Aos 13 anos, José Luiz da Silva começou a galhofar o maracatu. Hoje, aos 65, ele é o Rabino Luiz Mestiço do Estrela de Ouro de Federação, difundindo os saberes e histórias dessa tradição cultural nordestina.
Nesta semana, Rabino Luiz Mestiço chegou a São Paulo para promover não só a cultura do maracatu, mas a novidade exposição dedicada ao tema que está em papeleta no Núcleo Cultural Fiesp, na Avenida Paulista: Maracatu Rústico – A Magia dos Canaviais. A exposição, gratuita, poderá ser visitada a partir de desta quarta-feira (3) até o dia 9 de junho, de terça a domingo, das 10h às 20h. A curadoria é de Afonso Oliveira, que tem uma vivência de mais de 30 anos nesta sintoma cultural.
O Maracatu Estrela de Ouro de Federação, do qual o Rabino Luiz Mestiço faz secção, foi fundado em janeiro de 1966 no Sítio Chã de Camará, município de Federação, na Zona da Mata Setentrião pernambucana. Seu idealizador foi Severino Lourenço da Silva, o Rabino Batista. Um dos principais símbolos carnavalescos da cultura popular de Pernambuco, o Maracatu Estrela de Ouro de Federação é um dos representantes do chamado Maracatu Rústico.
Em Pernambuco, há os Maracatus de Baque Virado (Maracatu País) e os Maracatus de Baque Solto (Maracatu Rústico). Cada um tem sua particularidade própria. O Maracatu País, por exemplo, remonta às festas organizadas por grupos de escravos que celebravam nos pátios das igrejas a coroação do Rei do Congo. O ritmo foi depois inserido aos festejos carnavalescos.
Já na Zona da Mata, o maracatu tomou outra laia e recebeu o nome de Maracatu Rústico, tema da novidade exposição da Fiesp. Lá, os caboclos de lança fazem um desfile que lembra guerra. Há duas trincheiras, cada uma obedece ao comando de um mestiço de frente, que conduz as manobras ordenadas pelo rabino. Eles correm de um lado para o outro, sacudindo as lanças, executando manobras chamadas de “caídas”. A apresentação também tem um ritmo mais rápido dos chocalhos, além do uso de cuíca e instrumentos de sopro (trombone e trompete). O esquina é de responsabilidade do rabino de assobio ou poeta e contra-mestre.
Considerado uma das manifestações mais fortes do carnaval, existem atualmente muro de 110 grupos de Maracatu Rústico, principalmente nos municípios de Nazaré da Mata, Federação, Tracunhaém, Goiana, Condado, Itaquitinga, Lagoa de Itaenga, Araçoiaba e Carpina.
Os primeiros grupos de Maracatu Rústico surgiram no início do século 20, com influências indígenas e afro-brasileiras e produzida pelos trabalhadores da monocultura do açúcar. “A maioria dos integrantes do maracatu são cortadores de cana. Ele nasceu no setor canavieiro, na zona da mata”, explicou Ângelo Filizola, produtor-executivo da exposição.
“Para a gente lá, quando eu comecei a galhofar, em 1971, era a diversão que tinha na Zona da Mata. A Zona da Mata é a Zona da Cana. Até 1971, ainda tinha escravidão na Zona da Mata. E logo começou a levantar maracatu nas zonas da mata, que hoje é o lugar que mais tem maracatu rústico”, conta Rabino Luiz Mestiço, em entrevista à Escritório Brasil.
A principal diferença entre esses maracatus é que no Rústico não existe a Golpe Real e seu principal destaque é a presença do mestiço de lança, que se encarrega de perfurar espaço na plebe com saltos e piruetas, manejando as lanças. Os caboclos de lança usam um galho de arruda detrás da ouvido e um cravo ou rosa branca na boca para manter o corpo fechado, se proteger. Usam fantasia pesada, de mais de 30 quilos, que consiste principalmente em uma camisa de manga comprida de cor viva com uma armação de madeira por cima. Eles também usam um lenço atado na cabeça e sobre ele um chapéu de palha. Por cima, uma cabeleira colorida.
“Eu saio vestido com uma fantasia formosa. Eu sou o rabino mestiço do Estrela de Ouro. Sou eu quem puxo a país. Sou o rabino mestiço da dança. Eu montei um estilo de dança na frente de Estrela de Ouro”, conta Rabino Mestiço. “O Maracatu não pode terminar do jeito que começou. Portanto você tem que mudar uma estratégia na frente do maracatu pra ele não se perfazer do jeito que começou. Fica sempre uma história”.
Tem a arte
“Quem segura o porta-estandarte. Tem a arte, tem a arte”. A letra da música Maracatu Atômico, escrita por Jorge Mautner e Nelson Jacobina e conhecida pela voz de Chico Science & País Zumbi, resume a novidade exposição, diz o curador. “Essa frase é, para mim, emblemática de valorização da cultura popular. Essa frase quer expor tudo”.
É esta frase que abre a exposição e guiará o público a uma cenografia composta por documentos, vídeos, fotografias, objetos, textos, indumentárias e peças de artesanato. Tudo isso para racontar a história dessa tradição cultural nordestina, que é considerada Patrimônio Cultural Brasiliano. Entre os objetos está uma medalha da Ordem do Valor Cultural, que foi concedida pelo Ministério da Cultura, e uma Mesa de Jurema Sagrada, ritual religioso de origem indígena e cultuado por aqueles que fazem o Maracatu Rústico.
Além de racontar a história do maracatu, a exposição também apresenta o universo do trabalho, da religião e das influências que o Maracatu Rústico exerceu sobre artistas contemporâneos porquê Chico Science, Gilberto Gil, Jorge Mautner e Siba.
Outra curiosidade da mostra é o destaque feito pelo curador à figura das mulheres. “As mulheres, porquê em toda a arte no Brasil, sempre foram discriminadas e escondidas. E no Maracatu Rústico também. Mas a gente tem uma história interessante sobre as mulheres no Maracatu Rústico. Elas criaram uma associação chamada Amunam, Associação das Mulheres de Nazaré da Mata, formada por mulheres agricultoras. E elas resolveram gerar um maracatu rústico, chamado Maracatu de Baque Solto Feminino Coração Nazareno, que esse ano completa 20 anos”, explicou Oliveira. “Esse Maracatu Coração Nazareno é o símbolo da luta da mulher da cana-de-açúcar”, destacou.
Todos esses elementos, disse o curador, ajudam a racontar a história dessa tradição pernambucana, que é também uma história de resistência. “A exposição Maracatu Rústico representa a luta de um povo contra o racismo que permeia toda a sociedade brasileira”, falou.
“Cá dentro do maracatu rústico está toda a formação brasileira. Os povos originários tinham uma proposta de sociedade, mas eles foram dizimados ou impuseram a eles uma outra forma de viver, uma forma numulário, uma forma autoritária, uma forma escravocrata. Depois, trouxeram de África os povos que foram escravizados e construíram essa loucura que é o Brasil, um país tão rico e diversificado culturalmente, mas tão cruel para quem não está no sistema”, disse o curador.
“Mas hoje o mundo está descobrindo que existem outras formas de viver, existem outras formas de trato, existem outras formas de trabalhar, existem outras formas de viver. E quando se traz uma exposição porquê essa para a Avenida Paulista, para São Paulo, lugar para onde muitas dessas pessoas deixaram o maracatu e passaram a viver, isso é de uma representatividade gigantesca”.
Mais informações sobre a exposição podem ser encontradas no site do Núcleo Cultural Fiesp.