Cinco anos em seguida o incêndio que matou dez jovens jogadores no Ninho do Urubu, meio de treinamento do Flamengo, nenhuma pessoa foi punida criminalmente, uma das famílias ainda não chegou a um entendimento de reparação diretamente com o clube e os sobreviventes convivem com traumas provocados pela tragédia.
Com o objetivo de fomentar o debate sobre uma vez que os dirigentes do time carioca deveriam ter agido, a série “O Ninho: Futebol & Tragédia”, lançada nesta quarta-feira (13) pela Netflix, contextualiza o drama dos garotos da base rubro-negra ao mesmo tempo que indica uma vez que os fatos ocorridos em fevereiro de 2019 poderiam ter sido evitados e, posteriormente, reparados.
“Essa tragédia faz secção da história do clube da mesma maneira que as conquistas do Flamengo”, diz à Folha Pedro Asberg, o diretor da produção documental. “O Flamengo institucionalmente, as pessoas que dirigem o clube, preferem tomar um caminho que, infelizmente, é do apagamento, do esquecimento. Por isso é importante que essa série exista, para dar visibilidade e evitar que essa tragédia seja esquecida.”
A obra, realizada pela A Fábrica com teoria original do UOL, é dividida em três episódios, com prova de sobreviventes, familiares das vítimas e jornalistas do portal envolvidos na investigação. Nos relatos, os parentes dos garotos afirmam que não tinham conhecimento sobre as condições precárias do alojamento que acabou pegando incêndio.
Por outro lado, reportagens produzidas pelo portal desde o incêndio apontam que o Flamengo sabia dos riscos aos quais os garotos estavam sujeitos, uma vez que os problemas nas instalações elétricas, que foram a principal desculpa apontada para o ocorrido.
Oito pessoas respondem a uma ação penal proposta pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) por dez homicídios culposos e três crimes de lesões corporais.
De entendimento com Pedro, a produção da série fez esforços para ouvir os envolvidos ou seus representantes legais, mas alguns não responderam aos pedidos de entrevistas, enquanto outros ignoraram os contatos.
“A partir do momento em que você está, de alguma forma, ligado àquilo [tragédia] e você prefere não falar, você prefere não se posicionar na câmera, você prefere não dar a sua versão, você está se posicionando”, afirma o diretor.
No dia 7 de fevereiro deste ano, quando completou cinco anos do incêndio, o Flamengo divulgou uma nota em que lamentava o ocorrido, além de ressaltar que o clube não tem intenção de extinguir da memória do clube a tragédia.
“Perdemos dez jovens atletas e não podemos, nem queremos, olvidar disso. Temos que rememorar nossos jovens eternamente, a cada dez minutos de cada jogo e sempre”, escreveu o clube.
A produção também buscou imagens inéditas do incêndio, além de recriar alguns momentos em forma de simulação, com objetivo de jogar luz sobre as causas do ocorrido.
“Nosso olhar, a nossa procura, foi sempre pela humanização, para dar voz, rosto e nome a essas pessoas. Tanto aos pais e mães que perderam os seus filhos, quanto aos 16 jovens que sobreviveram, quanto ao Benedito Ferreira, o segurança do Flamengo, que salvou três jovens”, diz Pedro.
Benedito acabou exonerado do clube e, atualmente, tem dificuldade para sustentar, pois laudos médicos apontam que ele não reúne condições psicológicas para trabalhar devido ao traumatismo que sofreu na noite do incêndio.
“Até hoje eu lembro quando me perguntaram se os garotos estavam dormindo na hora que pegou incêndio”, ele lembra durante um trecho da entrevista que deu para a série.
A obra também conta que nove das dez famílias das vítimas fatais entraram em entendimento com a equipe carioca. Os familiares do goleiro Christian Esmério ganharam ação indenizatória na Justiça, em fevereiro deste, em uma decisão da qual ainda cabe recurso.
De entendimento com Pedro Asberg, o pai de Christian deve receber uma indenização de tapume de R$ 1,4 milhão, valor idêntico ao que também deverá ser pago à mãe do goleiro.
Na mesma nota divulgada em fevereiro, o Flamengo confirmou que fez um entendimento com nove famílias e que uma delas recebe uma pensão todos os meses independentemente do processo judicial e que o clube está sincero para chegar a um entendimento.
“O Flamengo pode e deve dar mais visibilidade para essa tragédia uma vez que uma forma mesmo de preservar a memória desses jovens. O Flamengo construiu uma capela dentro do Ninho do Urubu e não tem qualquer menção a esses meninos. Supostamente ela foi inaugurada num dos aniversários da tragédia, ela tem dez quadradinhos ali, mas zero outrossim. O Flamengo inaugurou um museu e não tem qualquer menção a essa tragédia”, critica o diretor da série.
Ele diz esperar, ainda, que sua obra incentive a torcida rubro-negra a “cobrar da diretoria [do clube] um olhar e uma postura mais humana para essas famílias que perderam seus filhos”.