Especialistas Contestam Polícia Sobre Efeitos Da Adpf Das Favelas

Especialistas contestam polícia sobre efeitos da ADPF das favelas

Brasil

As informações apresentadas pelas polícias que atuam no estado do Rio de Janeiro em relatório elaborado por grupo de trabalho do Recomendação Vernáculo de Justiça (CNJ) geraram indignação entre pesquisadores e órgãos que atuam no estado. Segundo trechos do relatório apresentado a Polícia Social do Rio de Janeiro atribui a expansão da atuação de organizações criminosas, principalmente do Comando Vermelho, às restrições impostas pelo Supremo Tribunal Federalista (STF) às operações policiais ainda durante a pandemia de covid-19.

Especialistas argumentam que isso não é verdade, que o progresso da criminalidade é mais multíplice e envolve, por exemplo, o aumento do poder das milícias, que nunca chegaram a ser de veste combatidas. Outrossim, argumentam que faltam dados que provem as alegações feitas no documento.

O relatório foi entregue nessa quarta-feira (10) pelo CNJ ao ministro Edson Fachin, do STF, relator da ação de descumprimento de preceito fundamental 635, apelidada de ADPF das Favelas, em que foi tomada a decisão que restringiu a atuação policial no Rio. O plenário votou o tema em 2020, quando restringiu as operações policiais a “casos excepcionais”.

Em ofício, os próprios conselheiros responsáveis pela elaboração do relatório fazem a salvaguarda de que as considerações relativas ao progresso do violação organizado em seguida a ADPF 635 não fazem secção das conclusões às quais o grupo chegou, elas “refletem, tão somente, a visão da Secretaria de Estado de Polícia Social do Estado do Rio de Janeiro”.  

“A polícia não traz dados”, diz o coordenador do Núcleo de Resguardo dos Direitos Humanos da Defensoria do RJ, André Castro. “Fundamentado em dados, ela tem que expor, olha, aumentou da seguinte forma, fazer as conexões, expor a gente infere que esse aumento se deve ou tem reciprocidade com as medidas da ADPF, por esses parâmetros, que são verificáveis. Zero disso. [Não tem] zero disso. Isso é só uma opinião, e uma opinião com a qual a gente não concorda”, acrescenta.

Castro ressalta também, a relevância da ADPF. “O Rio de Janeiro vinha de um histórico de um prolongamento muito significativo no número de pessoas mortas por mediação de agentes de Estado. A mortandade policial no Rio de Janeiro vinha aumentando em níveis muito alarmantes ao ponto de chegar a praticamente um terço das mortes violentas serem cometidas por agentes de Estado. Portanto, para evitar que isso continuasse escalando dessa forma, foi proposta essa ação para o descumprimento de preceito fundamental, justamente com o objetivo meão de se elaborar um projecto, uma política pública do Estado do Rio de Janeiro, que tivesse metas, diretrizes, indicadores, a termo de implementar uma política de segurança que seja mais eficiente no combate à criminalidade, mais eficiente no combate às organizações criminais, mas que, ao mesmo tempo, preservasse a vida e os direitos da população”, explica.

Falta de dados

Segundo a diretora de dados e transparência do Instituto Queimação Cruzado, Maria Isabel Couto, não exclusivamente as informações apresentadas pelas polícias no relatório do CNJ, mas a segurança pública no Rio de Janeiro, no universal, carece de dados e informações oficiais estruturadas. Muito da violência no estado acaba sendo aferido por universidades e organizações civis, uma vez que o Queimação Cruzado.

Pelos dados levantados pelas organizações e grupos de estudo, Couto diz que a expansão dos grupos armados se dá de forma metódico antes mesmo da ADPF e que não é provável estabelecer essa reciprocidade, ao contrário do que foi proposto pela Polícia Social do Rio de Janeiro.

“Quando a ADPF entra em vigência, em 2021, a gente observa um prolongamento maior das milícias, e não do Comando Vermelho. Portanto, esse é o primeiro elemento que a gente menciona para expor que a gente não enxerga essa reciprocidade”, diz.  

De convenção com pesquisa inédita sobre a expansão das organizações criminosas no Rio de Janeiro realizado por diversas organizações, entre elas o Queimação Cruzado e o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), da Universidade Federalista Fluminense (UFF), em 2019, antes da ADPF, as milícias já controlam 25,5% dos bairros do Rio, totalizando 57,5% da superfície territorial da cidade, enquanto o Comando Vermelho, ocupava 24,2% dos bairros, e outras facções, territórios ainda menores.

Outrossim, os dados mostram que a ADPF não foi respeitada. “A partir de janeiro de 2021, a gente inicia um período que a gente labareda de canseira. É uma vez que se a ADPF 635 estivesse sendo terminantemente desrespeitada. E entre janeiro e abril de 2021, na estação que a gente publica esse relatório, a gente vê que a média mensal de operações policiais e da mortandade policial, ela chega a superar o que a gente tinha antes da ADPF”, diz, Couto. O documento a que se refere é o Relatório Anual 2021 do Instituto Queimação Cruzado. 

Os dados mostram que em 2021, houve 4.653 tiroteios na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com uma média de 13 por dia. As ações policiais resultaram em 2.098 pessoas baleadas, sendo 1.084 mortas e 1.014 feridas, que representam cinco baleados a cada 24 horas. No mesmo ano, 17 crianças e 43 adolescentes foram baleados na Região Metropolitana.

Ela defende que haja de veste um projecto de segurança pública no estado, com objetivos, metas e metodologia de comitiva claros e transparentes e que esse projecto inclua medidas de redução da mortandade policial.  “No caso do Rio de Janeiro, a gente só tem informações sobre ações e operações policiais que terminam um confronto armado, monitorada pela sociedade social. Não fosse o Queimação Cruzado debutar a levantar esse oferecido em 2016, a gente possivelmente até hoje não teria aproximação a esse tipo de informação. E aí a gente tem uma população que vive, infelizmente, submetida a um pavor extremo e a ignorância sobre quais são os elementos que levam a esse pavor”, diz.

Progressão das milícias

Ao contrário do tráfico, que foi ressaltado pela polícia, os especialistas chamam atenção para o prolongamento das milícias, uma vez que assinalado pelos dados do Queimação Cruzado e outras organizações.  

“A estrutura miliciana não combatida é a estrutura do grupo armado que mais se expandiu no Rio de Janeiro nos últimos anos. Tirando esse prolongamento recente do Comando Vermelho, que é na verdade uma recuperação de áreas perdidas, a milícia é o grupo mais inabalável, mais sólido, que não sofre com operações policiais, não é combatido. Por quê? Porque tem toda uma interface da estrutura miliciana com a estrutura de segurança pública. E mais do que isso, milícia é uma estrutura econômica e política”, diz o professor da Universidade Federalista Rústico do Rio de Janeiro José Claudio Alves.

No ano pretérito, 35 ônibus incendiados evidenciaram a presença das milícias no Rio de Janeiro. O assassínio da vereadora Marielle Franco também ressaltou a influência das milícias. 

“A milícia sempre foi protegida pela estrutura de segurança pública. Nunca houve combate real à estrutura miliciana. Ela sempre cresceu, ela sempre se expandiu, ela sempre avançou. Isso, historicamente, se deu e se dá. A estrutura de segurança pública, ela protegeu, sempre protegeu, uma partido, um grupo armado, um grupo armado específico, que é o grupo que tem mais federação, que tem mais relação com a estrutura policial, onde os seus membros estão diretamente envolvidos”, diz o professor.

Perícias judiciais criminais  

De convenção com Castro, o relatório apresentado pelo CNJ contém conclusões importantes que precisam ser observadas. Entre elas, está a indicação de que há “graves problemas estruturais encontrados no contexto das perícias criminais realizadas no estado do Rio de Janeiro”, uma vez que diz o relatório, que ainda observa: “a polícia técnico-científica do estado do Rio de Janeiro está alocada institucionalmente enquanto Superintendência da Secretaria da Polícia Social. Eis o primeiro problema a ser equacionado: é fundamental conferir autonomia à atividade pericial, tratando-se de discussão que se arrasta há anos no estado”.

Castro destaca: “O estado do Rio de Janeiro é um dos poucos estados da federação onde a perícia técnica é um departamento dentro da Secretaria de Polícia. Nos demais estados, de modo universal, não é. Eles têm uma autonomia em relação à polícia. E por que isso? Porque exatamente em muitos casos, o que está sendo investigado envolve a própria força policial. Portanto isso é um parâmetro internacional também para você prometer que você tem o órgão encarregado da atividade policial propriamente e o outro órgão que faz a perícia técnica”, diz o coordenador do Núcleo de Resguardo dos Direitos Humanos da Defensoria do RJ.

O relatório aponta ainda, entre outras conclusões, a premência de comando judicial que imponha a obrigatoriedade de disponibilização ao Ministério Público pelas Polícias de informações para que seja realizado efetivamente um controle extrínseco, ou seja, as forças policiais deverão aportar seus dados em meio ministerial sistematizado, com dados estruturados e confiáveis, que possam ser acompanhados em tempo real.

*Colaborou Tâmara Freire, da Radioagência  

Fonte EBC

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