Fernanda montenegro: interpretar é viver ou morrer 12/03/2025

Fernanda Montenegro: Interpretar é viver ou morrer – 12/03/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

O Theatro Municipal de São Paulo é um velho espargido de Fernanda Montenegro. A senhora da dramaturgia brasileira conta, enfim, 80 anos de vida no palco. Mas quando ela subiu no tablado mais simbólico da cidade, na noite desta segunda-feira, foi para apresentar “Vitória”, filme que protagoniza aos 95 anos. “Posso até continuar a fazer as minhas leituras. Mas cinema pede físico e fôlego”, disse ela, para uma plateia lotada.

É regra que as aparições da atriz sejam ovacionadas por multidões, porquê foi a leitura que ela fez no Ibirapuera, no ano pretérito, e na ABL, nesta terça-feira. A assombro, porém, não diminui o risco em cena, reforça Montenegro em entrevista. “Tudo pode dar evidente porquê pode dar inexacto na vida em cena. O ator ou atriz, interpretando seres humanos, corre, na pele, o mesmo risco. Mas, às vezes, há sobrevivência. Às vezes. Zero é mais humano do que o meu ofício”, afirma.

Além de sua performance, o burburinho em torno de “Vitória” é fruto de um momento simbólico, em seguida “Ainda Estou Cá” ter faturado o primeiro Oscar para o Brasil.

Em “Vitória”, dirigido pelo seu genro, Andrucha Waddington, Montenegro interpreta Joana da Tranquilidade, pivô de um caso que foi manchete em todo país em 2005. Da janela de seu apartamento, a idosa filmou a venda de drogas na ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, e foi responsável pelo início de uma investigação que culminou na prisão de traficantes e policiais militares envolvidos com o delito organizado.

“Interpretar um personagem é viver ou morrer. Ainda mais diante de uma história real. Joana da Tranquilidade é uma heroína. Uma mulher extraordinária. Porquê dar conta?”, diz Montenegro. Dessa vez ela preenche com a sua presença as quase duas horas de duração de “Vitória”, dissemelhante de suas performances em “A Vida Invisível”, de Karim Aïnouz, ou mesmo “Ainda Estou Cá”, em que aparece nos minutos finais para uma performance arrebatadora.

Ela não protagonizava um filme dessa forma há pelo menos dez anos, quando viveu a Dona Mocinha em “Puerícia”, de Domingos de Oliveira. A matriarca rígida que controlava com rédea curta a família na zona superior do Rio de Janeiro em zero se parece com a solitária dona Vitória, que compra uma filmadora abastecida por fitas para flagrar traficantes de sua janela.

Na vida real, depois que reuniu provas suficientes e fez a denuncia, Joana entrou para o programa de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas, e ganhou o codinome Vitória. Ela saiu do Rio de Janeiro, e sua identidade não foi revelada até a sua morte, em 2023.

No mesmo ano em que a história saiu na prensa, Waddington fez contato com Fábio Gusmão, jornalista que ajudou Joana a fazer a denúncia e publicou a primeira material sobre o caso. O diretor queria levar a jornada heroica para a telona, mesmo que o projeto levasse anos –para não colocar Joana em risco.

O tempo passou, e o projeto foi retomado pelo diretor Breno Silveira, colega de Waddington, que morreu em 2022 por um infarto fulminante. Waddington, logo, reassumiu as gravações de “Vitória”.

Gusmão conta que o anonimato imposto pelo programa de proteção irritava Joana. Ela chegou a despovoar o sistema para viajar à Itália e, quando retornou ao Brasil e voltou a ser uma protegida, burlava o sistema para contatar o jornalista sem a mediação dos agentes.

“A dona Joana tinha muitas camadas. Era combativa, enérgica e brava, mas tinha condolência e alegria, gostava muito de dançar”, diz Gusmão. A incoerência, inerente a qualquer personalidade, é transmitida com maestria por Montenegro, que dá vida aos trejeitos de “uma mulher porreta, resiliente, heroína improvável”, porquê descreve Waddington. O perfil parece contrariar de propósito o que se esperaria de um filme protagonizado por uma senhora.

Se em uma cena Vitória segue desconfiada a vizinha, interpretada por Linn da Quebrada, até um bingo furtivo e se recusa a entrar no lugar, resmungando julgamentos, a idosa também se alegra ao receber o invitação da mulher para dançar no lugar. Joana não é sofrida, e há até evidente humor na forma de enfrentar a dificuldade —uma propriedade que Montenegro já relacionou ao jeito brasílio de ser.

Joana também é apegada à solidão de uma vida mansa, construída com esforço, porquê transmite quando se dedica a grudar cacos de uma xícara quebrada em seguida o susto de um troada. Sua lar de móveis de madeira antiga, porcelanas rachadas e papel de parede desbotado é um reduto de conforto em uma Copacabana violentada pelas contradições sociais. A sossego do oásis é dissipada pelo som de tiros que fazem Montenegro se jogar no soalho ou se esconder na banheira para evitar uma projéctil perdida.

“Tivemos zelo para que essa lar tivesse personalidade, porque a janela, assim porquê a Copacabana que vem do calçadão até as suas intestino, são personagens do filme”, diz Waddington. Apesar do risco, a Joana de Montenegro também não se acovarda na hora de jogar verdades na rostro de um coronel corrupto da Polícia Militar.

Terror, aliás, não foi o que a verdadeira Joana sentiu quando soube que fariam um filme sobre sua história. “Ela ficou eufórica e disse que queria ser interpretada por Fernanda Montenegro, porque tinha a referência de ‘Medial do Brasil'”, diz Gusmão.

Na idade, não fazia muito tempo que a atriz havia se tornado a primeira brasileira indicada ao Oscar, por sua performance no filme de Walter Salles. Agora, 16 anos depois, a história se repetiu com sua filha, Fernanda Torres, que também se tornou uma espécie de representante do cinema pátrio ao lado da mãe. “Nós temos historicamente uma filmografia de subida qualidade artística”, diz Montenegro. “Se a obra acontece, sempre e sempre, teremos plateias.”

“A indústria do audiovisual merece estar vivendo esse momento de reconhecimento e saudação, fruto de um trabalho de muitos anos”, diz Waddington, sócio da Conspiração Filmes ao lado de Claudio Torres. A coprodutora de “Vitória” e “Ainda Estou Cá” deve receber um financiamento de R$ 32 milhões legalizado pelo BNDES nesta semana, para a sua internacionalização. “É um ótimo momento para o audiovisual brasílio, no Brasil e no mundo.”

Folha

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