Acostumada a interpretar histórias, Fernanda Montenegro desta vez percorre o palco do Teatro Oficina, em São Paulo, olhando para a plateia vertical uma vez que se aquela fosse a protagonista. O mesmo caminho é trilhado por sua filha, Fernanda Torres. “O tempo não é linear. É um maravilhoso inextricável onde, a qualquer momento, podem ser escolhidos pontos e inventadas soluções, sem primícias nem término”, profetizam elas, simultaneamente, dando vida a Lina Bo Bardi.
As atrizes interpretam a arquiteta modernista mais importante do Brasil, que projetou o teatro paulistano fundado por José Celso Martinez Corrêa, em “Maravilhoso Inextricável”, videoinstalação de Isaac Julien. A obra ocupa o segundo caminhar do novo prédio do Masp, e é projetada por nove telas ao mesmo tempo. Bo Bardi aparece jovem e mais velha, em diferentes lugares, ao mesmo tempo na sala.
O filme secção da reflexão da arquiteta sobre a não linearidade do tempo para dissecar a sua crença de que toda construção deveria atender às necessidades das pessoas, uma vez que um ponto firme no caos das metrópoles que crescem desenfreadamente. Segundo ela, a arquitetura era fruto da interação humana com o envolvente e nunca deveria ser imposta.
Uma vez que Bo Bardi, as atrizes mãe e filha também compartilham da fé na arte enquanto potência transformadora. As duas se tornaram uma espécie de símbolo do cinema vernáculo, mormente depois de protagonizarem “Ainda Estou Cá”, que venceu o Oscar, e de Torres se tornar a segunda brasileira indicada à estatueta de melhor atriz, dando perenidade ao feito histórico da mãe.
“Eu e a mamãe somos isso. Temos o mesmo nome, a mesma profissão, somos parecidas, embora não sejamos a mesma pessoa”, diz ela, em entrevista por telefone, sobre a teoria circundar de tempo defendida por Bo Bardi. A atriz conta que vem dormindo muito, mas que deve inaugurar as gravações de um novo filme ainda neste ano. “Meus próximos meses voltarão a ser pesados”, afirma ela.
As gravações de “Maravilhoso Inextricável” aconteceram em 2019. Um pouco uma vez que em “Ainda Estou Cá”, Torres e sua mãe interpretam a mesma pessoa na tela. Adriano Pedrosa, diretor artístico do Masp, diz que a expectativa de público para a instalação aumentou muito depois do que labareda de “boom da Fernanda Torres”. A obra chegou a mudar de caminhar, para prometer uma circulação melhor de pessoas.
Foi o próprio Isaac Julien que escalou Fernanda Montenegro e Fernanda Torres. O britânico é publicado por obras que misturam cinema e arte para sintetizar a história de indivíduos ou grupos, uma vez que fez em “Lessons of the Hour: Frederick Douglas”, sobre o libertador americano, e “Looking for Langston”, retrato da comunidade gay da Novidade York de 1920.
“A abordagem de Lina era profundamente filosófica e social. Seus edifícios não são exclusivamente estruturas estáticas, mas funcionam uma vez que entidades vivas que interagem com o tempo, as pessoas e a cultura”, afirma Julien.
Para viver Lina Bo Bardi, as atrizes foram às construções da arquiteta na Bahia e em São Paulo, e suas interpretações são intercaladas por performances. No multíplice da ladeira da Misericórdia, construção de concreto invadido por vegetalidade em Salvador, um artista preto molda um pedaço de barro. Depois surgem soldados. “Os acontecimentos de 1964 reuniram a Bahia e o Brasil em silêncio por quase 20 anos”, narra Fernanda Torres, que troca o sotaque carioca pelo italiano.
“O objetivo era interrogar uma vez que espaços museológicos são ambientes que podem ser reativados e reimaginados. A arquitetura de Lina convida para esses atos de engajamento”, diz Isaac Julien.
As performances fazem pensar sobre a apropriação de elementos do modernismo pelo regime militar, que investiu em grandes construções de concreto. Torres conta que, em uma cena em que Bo Bardi aparece revoltada com o autoritarismo, sua mãe improvisou uma brecha violenta das janelas de formatos irregulares, uma vez que “buracos em cavernas”, pensadas para promover a circulação do ar.
“A Lina era pura transformação. Ela não poderia fazer uma obra que destruísse a vida que já existia nos lugares. Nisso ela é mais feminina do que o Oscar Niemeyer, por exemplo, que dizia às pessoas uma vez que elas deveriam viver”, reflete Torres. “Ela é totalmente voltada para o humano.”
Em seus escritos, Bo Bardi admirava a arquitetura popular, descrita não só uma vez que funcional, mas uma vez que uma representação cultural. “A liberdade do artista foi sempre individual, mas a verdadeira liberdade só pode ser coletiva. Uma liberdade consciente da responsabilidade social”, afirmava. Segundo Torres, a reforma do Sesc Pompeia é o melhor exemplo de uma arquitetura que se define uma vez que uma interação contínua entre pessoas e espaços habitados.
No final dos anos 1970, o prédio ainda era uma fábrica abandonada. Bo Bardi o visitou e ali encontrou crianças correndo e jovens jogando futebol embaixo da chuva, que caía dos antigos telhados rachados. Ela decidiu, logo, que a alegria presente naquela estrutura deveria permanecer.