Porquê ser filha de Fernanda Montenegro, desejar seguir a mesma profissão de atriz, e não permanecer a sua sombra? A priori, soa porquê um sonho irrealizável.
Mas sabendo ou não que era impossível, Fernanda Torres foi lá e fez. Conseguiu a proeza de, desde muito cedo, se firmar porquê uma personalidade própria nas artes dramáticas. Apesar de ser a faceta da mãe, de ser filha da maior de todas, de também ter um pai renomado, o ator Fernando Torres. E o cinema foi fundamental para essa façanha.
No primórdio da dez de 1980, Montenegro fazia aparições esporádicas no cinema, priorizando os palcos e a TV. Torres, apesar de papéis muito pequenos em novelas —inclusive ao lado da mãe—, tinha outros planos profissionais. Respeitava a trajetória de Fernandona, mas o chamado “teatrão” do qual a mãe era um ícone não lhe interessava tanto.
Sua geração era mais afeita à liberdade cênica de grupos porquê o carioca Asdrúbal Trouxe o Trombone, que esbanjava frescor em meados dos anos 1970, com atores porquê Regina Casé e Luiz Fernando Guimarães falando diretamente à juventude da era. Era alguma coisa próximo daquilo que Torres queria fazer.
Curiosamente, porém, ela estreou no cinema em uma obra de era, fundamentalmente romântica: “Inocência”, de 1983, dirigida por Walter Lima Jr. Não tinha sequer 18 anos, mas sua performance trazia tanta autoconsciência e era tão desprovida de vícios teatrais ou televisivos que foi uma estreia de espantosa solidez para uma jovem de tão pouca idade.
Não tinha zero de teatrão e nem de improviso, mas a mistura de influências permitiu à atriz iniciante conceber uma personagem com tamanha autenticidade, ao mesmo tempo lírica e arejada, que logo em sua estreia já se tornou difícil compará-la à mãe.
O mesmo se deu com os seus filmes seguintes. “A Marvada Músculos”, de 1985, de André Klotzel, trazia a atriz na pele de outra interiorana, mas desta vez em um escolhido registro cômico, sorrateiro. E “Com Licença, Eu Vou À Luta”, de 1986, de Lui Farias, permitia a Torres testar uma personagem muito dissemelhante: urbana e essencialmente moderna —uma jovem que enfurece os pais em seguida engravidar. Uma novidade performance criativa. Em três filmes, a “filha de Fernanda Montenegro” em potencial já havia se tornado Fernanda Torres, pura e simplesmente.
O descolamento definitivo viria com um filme de Arnaldo Jabor, “Eu Sei Que Vou te Amar”, de 1986, sobre uma relação amorosa complicada, em que os dois personagens principais trocavam o tempo inteiro declarações de paixão e de ódio.
Qualquer (estúpida e injusta) categorização de Fernandinha porquê uma “nepo baby” se tornaria oficialmente deslegitimada em seguida a atriz faturar o prêmio de atuação feminina no Festival de Cannes. Antes mesmo de Fernandona lucrar o mundo, Fernandinha já o fazia.
Em 1991, atuou na produção britânica para a TV “A Guerra de um Varão”, que Torres costuma descrever porquê “um filme ruim em que trabalhei com Anthony Hopkins”. Mais visibilidade teria com o indicado para o Oscar de filme estrangeiro “O Que É Isso Companheiro?”, de 1997, de Bruno Barreto, em que interpreta uma combatente da luta armada contra a ditadura militar.
Um ano antes, porém, havia feito um de seus filmes mais importantes, já com o diretor de “Ainda Estou Cá”, Walter Salles: “Terreno Estrangeira”, de 1996, codirigido com Daniela Thomas. É uma das performances mais lembradas da atriz, na pele da brasileira que tenta a vida em Portugal, mas que sabe que o sonho europeu está mais para um pesadelo.
Dirigida pelo marido, Andrucha Waddington, faria em “Gêmeas”, de 1999, um de seus trabalhos mais ricos. O thriller trazia Fernandinha em papel duplo, que lhe permitiam circundar com desenvoltura entre o drama, a comédia e o mistério. Montenegro, aliás, interpretava sua mãe.
E várias vezes depois as duas participariam dos mesmos filmes, a esta profundidade, sem a menor preocupação de comparações. Ao contrário: sempre colaborações vistas pelo público de maneira originário e afetiva.
Viveram as mesmas personagens em idades diferentes em “Redentor”, de 2004, do irmão Cláudio Torres, e “Mansão de Areia”, do ano seguinte, também de Waddington. Teria um momento reluzente em “Jogo de Cena”, de 2007, curiosíssimo treino de investigação de Eduardo Coutinho sobre performance, narrativa, verdade, ilusão. Mas foi revivendo no cinema o seu papel mais famoso na TV, a Vani do humorístico “Os Normais”, que Torres ganhou popularidade definitiva no nosso cinema, em dois êxitos de bilheteria, lançados em 2003 e 2009.
Teriam sido os filmes pelos quais Fernandinha seria mais lembrada pelo grande público, até “Ainda Estou Cá” se tornar um fenômeno. O sucesso no exterior do longa ecoa o de “Meão do Brasil”, que levou Fernandona a uma indicação ao Oscar.
Mais uma vez, o universo conspira a forçar comparações, mas o público não cai mais nesse tipo de insídia. Unicamente saúda essas duas gigantes, com o orgulho e a espanto que cada uma merece, ao seu modo.