Felipe Hirsch Anuncia Fim Da Ultralíricos Em Peça Na Mitsp

Felipe Hirsch anuncia fim da Ultralíricos em peça na MITsp – 06/03/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Felipe Hirsch vislumbra o desencantamento do mundo. “Eu nunca fui muito feliz, não tenho saudade de nenhum momento da minha vida. Tantos amigos meus partiram, tantas pessoas que eu amava, que eu não tenho mais pavor de fantasmas”, afirma um dos mais importantes diretores do país, admirando o palco do Teatro Anchieta, no Sesc Consolação, sequestrado por um integral vazio.

Ali, sua companhia Ultralíricos, fundada há 11 anos, vai terminar, ele anuncia, com a estreia da peça “Agora Era Tudo Tão Velho – Fantasmagoria 4”, marcada para a noite desta quinta-feira, uma vez que segmento da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo. Depois a MITsp, a peça entra em edital na próxima semana.

Hirsch continuará trabalhando com as mesmas pessoas, mas numa companhia dissemelhante, com outro nome e uma novidade linguagem. Faz tempo ele aviva, em seus projetos, os espectros que atormentam a sua mente. Competência ao título, a fantasmagoria faz referência à legado cultural do Oeste, um fardo para quem deseja produzir no mundo contemporâneo.

São livros, discos, filmes, sobretudo artistas, cujas vozes subsistem em ecos aterradores. Não haveria melhor lugar do que o teatro caixa-preta para ouvirmos os nossos mortos. “Palavras, palavras, palavras”, diria Hamlet, na tragédia de William Shakespeare. Num mundo de pestes e guerras, tudo perde o valor e o seu significado.

Por isso, Hirsch encena agora o vazio, numa peça sem trama, sem cenário, sem zero. O despojamento visual é uma novidade e representa uma quebra estética, tão necessária ao recomeço da companhia. “Queria produzir um espetáculo que fosse difícil de enquadrar, difícil de segurar”, diz o diretor. “São momentos de verso que se acumulam durante a encenação.”

Em outras palavras, a peça consiste em uma sequência de jogos cênicos. Ao todo, são sete atores, interpretando diferentes personagens. Em universal, os episódios tematizam a inutilidade da arte, um tema importante para quem estuda a produção poética contemporânea. Tanto que Hirsch partiu do experimento “Inutensílio”, escrito, em 1986, por Paulo Leminski para estruturar a novidade fantasmagoria.

No texto, o responsável critica a urgência numulário de atribuir uma finalidade a tudo. A verso seria, logo, oposta ao pensamento burguês, pois não serviria ao utilitarismo. Do mesmo modo, o instituidor passa a questionar sua razão de ser no mundo. “O artista é um desempregado crônico que tem o grande privilégio de pensar o mundo de uma maneira sensível”, afirma Hirsch.

“Vivemos uma estação obscurantista e estúpida com Bolsonaro. A posição que você tem de ter no Brasil é a humanista. O Brasil não pode olvidar de ser inteligente, não dá para discutir se a terreno é plana.” Numa das cenas incluídas na peça, o ator Danilo Grangheia se senta numa cadeira projetada por Geraldo de Barros e começa a descrever uma fábula que nunca termina.

À história de um rei derivam infinitas digressões, sobre os mais absurdos assuntos, até que a fábula fique sem sentido nenhum. Em outra cena, o ator explora a paronomásia, figura de linguagem na qual o enunciador usa palavras semelhantes para produzir uma folia sonora.

Assim, o termo “capazes” se torna “capatazes”, e Ferdinand de Saussure, teórico que contribuiu para o desenvolvimento da linguística, é chamado, numa ocasião mais abobada, de Ferdinando Salsicha. Em última estudo, a sensação é de que todas as palavras escapam, sendo a veras inapreensível. Enquanto isso, a atriz Amanda Lyra entra e sai de cena algumas vezes, ecoando os fantasmas que erigiram a história do teatro ocidental.

Nesse sentido, “Agora Era Tudo Tão Velho” se assemelha às demais peças da Ultralíricos. A encenação surge dos livros. A dramaturgia de Hirsch se inspira em textos da autora japonesa Sei Shonagon ou do cineasta italiano Andrea Tonacci, que se tornou mais sabido por “Bang Bang”, de 1971, filme homenageado na peça. Em 2013, a Ultralíricos surgiu com a tetralogia “Puzzle”, um quebra-cabeça literário que tentava trasladar um país sacudido pelas Jornadas de Junho.

Em seguida, vieram as peças “Tragédia Latino-Americana” e “Comédia Latino-Americana”, estudos sobre a literatura do nosso continente, além de “Selvageria”, “Término” e “Língua Brasileira”. Agora, o despojamento cênico e a primazia da literatura não levam, porém, a uma simplificação do teor da peça. Influenciado pela ópera, Hirsch já não vê diferenças entre as linguagens artísticas.

“Não existe zero mais importante na minha vida do que a música”, diz Hirsch, que incluiu na peça uma trilha sonora ao vivo, composta por Kiko Dinucci e Maria Beraldo. “Experimento na peça a relação entre termo e música”. Seu interesse por outras artes transborda para a curso. No cinema, Hirsch dirigiu “Severina”, de 2017, e “Insolação”, de 2009. Atualmente, ele trabalha num roteiro com Wagner Moura sobre a experiência de Paulo Freire no sertão nordestino.

Nos palcos ou nas telas, Hirsch quer testar. “As pessoas costumam proferir aquilo que o público quer ouvir”, afirma. Nesse ínterim, o diretor vai produzir um novo jeito de fazer teatro, ainda atormentados por fantasmas. “Para onde vou, eu não sei.”

Folha

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