O negócio de animais de estimação e de vegetais – ornamentais e hortícolas – é a principal via de introdução de espécies exóticas invasoras em território brasiliano. O fenômeno, que gera um prejuízo de US$ 2 a US$ 3 bilhões por ano ao país, afeta todas as regiões e preocupa pesquisadores pelos impactos nocivos à biodiversidade, ao desenvolvimento sustentável e ao bem-estar humano.
A epílogo é do Relatório Temático sobre Espécies Exóticas Invasoras, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, lançado nesta sexta-feira (1) pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES). O texto foi produzido por 73 autores líderes, 12 colaboradores e 15 revisores de instituições de pesquisa e de órgãos públicos, representantes do terceiro setor e profissionais autônomos.
Os pesquisadores destacam a relevância da prontidão na tomada de decisão sobre o manejo de espécies invasoras, já que as invasões biológicas são processos de baixa previsibilidade e cumeeira risco. “A inação, assim porquê a morosidade na ação, leva ao agravamento de invasões biológicas e de impactos negativos com o passar do tempo”, diz o documento.
As espécies exóticas invasoras (EEI) são vegetais, animais e microrganismos introduzidos por ação humana, de forma premeditado ou fortuito, em locais fora de seu habitat originário. Esses intrusos se reproduzem, proliferam e se dispersam para novas áreas, onde na maioria das vezes ameaçam as espécies nativas e afetam o estabilidade dos ecossistemas.
Segundo o estudo, existem 476 espécies exóticas invasoras registradas no país, sendo 268 animais e 208 vegetais e algas, em sua maioria nativas da África, da Europa e do sudeste asiático. Alguns exemplos, entre animais e vegetais, são tilápia, javali, mexilhão-dourado, sagui, pínus, tucunaré, coral-sol, búfalo, mamona e amendoeira-da-praia.
As EEIs têm porquê principal modo de ingressão o negócio de animais de estimação e de vegetais ornamentais e hortícolas e estão presentes em todos os ecossistemas, com maior concentração em ambientes degradados ou de subida circulação humana. “Áreas urbanas são vulneráveis a espécies exóticas invasoras devido ao grande tráfico de pessoas, commodities e mercadorias via portos e aeroportos”, diz o relatório.
Foram identificadas 1.004 evidências de impactos negativos e unicamente 33 positivos, pontuais e de curta duração, em ambientes naturais. “Mantendo-se o cenário socioeconômico atual, há uma tendência de aumento de 20% a 30% de invasões biológicas até o final deste século, em função da expansão do negócio e do transporte de mercadorias e trânsito de pessoas”, prevê o documento.
Prejuízo econômico
A estimativa de prejuízos varia de US$ 77 a US$105 bilhões, entre os anos de 1984 e 2019, devido aos impactos causados por unicamente 16 espécies exóticas invasoras. Considerando o impacto mínimo, o dispêndio seria de US$ 2 a US$ 3 bilhões de dólares por ano. Os custos envolvem perdas de produção e horas de trabalho, internações hospitalares e interferência na indústria de turismo.
O mexilhão-dourado, por exemplo, afeta empreendimentos hidrelétricos, estações de tratamento de chuva e tanques-rede de fazendas aquícolas. A estimativa é que a limpeza das bioincrustações pode custar até R$ 40 milénio por dia para uma usina de pequeno porte e, para grandes usinas, porquê a de Itaipu, os valores atingem R$ 5 milhões por dia, pela paralisação das turbinas.
O relatório cita ainda as invasões biológicas por mosquitos porquê os do gênero Aedes, associados aos arbovírus causadores de doenças porquê dengue, zika, chikungunya e febre amarela urbana, que têm gerado graves consequências à saúde pública em todo o país.
Uma das conclusões é que há lacunas de avaliação e de valoração dos impactos de espécies exóticas invasoras no Brasil. “Tampouco há quantificação de impactos gerados por microrganismos e fungos potencialmente causadores de sérios danos na saúde humana ou em sistemas agropecuários”, acrescenta o relatório.
Gestão pública
O documento aponta que, das cinco maiores causas de perdas de biodiversidade – ruína de habitat, mudanças climáticas, poluição, sobre-exploração de recursos naturais e EEI –, a mais negligenciada na gestão pública brasileira são as invasões biológicas.
“É um tema polêmico que envolve conflitos de interesse de diferentes setores econômicos, visto que algumas EEIs oferecem benefícios pontuais a determinados segmentos”, explicou, em nota, Michele de Sá Dechoum, professora da Universidade Federalista de Santa Catarina e uma das coordenadoras do relatório. Ela acrescenta que há ainda deficiência de conhecimento técnico, tanto na perspectiva conceitual quanto das medidas de gestão e manejo necessárias.
O biólogo Mário Luis Orsi, professor da Universidade Estadual de Londrina e que também coordenou o estudo, apontou que, em alguns casos, há ações de governança aplicadas de forma equivocada. “Existem incentivos ao uso de espécies notoriamente invasoras e de cumeeira impacto, porquê por exemplo a tilápia e o pínus, que exercem uma dominância nos ambientes e ameaçam a permanência das espécies nativas”, disse, em nota.
Segundo os autores, apesar de ter vasto regramento sobre o tema, as ações de prevenção e controle de espécies invasoras, em universal, são feitas de forma desarticulada e pulverizada. Eles defendem, no relatório, que a legislação vigente seja consolidada em uma política vernáculo, que trate de prevenção, controle e mitigação de impactos negativos nas esferas ambiental, agropecuária, sanitária e sociocultural.
“Embora os benefícios da introdução premeditado de espécies possam ser restritos a setores, empresas ou grupos sociais específicos, os custos relacionados aos prejuízos e ao manejo dessas espécies são compartilhados por toda a sociedade”, diz o relatório. O número de evidências de impactos negativos causados por invasões biológicas, apresentado no documento, são 30 vezes superiores aos impactos positivos.
Recomendações
Entre as recomendações para manejo dos invasores biológicos está a publicação de listas de EEIs. O Brasil não tem uma lista solene, mas os autores do estudo indicam a base de dados vernáculo de espécies exóticas invasoras gerenciada pelo Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental, sediado em Florianópolis (SC) porquê uma manancial de referência.
“As listas são fundamentais e sem elas fica difícil e quase ineficaz qualquer planejamento de ações de manejo. Portanto os estados que possuem suas listas já estão um passo avante”, avaliou Orsi. Os estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Província Federalista e Bahia já têm suas listas oficiais. A publicação de listas aumentaria a percepção do problema e auxiliaria a gestão em cada estado, sob uma coordenação federalista.
Outras recomendações são a veiculação de informações ao público, desenvolvimento de atividades educativas que valorizam a biodiversidade, formação técnica para gestão e manejo das invasões e regulamentação de setores produtivos. “De forma complementar, políticas públicas de suporte à produção com espécies nativas ou exóticas não invasoras podem contribuir para gerar alternativas sustentáveis, porquê o uso de peixes nativos na aquicultura”, diz o relatório.