Eu Ainda Prefiro Ver Filmes No Cinema, Diz Caetano Veloso

Eu ainda prefiro ver filmes no cinema, diz Caetano Veloso – 14/06/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

As ligações de Caetano Veloso com o cinema são longas e intensas, uma vez que testemunha “Cine Mais do que tematizar o mundo do cinema em suas letras, Caetano recorreu ao próprio princípio construtivo de diretores e filmes em segmento de sua obra na música popular. Subaé”, uma florilégio definitiva de escritos do compositor sobre filmes que marcaram sua vida e obra. O livro, editado pela Companhia das Letras e organizado por Claudio Leal e Rodrigo Sombra, reúne, além dos artigos da juventude de Caetano, fragmentos de conversas, depoimentos e entrevistas posteriores.

Uma vez que dizem os autores na introdução ao volume, o conjunto —que impressiona— contesta a fé do responsável de que houve um descuramento da sátira em sua trajetória.

Dos 18 aos 21 anos, o jovem cinéfilo da baiana Santo Amaro da Purificação se dedicou à sátira cinematográfica, uma vez que dizem os organizadores, “numa atmosfera encantatória de província, nos cinemas Santo Amaro, Subaé e São Francisco”. Foi neste último que Caetano viu pela primeira vez “Os Boas-Vidas”, de 1954, e “Noites de Cabíria”, de 1957, de Federico Fellini, com repercussões existenciais em sua puberdade.

Em resposta por email a algumas perguntas enviadas pelo repórter, Caetano menciona a poderoso influência do cinema europeu em sua formação. “Sou de uma geração que via filmes franceses e italianos tanto quanto americanos. Minhas canções mais pop falavam de Brigitte Bardot, [Jean-Paul] Belmondo, [Alain] Delon, não de estrelas hollywoodianas.”

O poeta e crítico Augusto de Campos, em 1967, ressaltou que tanto “Alegria, Alegria”, de Caetano, quanto “Domingo no Parque”, de Gilberto Gil, tinham uma conexão formal com o cinema. Usando uma sugestão de seu colega concretista Décio Pignatari, ele dizia que a letra de “Alegria, Alegria” seria uma “letra câmara na mão, mais ao modo informal e ingénuo de um Godard”, enquanto a “Domingo no Parque” lembraria “as montagens eisensteinianas, com seus closes e suas fusões”.

“Sempre senti cinema em tudo o que faço em música popular. Várias pessoas já me falaram sobre isso e nenhuma delas me surpreendeu. Os concretos foram os primeiros a expor essas coisas sobre mim e sobre Gil, embora Gil nunca tenha sido um cinéfilo (nem Augusto)”, afirma Caetano.

Foi naquele ano de 1967 que Glauber Rocha deu mais um passo em sua inquietante trajetória com o lançamento de “Terreno em Transe”, filme crucial para o que veio a se saber uma vez que tropicalismo. Não por casualidade, no álbum “Tropicália 2”, lançado em 1993, Caetano incluiu o samba “Cinema Novo”, uma exaltação ao movimento.

As relações do compositor com o cinema só se expandiram desde portanto, num vasto pintura de experiências, diálogos críticos e realizações, da formação de inúmeras trilhas e canções para filmes até a sua própria irrupção uma vez que diretor, em “O Cinema Falado”, lançado em 1986.


Você certa vez apontou um dilema presente numa temporada do cinema brasiliano que dizia saudação à dificuldade de reunir arte e concessões à cultura mercantil. ‘O que temos visto são filmes que não conseguem ser obras de arte nem aprazer ao grande público’, você escreveu. Uma vez que vê hoje a evolução desse impasse? Era mais provável no Brasil que esse conúbio ocorresse na música popular?

Cantiga a gente faz com um violão na mão —ou mesmo sem nenhum instrumento por perto. Cinema é fruto da industrialização. Pede progresso tecnológico para inaugurar. O cinema novo surgiu com ares de genialidade, mas com grande incapacidade mercantil.

Nos anos 1970, conseguiu sucessos de público e saudação técnico por segmento desse público. A música popular já era uma segmento importante da indústria brasileira quando o cinema novo nasceu. As canções, mesmo as feitas na caixa de fósforo ou somente no gogó, eram gravadas e transformadas em discos que fizeram sucesso desde que essa técnica surgiu. Hoje temos um cinema com qualquer histórico de realização firme, gerações de técnicos que seguram a base. Mas agora parece que tudo é para virar streaming.

Filmes de Fellini foram muito marcantes em sua juventude e isso tem a ver com o vestimenta de você ter se tornado mais italiano ou europeu em material de cinema do que americano. A ponto de ter discordado veementemente de Bernardo Bertolucci sobre a suposta inadequação da língua italiana para o cinema. Uma vez que se deu essa influência?

O cinema americano sofreu um baque lá pela segunda metade dos anos 1950 —e o europeu mostrou força de exportação. O renascimento de Hollywood se deu através de fãs americanos do cinema da Europa.

Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Peter Bogdanovich e outros olhavam para o cinema da Itália, da França e da Alemanha. Logo, sou de uma geração que via filmes franceses e italianos tanto quanto americanos. Minhas canções mais pop falavam de Brigitte Bardot, Belmondo, Delon, não de estrelas hollywoodianas. Eu via Françoise Arnoul nua e [Marcello] Mastroianni falando italiano, língua que me parecia muito mais formosa do que o inglês. Aos 15 anos, vi “La Strada” e fiquei deslumbrado

Mas, depois dos filmes “de responsável” feitos em Hollywood, a meca estadunidense voltou a dominar. Hoje só se vê filme americano nos cinemas —e filmes de outros países só são vistos em cinemas especializados, em horários específicos. Mas há toda uma vida de imagem e som na internet, as séries e filmes em streaming. Não sabor de ver séries. E ainda prefiro ver filmes no cinema.

‘Terreno em Transe’ foi para você uma espécie de epifania sobre a crise do populismo e as perspectivas que se abriam para a cultura e a vida brasileiras. O filme foi um detonador do tropicalismo. Do Glauber Rocha depois de ‘Terreno em Transe’, você parece gostar particularmente de o ‘Leão de Sete Cabeças’, que nos mostra um diretor de certa forma marxista anticolonial. É um de seus preferidos?

Sim, gostei muito do “Leão”. É o filme mais poderoso que Glauber fez no exterior. Só o vim a ver em 2020. Imagens dos africanos descendo de uma árvore e formando um quadrilha é magnificiente.

De filmes recentes que você tenha visto, o que chamou a sua atenção? Boa segmento da produção cinematográfica contemporânea está voltada para séries nas plataformas de streaming. Você consegue escoltar?

Gostei de “Maestro”. Achei uma peça refinada de cinema americano pós-influência europeia. A retrato em cores é muito rica ali. A montagem tem um ritmo poético, músico. Os enquadramentos são de extrema elegância, e os diálogos fascinam —e vêm num regime de falas e pausas que é tocante.

O filme foi recebido com dissabor nos Estados Unidos. Todos os meus amigos inteligentes e informados com quem estive na turnê que fiz por lá recentemente falam mal do filme. Reagem à ênfase na bissexualidade do protagonista. Quando eu dizia que tinha gostado, eles me olhavam com rosto de gente do primeiro mundo sendo paciente com a ingenuidade de alguém que tinha vindo de um lugar procrastinado uma vez que o Brasil. Mas vi “Maestro” na televisão.

Um filme brasiliano que me tinha sido recomendado por uma amiga eu fui ver no cinema —”Sem Coração”. Também gostei muito. Adolescentes num lugar de praia nordestina. As imagens são bonitas, e o sentimento que atravessa é multíplice, sutil, vivo.

Conversando com um pós juvenil muito talentoso, fiquei sabendo que ele achara o filme plano e inverídico ao frisar a imagem em que a moçoila preta “sem coração” finalmente toca a mão da moçoila branca que estava sexualmente apaixonada por ela. Há certa ingenuidade no filme, mas sua formosura vai muito supra. Eu teria vontade de expor isso, mas fiquei mais impressionado pelo desprezo estético do jovem à procura da formosura daqueles que também são jovens diretores.

Folha

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