Há três anos, quando vivia no estado de Novidade York, a artista plástica de Salvador Nádia Taquary observou que passava por muitos trilhos durante seus deslocamentos pelas cidades. “A minha sensação era: ‘o que é que eu estou fazendo cá? O que é esse caminho que me levou até cá?’ Acredito que tudo tem um sentido para subsistir em minha vida, portanto esse caminho tem qualquer sentido.”
A presença dos trilhos a remeteu a um jogo de Ifá —um oráculo originário da etnia iorubá—, feito pouco antes de sua viagem para os Estados Unidos, em que Ogum, o orixá do ferro, se apresentou a ela pedindo para que o temor sentido por Taquary naquele momento da sua vida se transformasse em força para ela continuar a sua estirão.
A transmutação do sentimento da artista deu origem à exposição “Òná Ìrín: Caminho de Ferro”, em papeleta até 23 de março, no Muncab, o Museu Vernáculo da Cultura Afro-Brasileira, na capital baiana.
“Nesse alinhamento com Ogum, e nessas observações de vários caminhos de trilho de trem, que é tão Ogum, as tecnologias que permitem adentrar as florestas dentro da mitologia iorubana são ferramentas forjadas pelo orixá, que descobre o sigilo do ferro e abre essas metafóricas florestas para que nós passemos”, diz a artista.
Primeiro, a teoria de Taquary virou uma pequena maquete feita por ela mesma, ainda nos Estados Unidos, porquê um projeto de uma sala quadrada de espelhos com caminhos de ferro em todas as sete direções sagradas.
Depois, os curadores Marcelo Campos e Amanda Bonan a convidaram para materializar a exposição no Museu de Arte do Rio, com o também curador Ayrson Heráclito se juntando a eles, antes da mostra chegar ao Muncab.
“‘Òná Ìrín’ traz a minha trajetória com os metais para cima do trilho. Na exposição, eu tenho divindades femininas porque a minha poética é ancorada no sagrado antepassado feminino. E tenho, ao mesmo tempo, Ogum porquê essa presença grande numa sala inteira”, diz Taquary.
No Muncab, a sala forrada de espelhos faz com que, para onde quer que o público olhe, os caminhos dos trilhos não tenham termo. A arquitetura expositiva é assinada por Gisele de Paula.
“Foi fundamental a presença da Gisele, foi quem trouxe esses trilhos e materializou todo esse pensamento e a possibilidade de subsistir ‘Òná Ìrín’”, diz Taquary, que ressalta que os trilhos de ferro não têm nenhuma relação com a representação da fuga de escravizados.
Ensejo no último dia de novembro, “Òná Ìrín” é uma exposição imersiva com ambientação sonora do compositor Tiganá Santana e da cantora Virgínia Rodrigues. “É fundamental a presença dessas vozes”, diz Taquary.
Em dezembro do ano pretérito, Nádia Taquary voltou aos Estados Unidos, dessa vez para participar da Art Basel Miami Beach, uma das principais vitrines das artes contemporâneas. Por lá, ela e Tiganá Santana colaboraram numa instalação de Ayrson Heráclito, que foi classificada porquê “enigmática” pelo site da Art Basel.
“Eu acredito que essas questões ainda não estejam tão claras para as pessoas. As questões relacionadas à arte afro-brasileira ainda precisam ser muito discutidas. Eu acho que, quando se pensa em um pouco velado, se pensa também numa intervalo entre essa veras afrodiaspórica e o entendimento da arte que traduz essa identidade”, diz a artista.
Desde a sua reinauguração, em novembro de 2023, o Muncab já recebeu mais de 200 milénio visitantes, posicionando o museu porquê um orientação que sinaliza a demanda do mercado vernáculo das artes contemporâneas fora do eixo Rio-São Paulo.
“É muito importante porque a gente não olhou para a arte afro-brasileira na dimensão que precisava olhar, ela sempre estava colocada porquê um pouco exclusivamente sagrado ou regional”, diz Taquary. “Mas vejo um incremento dos olhares que sabem que não se pode separar o sagrado do místico e do físico, não tem porquê a arte também separar isso”.
Desde sexta-feira (31), com os festejos de 2 de fevereiro em homenagem a Iemanjá, passará a funcionar no Muncab a loja conceitual “Odoyá”, batizada em referência à rainha do mar, com a venda de gravuras, xilogravuras, esculturas em madeira e cerâmicas artesanais mostrando a heterogeneidade artística afro-diaspórica.
Acessível em 2011, o Muncab realizou sua primeira exposição dois anos antes, mesmo ainda em obras, com uma mostra sobre o Benin. A história do museu, capitaneado pelo poeta Capinan, começou a tomar forma através da Sociedade Amigos da Cultura Afro-Brasileira (Amafro), reunindo nomes porquê o artista plástico Emanoel Araújo, os historiadores Ubiratan Castro e Jaime Sodré, e os advogados Carlinhos Marighella e Antonio Meneses.