“Chegavam moços, carregando ilusões e idealismo, além de cultura, não só de judaísmo, porquê universal. Iam tentar a sorte numa clareira de floresta e aí ficavam encravados”, escreveu Sultana Levy Rosenblatt na crônica “Brasil, Terreno da Promissão”.
A escritora paraense é uma das descendentes da imigração judaica para a região amazônica, um capítulo pouco espargido da história brasileira. Para fugir da marginalização em seus países de origem, essas pessoas tomavam navios rumo ao Brasil, desembarcavam em Belém e se embrenhavam floresta adentro, formando comunidades em cidades porquê Breves, Altamira, Santarém e Cametá.
Eles deixaram vestígios na cultura, da literatura às artes plásticas, e também na arquitetura e na culinária desses lugares.
O Museu Judaico, na capital paulista, leva esses rastros ao público com a mostra “Judeus na Amazônia”, que reúne vídeos, documentos históricos, pinturas e fotografias.
Curadora da mostra, Mariana Lorenzi conta que a imigração judaica para a Amazônia chegou ao auge entre 1810 e 1930, com pessoas vindas principalmente do Marrocos, país onde viviam em guetos.
“Apesar de ter tido quesito, o Brasil era um país com muito mais liberdade religiosa, ainda mais na Amazônia. Portanto eles vinham nessa procura por um lugar em que pudessem ser mais livres e ter mais possibilidades financeiras”, diz ela, que assina a curadoria ao lado de Aldrin Moura de Figueiredo, Ilana Feldman e Renato Athias.
No Brasil, eles os judeus de indumento conseguiram mais liberdade, o que não quer expressar que não fossem branco de preconceito, o antissemitismo.
Há, por exemplo, relatos de saques a comércios de judeus. Apesar disso, Lorenzi afirma que essa não foi uma perseguição sistemática, porquê ocorreu na Alemanha durante o nazismo. “Cá eles não viviam apartados. Tanto é que puderam erigir uma sinagoga em Belém, em 1824, a segunda do Brasil.”
Essa liberdade fez com que eles conseguissem se misturar à cultura lugar, enquanto preservavam seus preceitos religiosos. Uma referência a isso é a pintura “Terreno da Exuberância”, do artista plástico Arieh Wagner.
A tela mostra dois homens em meio a um cenário tipicamente amazônico, cercados por vegetação. Vestidos com trajes tradicionais, eles seguram um pedaço de madeira em que há cachos de bananas, um mico e um papagaio. A tela parece fazer uma ode ao entrelaçamento cultural gerado pelo fluxo migratório.
Num primeiro momento, a população de imigrantes era formada por homens jovens. A partir de 1850 o cenário muda e famílias inteiras passam a desembarcar na Amazônia, atraídas pela pujança econômica provocada pelo ciclo da borracha.
Uma vez no Brasil, eles trabalhavam sobretudo no transacção fluvial, transportando mercadorias produzidas no interno para outras localidades, o chamado regatão. “Com isso, muitas comunidades judaicas do interno floresceram.”
Não à toa, um dos eixos da mostra traz imagens de embarcações, uma delas feita por Thomaz Farkas – fotógrafo de origem judaica que atuou na Amazônia.
A retrato mostra o navio com uma placa em que é verosímil ler nomes de cidades porquê Santarém e Óbidos, localidades que receberam os imigrantes. Lorenzi conta que a imagem não retrata pessoas judias, mas ajuda a mostrar para o público a região onde eles estavam inseridos.
A mostra também traz fotos de Sergio Zalis da série “Hebraicos da Amazônia”, feita na dezena de 1980. Numa delas, vemos um navio batizado de Levy, sobrenome de origem hebraica que pertence à família dona da embarcação.
Sobrenomes, aliás, às vezes eram a única relação dessas pessoas com o judaísmo, oferecido que os descendentes da primeira geração de imigrantes perderam seus vínculos com a religião ao longo dos anos.
“Às vezes, você se depara com um ribeirinho que se labareda Cohen ou Sarraf, mas que não exercem o judaísmo e nem sabem que são de origem judia”, diz Lorenzi.
Isso é revérbero também da dificuldades que havia em seguir práticas religiosas no interno, já que a única sinagoga da região ficava em Belém.
Há, porém, pessoas que conseguiram se manter fiéis, com a religião exercida dentro de mansão. Em outra imagem de Sergio Zalis, vemos um ancião em um imóvel de madeira localizado em Guajará-Mirim, em Rondônia. Sobre sua cabeça, repousa um ‘talit’, espécie de xale usado em momentos de reza.
Com mais de 200 itens, essa é a maior exposição já feita pelo Museu Judaico, instituição fundada há três anos. As pesquisas para a mostra foram conduzidas pelo antropólogo Fábio Zuker, que visitou cinco cidades onde viveram imigrantes.
“Ele consultou acervos, fez várias entrevistas e conversou com muitas famílias. Foi uma pesquisa feita por meio de relatos orais, porquê se ele estivesse tentando montar um quebra-cabeça”, diz Lorenzi.