O nipónico Hayao Miyazaki é, aos 83 anos, o mais festejado diretor de animações vivo. Seu processo criativo, que legou ao mundo obras-primas uma vez que “A Viagem de Chihiro”, de 2001, já foi objeto de ao menos três grandes documentários.
Sob leste prisma, “Hayao Miyazaki e a Garça”, de 2024, que acaba de chegar à Netflix, soa uma vez que uma redundância ou serviço aos fãs mais ardorosos do cérebro do Studio Ghibli, que deixou a aposentadoria anunciada em 2013 para lançar dez anos depois aquele que pode ser seu último filme, “O Menino e a Garça”.
O próprio diretor do documentário, Kaku Arakawa, já havia realizado dois trabalhos sobre o rabi, um deles uma série de quatro capítulos para a TV NHK em que ele acompanhava Miyazaki durante uma dez. Já chega, não?
Em seguida as duas horas do novo filme, a resposta é um veemente não. Mais do que nas obras anteriores, cá o borrão entre veras e magia que marca a filmografia de Miyazaki chega ao próprio diretor.
Porquê ele diz repetidas vezes, para produzir ele precisa “transfixar a tampa da cabeça” —e, uma vez que admite ao término do novo registro, talvez não tenha conseguido fechá-la desta vez. Não é uma viagem prazerosa, é bom frisar.
Com o ritmo de gravação caseira do trabalho anterior, “Dez Anos com Hayao Miyazaki”, de 2019, Arakawa oferece uma narrativa para iniciados. Se você nunca assistiu a um dos desenhos do Ghibli, porém, ainda assim terá lampejos de uma vez que um gênio trabalha —e sofre.
A grande presença é a da morte. Miyazaki sempre foi obcecado com seu legado, mas cá o tom é intimista. É palpável a dificuldade do diretor em mourejar com a obra da Ceifadora à sua volta —oferecido momento, ele se pergunta por que todos ao seu volta estão morrendo.
O maior impacto vem quando Isao Takahata, o cofundador do Ghibli e companheiro de trabalho por décadas de Miyazaki, morre aos 82 anos, em 2018. A rivalidade entre eles sempre foi notória, mas no documentário fica clara a métrica que a genialidade de Takahata dava ao competitivo sócio.
Para quem não conhece o poder do trabalho do falecido, “O Túmulo dos Vaga-lumes”, de 1988, foi adicionado recentemente ao catálogo Ghibli da Netflix. Naquele que é o mais pungente de diversos momentos emocionantes do documentário, Miyazaki mal consegue ler a curta elegia que preparou para o funeral de Takahata.
O colega assombra o filme todo. Ele acompanha a produção de “O Menino e a Garça”, esboço entusiasmado que sem a morte do colega e rival talvez nunca tivesse sido completado.
Ele é trocado, por assim manifestar, pelo animador Takeshi Honda, incensado pela série de anime “Evangelion”, que ajuda o rabi a completar seu novo filme nas modestas instalações do Studio Ghibli. É humano e jocoso ver Miyazaki se sentindo desafiado pelo mais novo colaborador e seu estilo próprio.
No anime de longa-metragem lançado no ano pretérito, todos os temas caros a Miyazaki batem ponto, amplificados pela tangibilidade do término.
O diretor não esconde a partilha de papéis —ele é o protagonista, Mahito, Takahata é o Grande Outro na forma de um tio-avô que rege o mundo mágico e a Garça, um elemento de picardia e incitação da jornada do pequeno herói, reflete Toshio Suzuki.
Produtor e braço-direito de Miyazaki, figura meio estabanada, Suzuki é a figura sempre ao lado do ídolo e colega. É objeto das melhores piadas do rabugento diretor, embora ele próprio apareça uma vez que o cândido mais frequente da autocrítica.
Compete com o cheiro da morte no documentário o perfume mais efêmero da resgate. Sem spoilers, oferecido que “O Menino e a Garça” foi finalizado e ganhou o Oscar de animação deste ano, ao término Miyazaki triunfa —só para ser confrontado com o vazio existencial de novo.
Numa sequência trivial e genial, Suzuki dá um recomendação para o desalentado colega —tire a barba que cultiva há anos. O diretor parece reconectar-se com seu velho eu.
A cena tem um parentesco improvável com um momento icônico dos quadrinhos americanos, quando um envelhecido Bruce Wayne emerge da Batcavena sem o bigode que cultivara na aposentadora, pronto para voltar à ação, no clássico “O Cavaleiro das Trevas”, de Frank Miller.
O documentário de Arakawa tem um quê hagiográfico. Cá, a relação problemática de Miyzaki com seu seu fruto Goro, que se aventurou a fazer animações só para ser destratado pelo pai, inexiste.
Em obséquio do diretor, essa e outras crises estavam presentes nos dois filmes anteriores, e talvez ele pretenda apresentá-los uma vez que um tríptico. Pode ser, mas não ajuda muito o testemunha casual, assim uma vez que a anemia de didatismo.
Ao mesmo tempo, o documentário aprofunda o drama interno do diretor, o compartilhamento fantasmagórico com Takahata e a resgate final, resumida numa cena delicada em que “O Menino e a Garça” e a veras são indistinguíveis.
