Edson Luís, Ismael Silva de Jesus, Nilda Roble Cunha, Helenira Resende, Honestino Guimarães, Ana Kucinski, Vladimir Herzog. Esses são unicamente alguns dos estudantes e professores que foram perseguidos e assassinados pela ditadura militar no Brasil, que teve, na instrução, um dos principais braços da repressão. Nesse período, entre 1964 e 1985, disciplinas obrigatórias foram criadas com o objetivo de difundir a ideologia do regime e houve uma precarização do ensino e das escolas, com desvalorização salarial dos professores e falta de infraestrutura, além de exprobação e perseguições a professores e estudantes. O cenário é descrito por especialistas e pesquisadores entrevistados pela Filial Brasil.
Segundo o professor de história da instrução básica da Universidade Federalista de Minas Gerais (UFMG) João Victor Oliveira, durante a ditadura, as escolas foram branco de mudanças substanciais.
“Isso porque os ditadores vão entender que esse espaço é um lugar não só de uma formação de mão de obra para o mercado de trabalho – uma mão de obra barata. A gente costuma examinar esses currículos porquê currículos muito tecnicistas, excludentes, voltados a um capitalismo em subida, que os militares vão ser responsáveis por colocar em marcha -, mas também porquê lugar para disseminação de ideologias, sobre o bastião da teoria de ordem e de obediência”, diz o professor que leciona, em Belo Horizonte, na escola estadual Juscelino Kubitschek de Oliveira.
Entre as mudanças que ocorreram na instrução no período da ditadura estão a inclusão nos currículos das disciplinas Instrução Moral e Cívica, no primeiro proporção, atual ensino fundamental, Organização Social e Política do Brasil, a chamada OSPB, no segundo proporção, atual ensino médio, e Estudos de Problemas Brasileiros, no ensino superior.
“Eram três disciplinas nas quais se queria sintetizar a instrução autoritária, a instrução moral, a instrução cívica, nesse viés dominador da escola primária à universidade”, diz o professor da Faculdade de Instrução da UFMG Luciano Mendes.
Nessas disciplinas, o teor tinha por objetivo exaltar os portugueses e a escravidão, desconsiderando um processo de colonização que massacrou indígenas e o caráter criminoso da escravidão no Brasil, cujas consequências seguem até os dias atuais. “Por exemplo, para o currículo de história nessas disciplinas, a perspectiva que se tem é de apresentar o protagonismo dos portugueses, de apresentar o processo colonial porquê um projeto de sucesso, de entender a escravidão sob a ótica econômica e não sob a ótica da desumanização de determinados grupos sociais que foram compulsoriamente escravizados”, explica.
Também havia, de pacto com Mendes, a exclusão de disciplinas consideradas subversivas, porquê sociologia e filosofia. “Outras tiveram os conteúdos mudados. Foi reforçada a teoria da instrução cívica, uma disciplina que foi muito reforçada pelos militares, porque eles compreendiam que as formações cívica e física eram intrínsecas”, diz.
A instrução física, com o objetivo de educar e organizar os corpos, além de organizar celebrações e desfiles referentes à ditadura, foi, segundo Mendes, incentivada.
Os dois especialistas ressaltam que, nesse período, havia também resistência e que muitos docentes utilizaram as disciplinas obrigatórias para sanar as lacunas deixadas pela exclusão de história, filosofia e promover uma instrução sátira dentro das salas de lição.
Instrução era melhor?
Ainda nos dias de hoje existe uma crença de que as escolas, durante a ditadura, eram melhores, e que de lá para cá o ensino unicamente piorou. Dados mostram que isso não é verdade.
“É uma mito urbana, não era melhor, porque você não tinha o caráter da instrução que é levar aquele estudante a uma reflexão, a uma construção do conhecimento. Você tinha uma universidade excludente, você tinha uma instrução também excludente e com conceitos muito tradicionais”, diz a professora de História da América da Universidade Federalista Fluminense (UFF) Samantha Quadrat, que é pesquisadora do Laboratório de História Vocal e Imagem (Labhoi) e que administra o projeto Lugares de Memória. “Viver uma ditadura não é um pouco bom, não tem zero de positivo numa ditadura, seja ela qual for”, ressalta a professora.
Samantha destaca que é importante considerar os movimentos educacionais que precederam a ditadura. Antes do golpe militar de 1964, o Brasil era presidido por João Goulart e a instrução passava por um momento de reformulação, com mais espaço para a instrução popular. “É uma ditadura que interrompe projetos importantes para a instrução do Brasil”, diz Samantha, lembrando que a instrução, à era, era voltada para as elites. As camadas populares não concluíam os estudos ou sequer tinham entrada à escola.
O professor de história da instrução básica da UFMG João Victor Oliveira complementa afirmando que a escola era vista porquê melhor no pretérito porque era profundamente elitizada. “Estamos falando de quadros que frequentavam a sala de lição, muito mais restritivos e muito menos populares. Portanto, nesse ponto de vista, uma escola para poucos, evidentemente, é muito mais fácil de organizar. E quanto mais essa classe trabalhadora vai adentrando o espaço da escola, embora a política da ditadura tenha ampliado as vagas, ela não garantiu nenhum tipo de estrutura que desse conta dessa ampliação. Essa piora dos quadros da escola pública, porquê é lido, está muito associada a essa teoria preconceituosa, excludente, antirrepublicana e antidemocrática de que foram as classes populares que estragaram a escola pública.”
Até 1971, a escola era dividida em instrução primária (composta de quatro anos), seguida de um fiscalização de recepção e uma lanço secundária (composta de sete anos: quatro de ginásio e três de escola). Esse sistema foi reformado pelos militares que criaram o primeiro proporção, de oito anos, e o segundo proporção, de três, com a Lei 5692/1971. Eles acabaram também com o fiscalização de recepção, para não limitar o entrada às fases seguintes. Para atender a interesses capitalistas de formação de mão de obra, era importante, segundo os pesquisadores, incluir as camadas populares na instrução formal.
Pesquisas mostram, no entanto, que essa inclusão não alterou as repetências nem as taxas de epílogo do ensino. Dados citados no livro O ponto a que chegamos, do jornalista Antônio Gois, mostram que os brasileiros estudavam em média 2,6 anos em 1965 e, em 1985, essa taxa sobre para 3,5 anos de estudo entre a população de 25 anos ou mais. Números inferiores a outros países porquê Coreia, com 7,8 anos de estudo em 1985; Chile, com 6 anos e México, com 4,1.
A expansão da instrução proposta pelos militares não veio acompanhada de mais recursos, o que levou a uma precarização do ensino. Segundo o portal Memórias da Ditadura, criado pelo Instituto Vladimir Herzog, em 1982, quase no final da ditadura, o Brasil aparecia porquê o país da América Latina com menor percentual de gasto público na instrução, com um investimento de unicamente 6,5% do Resultado Interno Bruto (PIB), de pacto com o Banco Mundial. O Haiti aparecia porquê penúltimo disposto da lista, logo supra do Brasil, com um investimento de 11,3%.
Mais tarde, em 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da Instrução Pátrio (LDB), vigente até hoje, o primeiro e segundo proporção se transformam nos atuais ensinos fundamental e médio.
Heranças da ditadura na instrução
Para Mendes, a ditadura ajudou a solidificar uma escola desinteressante aos estudantes e que não incentiva a participação. “Ela não é escola gostosa, não é uma escola feliz, porque a gente baniu dessa escola muito aquilo que faria a escola também dissemelhante, as artes, a reinação, tudo isso, porque é uma escola cada vez mais militarizada. Ter uma escola em que impera o silêncio, em que a discussão, em que o debate não subsiste, não pode estar presente, essas também são heranças fortes da ditadura. Uma escola que tem dificuldade de pulsar no mesmo ritmo dos movimentos sociais, uma escola que, digamos, muitas vezes, se esconde detrás dos muros”, diz.
Outra legado, de pacto com o profissional, é a precarização do ensino e, sobretudo, a precarização do trabalho dos professores.
“Essa é uma particularidade acentuada pela ditadura, expandida pela ditadura e da qual a gente não se recuperou. O Brasil paga os piores salários dos professores da instrução básica, [está entre os] os piores salários do mundo. A fardo horária de trabalho dos professores é muito subida. O número de alunos e alunas que as professoras brasileiras têm que mourejar cotidianamente é supra da média mundial. Tudo isso torna a vida de professores e professoras muito estafante, e não é por possibilidade que é uma das profissões onde mais se adoece.”
Já de pacto com Samantha, da UFF, uma das heranças é a tecnicidade do ensino, a procura pela formação de mão de obra barata sem preocupação de estimular a capacidade sátira dos estudantes, para que possam ter autonomia na sociedade. Agora, na avaliação dela, a história se repete com a reforma do ensino médio que oferece, sobretudo nas escolas públicas, um currículo e um ensino técnico de baixa qualidade. A reforma está sendo discutida no Brasil. Professores e estudantes relataram que, enquanto em escolas particulares estudantes tinham entrada a laboratórios e a um ensino com mais estrutura, em algumas escolas públicas ensinava-se a fazer brigadeiro, porquê cuidar de pets e porquê fazer sabonete.
“Através dos cursos técnicos a teoria é de que a universidade não era para todos. Para o estudante da escola pública nem era oferecido o recta de sonhar com a universidade”, diz a professora.
Na avaliação de Samantha, o chamado Novo Ensino Médio mantém o ensino para poucos. “É uma reforma excludente, é uma reforma autoritária, é uma reforma que pouco se preocupa com aquele estudante da escola pública, ao contrário, a teoria de que vai ser um estudante trabalhador, ou seja, você ceifa sonhos, você ceifa perspectivas de porvir, você não oferece coisas que você deveria oferecer a todo jovem brasiliano, independentemente da idade, se ele é periférico ou não, se ele é preto, se ele é branco, logo você pensa uma outra instrução”.
Outra legado apontada pela profissional é a subida de grupos particulares na instrução brasileira. Até logo, a instrução pública era considerada de superioridade. Com a falta de investimento na ditadura e a deterioração da escola pública, a escola privado passa a ser enaltecida. Grupos particulares e fundações passam também a atuar e influenciar a instrução, chegando até mesmo a disputar o orçamento público, de pacto com a pesquisadora. “O que a gente vê hoje é uma disputa por essa instrução, o seu orçamento gigante e eu acho que o grande entrave dessa ditadura foi a subida dos grupos privados, tanto nas universidades porquê nas escolas”, diz.
Ditadura na sala de lição
Para que a história não se repita e para que as novas gerações tenham entrada ao que foi de veste a ditadura, o professor de história da UFMG defende que o tema seja trabalhado nas salas de lição. Apesar de já estar previsto no currículo, na prática, esse ensino encontra algumas barreiras. “O que eu tenho observado, seja na minha atuação porquê professor, seja no meu trabalho porquê pesquisador, é que, ainda mais num contexto pós-pandêmico, há uma urgência muito grande no espaço escolar, que é a formação para sensibilidades”, diz o professor.
“A cena de tortura parece não emocionar tanto os estudantes porquê comovia anos detrás. Os episódios de perseguição, morte, homicídio, parecem não produzir uma consternação desses estudantes, porquê isso acontecia há alguns anos. De certa forma, o que nós precisamos, tanto quanto ensinar sobre o aparelho reprimidor da ditadura, é formar também as sensibilidades dessas juventudes, dessas crianças, que nem sempre têm a oportunidade de estudar esse tema na escola. Em universal, esse é um tema vinculado ao terceiro ano do ensino médio ou ao nono ano do ensino fundamental. E esse currículo que nós chamamos de história do tempo presente quase não tem tempo de ser trabalhado pelo excesso e pelas prescrições curriculares, mormente a Base Pátrio Generalidade Curricular (BNCC) colocada em vigor recentemente”.
Segundo o professor, a internet facilitou o entrada a documentos, mas é importante que o tema seja trabalhado para que os jovens saibam quais documentos são ou não confiáveis. “Nós dizemos que as fontes históricas estão à palma da mão, dos telefones celulares, enfim. Mas é preciso continuar esse letramento, de modo que essas mesmas pessoas consigam ler isso tudo de maneira sátira e ir além para que nunca mais aconteça”, defende o professor.
Jovens e a democracia
Os professores não são os únicos preocupados em levar uma formação sátira às escolas, os estudantes têm se mobilizado em resguardo da democracia. Um exemplo é o Movimento Democratizou, criado por estudantes de Aracaju para ampliar a instrução política e o protagonismo dos jovens em uma sociedade democrática. O projeto conta com embaixadores nas escolas e em vários estados.
A estudante de ciências sociais Rebeca Sousa é uma das embaixadoras do Democratizou. Ela conheceu o projeto quando estava no final do ensino médio e logo se identificou. “Para mim, a democracia é a principal forma de a gente conseguir a pluralidade de debates. A democracia é importante porque ela consegue, através da sua pluralidade, da população, que é a base dela, o contato com as pessoas, e a escuta dessas mesmas pessoas. A gente consegue trazer maior representatividade, maior escuta da multiplicidade”, diz.
Na avaliação da estudante, os jovens, que foram fundamentais na resistência durante a ditadura, também são essenciais nos dias de hoje para manutenção da democracia.
“Para mim, a juventude ela é a flor da resistência. Muitas vezes eu vejo os adultos nesse lugar de conformismo. De ‘Ah, é isso mesmo, não tem o que fazer’. Eu acho que a juventude traz esse gás, de manifestar: ‘não, peraí, isso está muito inverídico, a gente precisa correndo fazer uma mudança’. Eu acho que o espírito da juventude é essa labareda de mudança, de inquietação”, defende.