“Na lugarejo Ashaninka se pode observar tudo porque as casas não têm paredes. Deitados na rede, observávamos os movimentos das casas, mas me sentia estreito em estar sendo observado também. Com o tempo fui me acostumando. A vida integrada com o ritmo da natureza é muito prazerosa”.
O relato é do premiado fotógrafo nipónico Hiromi Nagakura que, na dez de 1990, acompanhou o filósofo e ativista indígena Ailton Krenak em viagens pela Amazônia. Trinta anos depois, imagens que ele produziu no período estão reunidas no Meio Cultural do Banco do Brasil (CCBB), no meio do Rio de Janeiro. São fotos inéditas para o público brasílico. A exposição, intitulada Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak, abriu as portas nesta quarta-feira (28) e poderá ser visitada até 27 de maio, de quarta-feira a segunda-feira, entre 9h e 20h. A ingressão é franca.
Ailton Krenak assina porquê curador. Em entrevista à Sucursal Brasil, ele diz que as fotos retratam “filosofias de vida” na Amazônia e apresentam “modos de estar no mundo”. Ele propõe uma reflexão sobre as casas sem paredes da lugarejo Ashaninka, que tanto impressionaram Nagakura.
“Na metrópole, a pessoa precisa ser o tempo inteiro blindada. Ela procura se prevenir do risco de ser afetado por qualquer dano. Esse pensamento não existe para esse povo que não usa a parede. Por que interpor a parede? É o meu corpo e o mundo. Colocar uma parede seria declarar que eu estou fora do mundo. E nós estamos enfiados no mundo. É muito generalidade os indígenas dizerem que os brancos vivem em caixas. Vivem se encaixando porque não conseguem permanecer soltos no mundo, têm terror. É uma filosofia de vida não ter parede. Não é unicamente uma escolha de porquê morar. É uma escolha anterior, de porquê se encaixar no mundo”, avalia.
Nascido em 1953 em Minas Gerais, no vale do Rio Rebuçado, Ailton Krenak carrega uma trajetória de ativismo no movimento socioambiental, com atuação destacada durante as discussões que resultaram na inclusão de direitos para os povos indígenas na Constituição de 1988. É responsável de livros porquê Ideias para delongar o término do mundo (2019), A vida não é útil (2020) e Horizonte antepassado (2022), entre outros. No ano pretérito, se tornou o primeiro indígena eleito para ocupar uma cadeira na Ateneu Brasileira de Letras (ABL).
Foi Nakamura a primeira pessoa a lhe atribuir o título de “filósofo da floresta”. Por sua vez, Ailton Krenak o compara com o renomado fotógrafo brasílico Sebastião Salso. “Não encontro melhor semelhança para indicar a relevância do seu trabalho além desta conferência simplista entre duas personalidades engajadas, sempre surfando na crista do transe e antenadas com as questões mais vibrantes do planeta: seres humanos e natureza”, escreveu ele no texto de franqueza da exposição.
Ao todo, ambos fizeram juntos cinco viagens pelo território amazônico, entre 1993 e 1998. Algumas delas com duração de muro de três meses, ao longo das quais a amizade foi se aprofundando. Krenak avalia que o encontro entre os dois foi um presente que a vida lhes deu. No Japão, a submersão de Nagakura pela Floresta Amazônica resultou em livros, exposições e documentários exibidos na NHK, a emissora de televisão pública do país asiático.
As fotos apresentadas pela primeira vez ao público brasílico mostram uma variação de povos: yanomami, xavante, krikati, gavião, yawanawá, huni kuin e ashaninka. Desde outubro do ano pretérito até o início desse mês, a exposição estava em São Paulo, no Instituto Tomie Ohtake. No entanto, ela chega ao Rio de Janeiro ampliada: foram incorporadas dezenas de novas imagens, totalizando 160.
“Eu já tinha uma agenda de viagens para atividades que vinha realizando desde a dez de 1980, quando eu descobri que podia integrar, junto com Chico Mendes, o movimento de resguardo dos direitos dos povos da floresta. Eu estive no Acre e participei da mobilização junto a indígenas, seringueiros, ribeirinhos. Criamos a Coligação dos Povos da Floresta no final da dez de 1980. Quando virou a dez de 1990, eu estava coordenando atividades em aldeias em diversos territórios. Envolviam pesquisas sobre a variação cultural e biológica. Tínhamos criado uma iniciativa que incidia sobre territórios de mais de 40 povos”, conta Krenak.
Ele conta que Nagakura o procurou interessado em escoltar algumas jornadas e passou a integrar sua equipe, que contava com outros profissionais porquê biólogo, engenheiro florestal, agrônomo e botânico. “Eram lugares onde eu já estava trabalhando há 10 ou 15 anos, onde eu tinha amigos que receberiam um fotógrafo sem estranhamento. Ele tinha momentos em que saía só para fazer fotos. Ficou hospedado em casas de pessoas convivendo com as crianças. E assim foi verosímil fazer todas essas imagens de crianças sorrindo, demonstrando uma intimidade. Não é qualquer fotógrafo que chega numa comunidade e acessa essa convívio com as pessoas de uma maneira tão descontraída”, acrescenta.
Submersão amazônica
Hiromi Nagakura realizou muitas viagens ao volta do mundo em sua curso profissional. Fotografou, por exemplo, conflitos no Afeganistão e a luta contra o apartheid na África do Sul. Ele explica porquê surgiu seu interesse em realizar uma submersão pela Amazônia.
“Eu já tinha reportado muitas guerras e conflitos. E portanto eu vi no noticiário que povos originários da Amazônia estavam lutando pelo seu recta à terreno, o que me chamou a atenção. O primeiro povo que eu visitei foram os krikatis. Na terreno deles, passavam torres de pujança. Eles ameaçavam atear queima nas torres caso o processo de demarcação não avançasse”, lembra.
De contrato com o fotógrafo, Ailton Krenak foi a conexão para que ele pudesse compreender a cultura dos indígenas. “É o olhar de uma pessoa que convivia com os indígenas das diversas aldeias. Eu não queria fotografar porquê se estivesse retratando uma cultura exótica. Queria retratar o ser humano”. A experiência também afetou sua visão de mundo. Nagakura diz que aprendeu a adotar um ritmo dissemelhante para a sua vida, mais lento em conferência com a dinâmica acelerada do cotidiano no Japão. Ele também aprendeu a ver mais venustidade em coisas simples.
“Fiz uma foto de uma yanomami com um bebê no pescoço. Ela contemplava uma serra. Foi um dia em que todos saíram para fora de repente. Eu me assustei e fui junto. Havia um macaco subindo a serra. Estranhei a mobilização, pois se vê muitos macacos na Amazônia. Mas era um pouco dissemelhante. O macaco estava escalando pedras. E essa novidade chamou a atenção dos indígenas. Havia uma venustidade nisso. E eu captei um momento de felicidade dessa mulher”. Passadas mais de duas décadas da sua última viagem à Amazônia, ele espera voltar em breve. “As crianças que eu fotografei devem estar adultas. Quero me encontrar com elas. Quero ver porquê eles estão preservando suas culturas, suas danças e suas festas”, afirma.
Nagakura e Krenak estiveram juntos na Terreno Yanomami em seguida uma ofensiva das forças do Estado, que levou a um declínio do mina proibido. Em 1992, quando o território indígena foi finalmente demarcado, o governo mobilizou a Polícia Federalista e o Tropa para coibir a atuação de grupos clandestinos, que haviam desenvolvido nas décadas anteriores na esteira das políticas de ocupação da Amazônia impulsionadas pelo regime militar. Tapume de 40 milénio pessoas foram expulsas do território. Havia na quadra uma expectativa de que fosse oferecido um ponto final ao problema.
“Nas viagens, busquei compreender melhor as culturas dos povos indígenas e assim transmitir esse conhecimento por meio das fotografias. Essas fotos tentam mostrar porquê é o povo yanomami em sua núcleo. É triste ver que as condições pioraram”, diz Nagakura.
As imagens que integram a exposição são muito diferentes daquelas que ganharam o noticiário vernáculo no início do último ano, mostrando o resultado da tragédia humanitária desencadeado pelo mina proibido, que voltou a progredir com força na região na última dez. A crise se traduziu em miséria, em contaminação e em um alarmante aumento de diferentes doenças, sobretudo a malária. Na dez de 1990, porém, as câmeras de Nagakura retrataram sorrisos, brincadeiras, manifestações culturais, atividades cotidianas em um território de venustidade superabundante.
“A mídia se interessa por guerras, tragédias ambientais, tragédias imprevisíveis. Se nunca tivesse sucedido uma desgraça com os yanomami, o Brasil nunca ia permanecer sabendo deles porque nós habitamos um mundo que adora consumir desgraça. Essa exposição é linda. Se ela fosse uma exposição desgraçada, ela ia ter a maior repercussão. Mas ela é linda, portanto ela vai ter uma média repercussão”, lamenta Krenak.
Crise de pensamento
Uma das fotos que mobilizam o olhar de Ailton Krenak retrata jovens indígenas krikati se deslocando de paquete na lagoa da hidrelétrica de Tucuruí (PA). Ele considera a imagem linda, mas labareda atenção para árvores secas emergindo da chuva: era uma superfície de floresta alagada para a construção da usina. Krenak faz menção ao trabalho do artista plástico polonês radicado no Brasil, Frans Krajcberg. Falecido em 2017, ele denunciava a ruína da natureza em suas obras de arte produzidas a partir de elementos naturais. “Ele recolheu materiais e fez uma estátua com árvores mortas tiradas de dentro desses lagos artificiais de usinas hidrelétricas”, conta o filósofo indígena.
Em sua visão, é preciso desmistificar a Amazônia. “As pessoas ficam fascinados com essa mitologia que coloca a Amazônia porquê um fantástico mundo verdejante ignoto, mas não imaginam, por exemplo, que você não pode tomar chuva ao volta de Manaus. Ela está toda contaminada por resíduos urbanos. Falta saneamento e também temos a poluição das embarcações, que jogam óleo para todo lado. Tem o mina. Não é exatamente clorofila que você vai testar em todo lugar que você caminhar pela Amazônia. Tem lugar que você vai encontrar mercúrio, diesel e veneno”.
Para Krenak, não é mais verosímil crer que o capitalismo possa se desenvolver de maneira sustentável. Ele observa que as aldeias também se desenvolvem, mas em estabilidade com a natureza.
“Exploram tecnologias brandas, que não são capazes de mudar a paisagem porquê uma típica tecnologia dura. São capazes de conviver com um rio e, 100 anos depois, aquele rio ainda ter chuva pura para você tomar”.
O filósofo também lamenta o desinteresse das pessoas sobre o conhecimento indígena, embora destaque que os nativos resistem e continuam a teimar em transmitir seus saberes. “Veja que curioso: agora que as últimas ilusões sobre o poente foram para o brejo, estão dizendo que o modo indígena de saber o mundo pode salvar a humanidade da crise climática e da tragédia global. Nós estamos vivendo em um mundo afetado por várias crises. Mas a principal crise é de pensamento: os humanos pararam de pensar”, avalia.