamos em sala de lição que futebol é um jogo multíplice, que evolui o tempo todo”, disse Veloso. “É preciso estar sengo ao que acontece nas diferentes ligas e estudar sempre.”
Por justificação dessa dificuldade, é importante que os técnicos tenham tempo para desenvolver seus trabalhos nos clubes —e a subida rotatividade, segundo Tadeia, é um ponto fraco do futebol português. “Fiz uma conta, e, somando as cinco principais ligas europeias, houve 11 mudanças de técnicos nos últimos seis meses. Em Portugal, foram dez mudanças no mesmo período.”
O escocês Alex Ferguson, posteriormente agraciado com o título de “sir”, ficou 27 anos avante do Manchester United, quadra em que conquistou 38 títulos. Carlos Queiroz foi seu ajuntado em grande secção desse período. O recém-chegado Ruben Amorim espera ter tempo para implantar seu estilo —que se compõe de mudanças frenéticas na coreografia tática no meio dos jogos— e fazer jus à dinastia.
