Para Pedro Escosteguy, a arte devia ser pública e democrática. Ele não pretendia que seu fazer artístico ficasse encastelado em museus ou que fosse sacralizado e intocável. Pelo contrário. O artista convidava o público a interagir com suas obras, porquê fez na tela “Pintura Tátil”.
O trabalho é constituído por um tecido vermelho, que traz impressos na segmento superior o título da peça e, na subordinado, o ano de 1964. Uma vez que o próprio nome indica, a peça não deve ser exclusivamente contemplada, mas também tateada. Detrás do tecido, há relevos que se fazem sentir quando passamos os dedos sobre a tela.
Ao erguer o tecido, é verosímil ver duas frases esculpidas na superfície de madeira – “Noite Violenta Esta” e “Os Olhos Vazados”. A obra é uma referência a uma sessão de tortura a que um líder político foi submetido durante a ditadura militar. A violência foi tanta que ele ficou cego. Por esse motivo, o artista concebeu uma pintura que pudesse se revelar ao público por meio do toque.
Esse é um dos trabalhos que compõem a exposição retrospectiva “Pedro Escosteguy — Trova, Vanguarda e Opinião”, em edital na galeria Superfície, no Jardim Paulista, zona oeste de São Paulo.
“Escosteguy fez segmento de uma geração que estava fazendo uma ruptura com os suportes tradicionais, trazendo novas proposições artísticas e conceituais”, diz Gustavo Nóbrega, curador e diretor da galeria. Fazem segmento desse grupo figuras porquê Lygia Clark, com a série “Bichos”, e Hélio Oiticica, com seus parangolés.
Essa arte de vanguarda despontou na dez de 1960, valorizando o objeto tridimensional em detrimento da tela, a participação do testemunha e o diálogo com questões sociais e políticas —proposições formalizadas em “Esquema Universal da Novidade Objetividade”, texto-manifesto escrito por Oiticica, em 1967.
O artista, inclusive, cita Escosteguy no documento em diversos momentos. Em um deles, afirma que a “Pintura Tátil” foi a primeira obra do Brasil “com caráter participante no sentido político”.
O texto foi escrito por ocasião da mostra “Novidade Objetividade Brasileira”, evento realizado no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM) do qual Escosteguy participou. A exposição se tornou célebre ao reunir artistas de diferentes vanguardas, porquê a arte concreta, neoconcreta e a novidade figuração.
Além do paisagem imersivo, Escosteguy fazia também obras com um viés lúdrico. Era porquê se ele quisesse que as pessoas não exclusivamente interagissem com os objetos, mas também brincassem com eles.
É o caso do trabalho “Jogo (Roleta)”, em que vemos uma roleta dividida por números que vão de um a oito. Embaixo, há uma lista que relaciona os algarismos a diferentes opções, porquê “Jogo no Tédio”, “Jogo no Roubo” e “Jogo na Farsa”.
Ainda que pareçam anódinas num primeiro momento, as peças se mostram cheias de significados políticos quando observadas com mais atenção. Exemplo disso é “Estória (O termo da Idade do Chumbo)”, que mostra soldadinhos esculpidos a partir de tábuas de trinchar mesocarpo, uma referência ao regime militar.
“São obras que convidam o testemunha a trebelhar com mensagens políticas”, diz Nóbrega, o curador. “Elas não são neutras nem se restringem a uma experiência visual. Na verdade, são provocativas e estimulam o pensamento.”
A vocábulo é um elemento que permeia a produção de Escosteguy, artista que criou os chamados objetos semânticos. “Essas peças guardam em si uma mensagem que mistura a vocábulo com a imagem. Ele foi um dos primeiros a fazer esse jogo.”
Essa propriedade está presente, por exemplo, em “Edital” —quadro que traz os dizeres “Pare”, “Olhe” e “Escute”, “Não se desintegre”. São construções imperativas que lembram o oração publicitário veiculado nos meios de notícia, porquê a TV e as revistas.
Nóbrega diz que esses veículos de veste influenciaram Escosteguy. “A intenção era promover uma notícia rápida. As obras não são contemplativas, ou seja, você bate o olho e já entende do que se trata.”
Nascido em Sant’Ana do Livramento, no Rio Grande do Sul, o artista começou na arte por meio da trova. Nos anos 1960, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde deu os primeiros passos na pintura e dividiu ateliê com o artista Antonio Dias, de quem era sogro.
A convívio influenciou o trabalho dos dois e deu origem a uma obra feita em conjunto. No trabalho, exposto na mostra, é verosímil ver corações representados de diferentes formas sobre uma superfície de madeira.
Nos anos 1960, Escosteguy participou de duas edições da Bienal de São Paulo e de exposições emblemáticas porquê “Opinião 65” e “Proposta 65”. Apesar de ter sido um dos expoentes da arte política, sua produção ainda tem pouca visibilidade.
Depois que ele morreu, em 1989, as obras ficaram confinadas durante anos no imóvel da família.
“Esse tipo de produção política só começa a entrar nos museus entre o final dos anos 1990 e prelúdios dos anos 2000, mas ele ficou esquecido.”
Para virar isso, o curador irá documentar a trajetória do artista em um livro que levará o mesmo nome da mostra. “Ele é muito importante para permanecer escondido em um apartamento.”