Em certa fundura de seu show na edição deste ano do Festival de Verão Salvador, Ana Castela notou que a plateia não conhecia tanto seu repertório. “Quem não souber trovar não tem problema, só levanta a mão para participar do vídeo”, disse no palco.
A cantora é uma das artistas mais ouvidas do Brasil no streaming, mas com exceção de algumas crianças com chapéu de boiadeiro, não encontrou um público de fãs no evento —que reuniu murado de 60 milénio pessoas no sábado (25) e domingo (26) na capital baiana.
A cena é uma exemplar do dilema atual do Festival de Verão. Com 26 anos de história, o evento é uma marca consolidada. Realizado em janeiro, serve porquê esquenta do Carnaval e, desde 2023, vem se renovando para se colocar entre os maiores e mais importantes festivais do país.
Neste ano, o público encheu a maioria dos shows no Parque de Exposições com uma animação costumeira das plateias baianas. E, porquê nos últimos anos, as melhores e mais celebradas apresentações vieram de artistas consagrados do estado —Ivete Sangalo, BaianaSystem, Léo Santana, Bell Marques, Daniela Mercury, Timbalada, Luiz Caldas e Saulo.
Com exceção de BaianaSystem e Léo Santana, todos são figurões do axé, estilo músico que completa 40 anos neste 2025 com comemorações principalmente na Bahia.
São, também, um pilar do Festival de Verão. Donos de uma maestria em conduzir plateias de dezenas de milhares de pessoas que foi maturada em décadas de trio elétrico, esses nomes garantem um público de moradores e turistas que aproveitam o verão na cidade.
Com exceção desses clássicos, o festival ainda tenta se encontrar. Em 2023 e 2024, apostou em titãs do trap no streaming, porquê Orochi, Filipe Ret, Matuê e Cabelinho, nomes do pop, porquê Luísa Sonza, Iza e Gloria Groove, e até uma atração internacional, CeeLo Green. Desta vez, as novidades foram o sertanejo de Castela e Gustavo Mioto, o reggae de Natiruts e o eletrônico de Alok.
Embora as apostas indiquem a boa intenção de abraçar a volubilidade músico, a junção deste ano, principalmente no sábado, causou alguma bagunça. Shows de rock, sertanejo, pagode, reggae e música eletrônica foram emendados uns nos outros, sem uma união conceitual.
Ficou a sensação de que faltou liga, um pouco que unisse a identidade baiana ao que há de criativo no resto do país —o que não foi um problema em anos anteriores.
Na missão de se tornar mais vernáculo, assumida nos últimos três anos, há um filão que o festival poderia explorar mais. Nesta edição representada por Melly, a chamada novidade música baiana apareceu nos palcos principais exclusivamente na forma de artistas convidados, porquê Luedji Luna e Larissa Luz fizeram em anos anteriores.
A edição também não criou na mesma quantidade encontros memoráveis feitos nos últimos anos. Caetano Veloso cantou com Gilberto Gil num show comovente meses em seguida a morte de Gal Costa, o BaianaSystem se fundiu aos tambores do Olodum e de Carlinhos Brown, Daniela Mercury emocionou ao comemorar o Ilê Aiyê e Seu Jorge fez um dança black com Mano Brown, para reportar alguns.
Neste ano, a margem liderada por Russo Passapusso novamente mostrou ser a escalação ideal para executar esse tipo de proposta. Seu encontro com Marcelo D2 e BNegão no domingo foi um dos pontos altos do festival, e partiu de referências semelhantes para gerar uma apresentação única e coesa.
Luiz Caldas e Saulo, representantes de gerações diferentes do axé, também souberam unir as forças de seus repertórios para racontar a história do gênero com originalidade, e a junção de Só Pra Contrariar e Alcione foi a melhor do primeiro dia.
Ao mesmo tempo, artistas porquê Alok e Pedro Sampaio passaram derrotado, com shows que durarão pouco na memória. Os DJs tentaram se inserir no contexto, tocando músicas locais e tentando outros acenos —o goiano fez até uma baiana com drones no firmamento e tocou com o Timbalada—, mas não foi o suficiente.
Nesse vista, há um trunfo que só levante festival tem e que voltou a ser muito explorado —a liberdade de ser uma espécie de laboratório do Carnaval que se aproxima. Ivete Sangalo e Léo Santana fizeram shows energéticos, para plateias suadas e animadas, e testaram músicas novas que chegarão em março com status de hit.
Levante é mais um indicativo de que o Festival de Verão Salvador só é o que é por justificação do lugar em que ele acontece e tudo o que vem com isso —um público receptivo e ansioso pelo Carnaval, o calor de janeiro, a disposição procedente para a sarau.
Nessa lanço recente de reconstrução, o evento já encontrou um espaço próprio no giro de grandes festivais do Brasil, mas pode crescer ainda mais se conseguir usar as vantagens de seu território e dialogar com ele mais profundamente —ainda que olhando para fora da Bahia.
Os jornalistas viajaram a invitação do festival