Incrível título, o de “Um Olhar Inquieto: O Cinema de Jorge Bodanzky”. Cumprindo o enunciado em princípio, o documentário de Liliane Maia e Jorge Bodanzky não fica detidamente na vida e obra de Jorge Bodanzky, e sim retoma uma história específica ocorrida há cinco décadas.
E a uniforme voz em primeira pessoa do cineasta não reitera ou celebra seu emissário. Pelo contrário, vai se engajar ao que importa a Bodanzky desde a primeira vez que avistou e filmou de um avião, em 1973, uma localidade da tribo dos Cinturão-Larga, na região de Aripuanã, setentrião amazônico de Mato Grosso.
O encontro distraído veio de um trabalho que o cineasta estava fazendo, porquê cinegrafista junto ao jornalista teutónico Karl Brugger, a reportagem “Projeto Humboldt na Amazônia Brasileira”, para o conduto ZDF. Seria uma cidade laboratório para estudos científicos e tecnológicos. Pouco tempo depois, foi desabitado pelo governo militar.
Bodanzky diz ter desvelado que a câmera era seu modo de registrar o mundo, o pompa uma prolongamento do seu corpo. Um homem-câmera, se pensarmos que, aos oito anos, ele ganharia uma câmera fotográfica. Os registros são incríveis para um menino, e vários outros, já com Bodanzky cineasta, salpicam “Um Olhar Inquieto” de imagens de potente gama estética e portadoras de um estado de mundo.
Bodanzky tem feito, há pouco mais de 50 anos, um cinema de encontro, mediação e desvelamento do que é escondido, esquecido e urgente —uma obra a ver com a história e a memória.
Bodanzky passeará por sua história pessoal, sua família que conta com uma filha também cineasta, Laís, seus filmes, sua experiência porquê velejador que o fez trabalhar em “Menino do Talento”, de Walter Lima Jr, além dos crimes que a ditadura empreendeu contra os povos originários e culturas minoritárias, a deletéria orifício aos grandes trustes internacionais.
Bodanzky é um cineasta que, beirando os 83 anos, mantém a mesma sede de interação (e mediação) com o mundo dos seus anos de juventude. Sua onipresença porquê imagem neste documentário não deixa de ser um tanto geral e intrínseco à sua obra desde sempre. Um corpo que, por meio da montagem, parece fundido nos materiais que ele resgatou do anonimato da invisibilidade.
Ele, um cineasta que, filiado à tradição do documentário, não deixou de embebê-lo no cinematográfico. Seu filme mais aclamado (e proibido pela ditadura até 1980), “Iracema – Uma Transa Amazônica”, de 1974, dirigido por ele e Orlando Senna, é uma ficção engajada com o real.
É deste filme a primeira imagem de floresta queimando que correu o mundo. O enredo se aliou a realidades porquê o cotidiano da vida na estrada, restaurantes de dia que à noite se transformavam em bordéis, a religião, a ruína da flora nativa pela Transamazônica e a violência contra a mulher.
Usando câmera Eclair, lente zoom, gravador Nagra que possibilitou ser um dos primeiros filmes brasileiros a ser filmado em som direto, “Iracema – Uma Transa Amazônica” é, com as presenças de Edna de Cássia e Paulo César Pereio, a mais reconhecida das imagens criadas por Bodanzky no cinema. E frequentou salas de cinema europeias depois sua aparição no Festival de Cannes.
Bodanzky tem plena noção da virtuose sua e de Orlando Senna. Mas a imagem que realmente parece lhe afetar é a da tribo dos Cinturão-Larga. A maloca vista do elevado, alguns indígenas tentando convencionar à flecha o aeroplano e a vegetação abastada são imagens muito marcantes, e bastante reiteradas ao longo da projeção —o que deixa evidente qual o “leitmotiv” de “Um Olhar Inquieto”.
O diretor conseguirá reencontrar, cinco décadas depois, aquela memória que permanecia porquê imagem cinematográfica. Encontrará, antes, uma instituição arruinada do Projeto Humboldt que, mínima, ilustra a desairoso fado histórico. Em seguida, encontra os Cinturão-Larga sobreviventes das doenças vindas do contato com os brancos e dos massacres que dizimaram a maior segmento da tribo.
Bodanzky consegue trazer uma série de coisas para o filme, das ditaduras sul-americanas e políticos idealistas a sua vida pessoal e seus filmes trazendo a material do momento histórico. Um contexto pleno para situar o específico e cultuado registro em Super-8 que ele fez desses lendários indígenas do Aripuanã. Um gesto proeminente que parece naturalizar o feito do cineasta e comemorar o que o dito gesto capturou e reteve porquê preciosa memória.
