Exposição Em São Paulo Lembra Cobertura De Guerra No Vietnã

Exposição em São Paulo lembra cobertura de guerra no Vietnã

Brasil

“Guerra é ruim, mas sem jornalista é pior”. A frase é de José Hamilton Ribeiro, um dos mais consagrados e premiados jornalistas brasileiros e que, em março de 1968, cobriu a guerra do Vietnã pela revista Verdade. Foi lá que, ao pisar em uma mina terrestre, perdeu secção de sua perna esquerda.

Apesar disso, ele mantém a fé de que o trabalho do jornalista em zonas de conflito continua sendo fundamental. “Se há uma guerra que não se consegue evitar, logo é preferível que se tenha um jornalista nessa guerra. Jornalista na guerra é uma forma pequena, humilde, mas é para pôr a globo no solo e manter o bom tino, sabe? E evitar aquela cabeça do pessoal guerreiro, que fazia guerra por palato, por sentir prazer na guerra”. Segundo ele, as testemunhas da guerra e os jornalistas que fizeram a cobertura deram um testemunho muito dissemelhante do pessoal que se alinhou ao espírito guerreiro de algumas mentes assim diabólicas, às vezes”, disse ele, em entrevista à Filial Brasil e à TV Brasil.

Santa Catarina 15/08/2018 José Hamilton Ribeiro Jornalista durante palestra na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Foto Henrique Almeida/ Agecom/UFSC
Santa Catarina 15/08/2018 José Hamilton Ribeiro Jornalista durante palestra na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Foto Henrique Almeida/ Agecom/UFSC

Depois de anos avante do Orbe Rústico, José Hamilton Ribeiro agora vive mais recluso, pelo interno mineiro – Foto Henrique Almeida/ Agecom/UFSC

Depois de anos avante do Orbe Rústico, José Hamilton Ribeiro agora vive mais recluso, pelo interno mineiro. Nesta semana, ele visitou o Museu da Imagem e do Som (MIS), na capital paulista, para uma dupla celebração: a inauguração da exposição O Sabor da Guerra, com imagens produzidas por jornalistas e fotógrafos em áreas de conflito, e o relançamento de seu livro de mesmo nome, em que relata a cobertura da Guerra do Vietnã.

No livro, ele descreve o que era “palato da guerra”, que sentiu profundamente logo depois ter pisado acidentalmente em uma mina terrestre. “Sentia na boca um palato ruim, com se tivesse engolido um punhado de terreno, pólvora e sangue – hoje eu sei, era o palato da guerra”.

“Essa frase veio a mim num momento, lá no Vietnã, em que senti que tinha sucedido alguma coisa comigo, mas não sabia exatamente o que era. Quando recuperei a consciência, estava sentado e em uma verdade que eu não estava dominando, não sabia qual era, não sabia o que tinha sucedido recta. Uma hora ali, senti uma sensação estranha cá na testa, passei a mão e vi que tinha uma coisa molhada, líquida, olhei e era sangue. Pensei: ‘puxa vida, um ferimento na cabeça. Para gerar sangue e para sujar a mão assim é sinal de que foi um ferimento grande. Estou morrendo’. Tive a sensação de que ia morrer”, contou aos jornalistas da Empresa Brasil de Notícia (EBC).

Foi aí que percebeu que seu maior ferimento, no entanto, não era na cabeça. “O enfermeiro começou a fazer curativo daqui, curativo dali. No termo das contas, o ferimento tinha sido pequeno. Foi mais o fragor da explosão e a sensação de instabilidade que veio com aquilo. De repente, estava sentado no solo, sem saber por quê. Fiquei inseguro em relação ao que tinha sucedido. Portanto, demorou qualquer tempo até que alguém me ajudou a completar a verdade que estava vivendo naquele momento, que no primícias era tão confusa para mim”.

O que aconteceu no Vietnã há mais de 50 anos deixou marcas profundas – e não lhe escapou da memória. Ainda hoje, ao observar as fotos feitas pelo fotógrafo nipónico Keisaburo Shimamoto, que o acompanhou no Vietnã e registrou esse incidente para a revista Verdade – mostrando-o tombado ao solo, envolvido em muito sangue – ele se recorda exatamente do que aconteceu.

“Sempre ficou uma ‘lembrançazinha’, uma ‘fumaçazinha’, uma coisa que se inventa na memória. Mas isso não impediu que eu continuasse a vida ali e continuasse trabalhando uma vez que repórter”, afirmou.

A imagem feita por Shimamoto, retratando José Hamilton logo depois ter perdido a perna em uma mina, é uma das fotografias que estão em exposição na mostra, que entrou em papeleta no MIS. Há também imagens produzidas pelo próprio jornalista, em que ele apresenta crianças sorrindo em meio à guerra.

“Eu estava no Vietnã lidando com um problema terrível, que era a guerra, um problema de perda, e de repente conheci crianças, vi crianças lá que, no meio de toda aquela tristeza, daquela pobreza e daquela amargura, brincavam. Brincavam uma com a outra, independentemente da situação que os homens não conseguiam controlar”, comentou.

A exposição

Com curadoria de Teté Ribeiro, filha do jornalista, a exposição O Sabor da Guerra apresenta imagens registradas por José Hamilton Ribeiro e pelo fotógrafo que o acompanhou naquela cobertura, o nipónico Keisaburo Shimamoto.

A mostra destaca ainda o trabalho de mais cinco correspondentes de guerra do século 20, que cobriram conflitos ocorridos na Ucrânia, em Moçambique, no Iraque e em El Salvador, entre outros. São fotografias produzidas por André Liohn, Hélio de Campos Mello, Juca Martins, Leão Serva e Yan Boechat e que mostram os custos humanos envolvidos em uma guerra.

“Essa é uma mostra comemorativa de O Sabor da Guerra, que meu pai escreveu em 1969. Esse livro foi escrito antes de eu nascer, o acidente aconteceu antes de eu nascer, e ele está sendo reeditado agora pela Companhia das Letras, numa coleção chamada Jornalismo Literário. O livro não tem muitas fotos, mas a reportagem do meu pai ficou muito marcada fundamentalmente por uma imagem, que foi, infelizmente, a dele ferido no Vietnã. Para complementar [a exposição], a gente chamou mais cinco fotógrafos brasileiros que cobriram conflitos na segunda metade do século 20. Tem até uma [imagem] do século 21, que é, infelizmente, da guerra que está acontecendo atualmente na Ucrânia”, explicou a curadora.

Brasília (DF), 12.07.2024 - O jornalista José Hamilton Ribeiro gravemente ferido durante reportagem na Guerra do Vietnã em julho de 1969. Foto: Keisaburo Shimamoto/Divulgação
Brasília (DF), 12.07.2024 - O jornalista José Hamilton Ribeiro gravemente ferido durante reportagem na Guerra do Vietnã em julho de 1969. Foto: Keisaburo Shimamoto/Divulgação

Jornalista José Hamilton Ribeiro gravemente ferido durante reportagem na Guerra do Vietnã em julho de 1969 – Keisaburo Shimamoto/Divulgação

Ao trabalhar com a reedição do livro escrito por seu pai e na curadoria dessa exposição, Teté revela que começou a sentir o sofrimento que ele enfrentou na guerra. “Eu conhecia só a história do sofrimento da minha mãe [do que ela havia enfrentado enquanto o pai estava na guerra]. A história do sofrimento do meu pai, do quanto doeu fisicamente, do quanto achou que ia morrer, do quanto chegou perto de morrer, acho que só entendi nessa reedição do livro. E isso foi chocante”, contou.

“Ninguém acha que pai e mãe vão morrer ou suportar. Ou que tenham sofrido antes de você nascer. Você nem acha que eles existem antes de você nascer. E agora que sou adulta, tenho filha e meu pai está mais velho, esse sofrimento me causou um choque e uma dor terrível. Adorei a experiência de ter revisitado isso, mas não tem nenhum lado bom. Foi horroroso, um acidente terrível. Se há alguma coisa que dá pra falar que é boa em toda essa pesquisa, é que ele está vivo, que a gente está vivo, estamos juntos e continuamos lutando”, disse Teté.

A exposição, com ingressão gratuita, fica em papeleta no MIS da Avenida Europa até o dia de 26 de julho. Mais informações podem ser obtidas no site.

Fonte EBC

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *