Exposição Mostra Os Impactos Das Grandes Obras Durante A Ditadura

Exposição mostra os impactos das grandes obras durante a ditadura

Brasil

A exposição Paisagem e Poder: construções do Brasil na ditadura, ocasião na noite de terça-feira (19), no histórico Núcleo MariAntonia da Universidade de São Paulo (USP), procura refletir sobre as transformações ocorridas no Brasil nos anos da ditadura civil-militar. Com uma vasta documentação de idade e material audiovisual, exposição mostra as contradições das grandes obras no período e seus impactos sociais e ambientais. A curadoria é dos arquitetos Paula Dedecca, Victor Próspero, João Fiammenghi, Magaly Pulhez e José Lira. Mostra fica em edital até o dia 30 de junho.

Nos 21 anos de ditadura civil-militar, o Brasil se transformou profundamente com a construção de conjuntos residenciais, estradas, barragens, viadutos, grandes hidrelétricas e avenidas. Mas foi também nesse período que os recursos naturais foram amplamente explorados, prédios e lugares históricos foram removidos ou destruídos, e em que as desigualdades sociais foram expandidas.

Em entrevista à Dependência Brasil, o curador Victor Próspero, que acabou de tutorar seu doutorado na Faculdade de Arquitetura da USP, explica que essas obras, embora tenham sido projeto de desenvolvimento do país, guardam uma face contraditória, porque também retratam uma modernização conservadora e autoritária. 

São Paulo (SP), 19/03/2024 - Exposição Paisagem e Poder: construções do Brasil na ditadura, com curadoria de Paula Dedecca, Victor Próspero, João Fiammenghi, Magaly Pulhez e José Lira, no Centro Maria Antonia da Unversidade de São Paulo - USP, em Vila Buarque. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
São Paulo (SP), 19/03/2024 - Exposição Paisagem e Poder: construções do Brasil na ditadura, com curadoria de Paula Dedecca, Victor Próspero, João Fiammenghi, Magaly Pulhez e José Lira, no Centro Maria Antonia da Unversidade de São Paulo - USP, em Vila Buarque. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Exposição Paisagem e Poder: construções do Brasil na ditadura, no Núcleo Maria Antonia da Universidade de São Paulo – Foto: Rovena Rosa/Dependência Brasil

“Essa modernização conservadora foi diretamente ligada com a repressão. Não existe milagre econômico sem o rebaixamento dos salários e sem a mediação dos sindicatos. Várias reformas estruturais deixaram os trabalhadores um pouco mais controlados, uma vez que a repressão e a lei de greves, por exemplo, que viabilizaram uma certa forma de modernização sem freios, sem oposição”, disse.

“Esse milagre [econômico] é fundamentado em números, uma vez que em um prolongamento do PIB [Produto Interno Bruto, a soma de riquezas do país] sempre supra de 11%, por exemplo, mas que, na verdade, pressupõe um frigoríficação do salário mínimo e o controle dos sindicatos e da oposição. É um tipo de desenvolvimento econômico sem rebatimento no desenvolvimento social. É evidente que tem um aumento do ocupação, mas geralmente esse ocupação está relacionado à exploração da mão de obra na construção social”, avalia Próspero.

Um dos exemplos dessa incoerência do período, segundo o curador, é a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Duas fotos apresentadas na exposição, colocadas lado a lado, ilustram essa incoerência. Uma foto mostra a população visitando a usina durante a sua inauguração e a outra apresenta a usina vista de longe, em construção. “Essa representação do momento de inauguração mostra uma vez que essas grandes obras eram uma peça de propaganda importante para a ditadura. Já a outra imagem mostra Itaipu em obras e o proporção de violência de transformação do espaço daquela paisagem. Ao lado dessa imagem, colocamos uma reportagem que destaca o Salto das Sete Quedas, que era um ponto turístico, uma paisagem reconhecida, e que dava certa identidade para a população daquela região, e que foi inundada para fazer a represa”.

Eixos

A exposição conta com diversos registros audiovisuais da idade, uma vez que reportagens, fotografias, filmes, desenhos e diapositivos, além de documentos e cadernos técnicos. Também mostra que críticas já existiam naquele período, apresentando livros que contestavam o desenvolvimento exploratório e não igualitário desse protótipo desenvolvimentista.

Todos esses registros foram agrupados em cinco eixos principais. O primeiro trata sobre a urbanização e o planejamento do território. Esse núcleo mostra que o incentivo ao desenvolvimento nos chamados “vazios demográficos”, com a geração da Rodovia Transamazônica e do Banco da Amazônia, por exemplo, também teve uma outra face, marcada pela violência e assimilação dos povos originários e pela devastação ambiental.

“Muitas populações originárias foram removidas e seus modos de vida foram transformados. Foi um tipo de produção do espaço muito violenta”, destacou o curador João Fiammenghi. 

“Essa exploração da Amazônia teve escorço, teve projeto e teve pesquisa. Ou seja, não foi uma devastação caótica, uma vez que a gente pensa. Era tudo segmento de um projecto, de um projeto de país, de uma ideologia do regime militar, de segurança pátrio e de ocupação dos vazios demográficos, que não eram vazios, tinham pessoas, tinham pequenos agricultores e indígenas vivendo lá. Quisemos mostrar nesse eixo uma vez que que essa produção do espaço violenta foi muito planejada”, explicou.

O segundo núcleo trata sobre o extrativismo e sua relação com a produção de componentes para a indústria da construção social. “E, com isso, a gente não pode deixar de falar do trabalho, da industrialização e do sindicalismo. Portanto, esse é um núcleo mais ligado com trabalho e produção”, destaca Fiammenghi. 

Em relação à questão trabalhista, por exemplo, a exposição destaca que o projeto desenvolvimentista da ditadura envolveu um cima número de acidentes e mortes trabalhistas.

O terceiro eixo, por sua vez, destaca o território e a integração pátrio, tratando sobre a circulação entre as cidades, onde são apresentadas as rodovias, as grandes avenidas e as obras de construção de metrô. Há também um eixo todo devotado à construção da cidade de São Paulo, que apresenta obras uma vez que o Minhocão e o Anhembi.

O último núcleo discute a questão da moradia e conta um pouco sobre a verticalização dos espaços urbanos e a geração do Banco Vernáculo de Habitação (BNH). “Quando a gente adentra os anos 60 e, sobretudo, em seguida o golpe civil-militar, a gente tem o escorço e a promoção de um grande projecto habitacional naquele momento, que está ligado à implementação de um Sistema Financeiro de Habitação e ao Banco Vernáculo de Habitação. O banco se estrutura justamente nessa perspectiva de enfrentamento do déficit habitacional, mas com um exposição, já desde portanto, ligado a essa espécie de controle das massas e das populações moradoras desses territórios”, explicou a arquiteta, urbanista e também curadora da mostra Magaly Pulhez.

Criado com a proposta de reduzir o déficit habitacional, o BNH acaba, no entanto, se transformando em um “motor de arranque” da economia. “Fomentando a construção habitacional, fomenta-se a construção social e, portanto, se agencia uma série de agentes privados, empresas, construtoras e incorporadoras. E o que a gente vai ver, a partir dessa movimentação toda, não é propriamente uma produção habitacional voltada para as massas populares necessitadas de vestuário, mas o banco funcionando nessa masmorra produtiva da construção social”, disse Magaly Pulhez. 

“Somente 15% da produção do banco nesse período foi voltada para atendimento das populações de baixa renda”, destacou.

A exposição também mostra outro grande paradoxo do período. O trabalhador responsável pela construção dessas grandes obras desenvolvimentistas era o mesmo que, aos finais de semana, precisava erigir a sua moradia, quase sempre sem recursos suficientes. “Os trabalhadores que estão na própria indústria da construção social construindo essas grandes obras não têm moradia”, ressalta Magaly.

Núcleo

No ano pretérito, o Núcleo MariAntonia, espaço importante de luta e de resistência contra a ditadura brasileira, completou 30 anos.

O espaço é publicado, principalmente, por ter sido palco, em outubro de 1968, de uma das mais importantes batalhas pela democracia na ditadura militar. Esse incidente ficou publicado uma vez que a Guerra da Maria Antonia e envolveu estudantes de posições ideológicas opostas – os estudantes da USP e os estudantes do Mackenzie – e a polícia.

Nessa guerra, o prédio foi parcialmente incendiado e, em seguida, tomado pelo governo de São Paulo. Somente em 1993, a USP recebeu o prédio de volta e decidiu fabricar no sítio um espaço cultural, com exposições regulares e dedicadas à memória e à arte.

“Neste ano, nós achamos que seria muito bom olhar para esse período da ditadura pelo ângulo da arquitetura, do urbanismo, do planejamento, da geografia e do meio envolvente, ou seja, da paisagem e do espaço físico brasílico”, explica José Lira, professor e diretor do Núcleo Maria Antônia.

“A exposição é principalmente uma mostra documental. Durante a seleção desses documentos, nós procuramos focalizar questões que são muito presentes no nosso território ainda hoje, uma vez que a questão do desrespeito às populações tradicionais e a questão envolvendo a exploração do meio envolvente. Hoje, o mundo inteiro está sensibilizado pelas questões da crise ambiental e climática. E nós vemos que, naquele momento [da ditadura], essa era uma das coisas menos observadas. A natureza era pensada uma vez que natividade inexaurível de riquezas e de recursos e explorada uma vez que se fosse substituível. Hoje a gente vê que é muito o contrário. Se a gente não erigir de maneira a permitir que a natureza se reconstrua ou se conserve, a gente não tem horizonte”, disse o diretor do núcleo à Dependência Brasil.

Sua expectativa é de que a mostra possa enriquecer o debate sobre a ditadura e sobre o protótipo de construção do país. “Nós esperamos que a exposição possa ser vista por esse cidadão geral, esse habitante do Brasil, principalmente interessado no seu espaço, interessado no envolvente em que ele vive, interessado nas suas cidades, no seu bairro, na sua qualidade de vida, nas suas liberdades, nos seus espaços públicos, para que nesse ano de 60 anos do golpe possa ajudar na autoanálise do país”.

Programação

Paralelo à exposição, o núcleo preparou uma programação gratuita e ocasião ao público, com mesas de debates e exibições de filmes. 

Outras informações sobre a exposição e a programação paralela podem ser obtidas no site do Núcleo MariAntonia.

Fonte EBC

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