Os incêndios que consomem o bioma amazônico são uma das etapas da exploração econômica da floresta, que vem sendo convocada pela economia mundial para fornecer vitualhas e matérias-primas baratas, permitindo a manutenção do preço dos salários nos países mais desenvolvidos e o aumento do lucro em graduação global. Essa é a avaliação do professor de economia Gilberto de Souza Marques, da Universidade Federalista do Pará (UFPA).
Responsável do livro Amazônia: riqueza, degradação e saque, o profissional destaca que a agropecuária, a mineração e o setor madeireiro são as principais atividades que contribuem para o desmatamento da Amazônia e que a grilagem de terreno alimenta essa exploração econômica.
Marques questiona o padrão econômico imposto ao bioma, argumentando que nem tudo que gera muito lucro é o melhor para o conjunto da sociedade brasileira. Ou por outra, afirma que a Amazônia já está internacionalizada porque as grandes multinacionais da mineração e do agronegócio são as que controlam a economia dominante na região.
Para o profissional em economia política, natureza e desenvolvimento, as experiências dos povos indígenas e comunidades tradicionais são as sementes de esperança que devem ser regadas para se contrapor à monocultura na região amazônica.
Confira a entrevista completa:
Filial Brasil: Qual a relação da ruína da Amazônia com a exploração econômica do bioma?
Gilberto Marques: A Amazônia tem duas grandes tarefas no mundo que são incompatíveis. A primeira é contribuir para aumentar a rentabilidade do capital nas economias centrais, com o rebaixamento dos custos de produção. Isso significa produzir matérias-primas baratas de exportação para a China e para a Europa, porquê o ferro, a soja e outros produtos.
Ao produzir vitualhas baratos, a Amazônia diminui a pressão para elevação salarial nesses países e contribui para levantar as taxas de lucro em meio a uma economia global que vive sucessivas crises de rentabilidade do capital.
A segunda tarefa da Amazônia é contribuir para reduzir os efeitos do aquecimento global, em privado a emissão de gases de efeito estufa. Na atualidade, essas duas tarefas são incompatíveis porque a primeira tarefa impõe um ritmo de apropriação da natureza porquê nunca visto nos 13 milénio anos de existência humana na Amazônia.
Esse ritmo ditado pela procura do lucro faz com que a natureza tenha dificuldade de se reconstituir, pois são atividades extremamente degradantes para a natureza.
Filial Brasil: Quais as principais atividades que contribuem para degradar a Amazônia?
Gilberto: Principalmente a mineração e o agronegócio associados à exploração madeireira. E a propriedade mais gritante na Amazônia é que o permitido se alimenta do proibido e o proibido do permitido.
O setor pecuarista, que se apropria de terras públicas e que utiliza muitas vezes o trabalho servo, continua, de alguma forma, vendendo o seu rebanho para as grandes cadeias da comercialização dos grandes frigoríficos, direta ou indiretamente.
Indiretamente porque eles maquiam esse rebanho [de áreas griladas] e os frigoríficos sabem disso. O rebanho que não pode ser vendido para Europa, por exemplo, porque tem regras mais rígidas, segue para o Nordeste ou o Sudeste, abastecendo esses mercados regionais e permitindo que os rebanhos criados nessas regiões possam ser exportados sem prejuízo do consumo lugar. Direta ou indiretamente, o rebanho amazônico, mesmo criado em áreas ilegais, entra nas grandes cadeias de proteína bicho do planeta.
Em 2021, o principal resultado exportado pelo município de São Paulo foi o ouro, com aproximadamente 27% de tudo que o município exportou. De onde vem esse ouro que entra nos grandes circuitos legais da financeirização da economia? Esse ouro sai, em grande medida, dos circuitos ilegais que estão destruindo a Amazônia.
A mineração destrói intensivamente a floresta, o solo e subsolo, mas ela ocorre em espaço menor, ainda que tenha uma extensão além da mina, porquê é o caso da contaminação dos rios. Já a agropecuária usa extensas áreas e o uso de agrotóxicos mata os insetos que polinizam a floresta.
Ou por outra, a plantação de soja retira cobertura vegetal, aumentando a temperatura em torno do campo de plantio e os riscos de incêndios. Essas atividades estimulam a apropriação proibido da terreno na Amazônia.
Filial Brasil: Porquê ocorre essa apropriação proibido da terreno da Amazônia?
Gilberto: O grileiro se apropria de uma terreno pública, de uma espaço de preservação ou de território indígena, e derruba a floresta de inesperado. Em seguida, vende para um segundo proprietário que sabe que a terreno é proibido pelo próprio preço de venda, que é rebaixado.
Depois de comprar, o segundo possuidor entra com o pedido de regularização fundiária dessa terreno, argumentando que a comprou de boa-fé, acreditando que era uma terreno legalizada.
Esse argumento da boa-fé serviu para regularizar propriedades griladas desde os governos da ditadura empresarial militar, com o argumento de que isso geraria segurança jurídica e impediria a grilagem de terreno. Na veras, isso estimula a grilagem na região amazônica.
Filial Brasil: Por que existe o risco de a soja prosseguir ainda mais no bioma amazônico?
Gilberto: Por que o dispêndio de transporte é elemento determinante hoje na soja. Do município de Sorriso (MT) até o Porto de Paranaguá, no Paraná, são 2,2 milénio km. Depois de embarcada nos navios, ela sobe toda a costa brasileira.
Quando essa soja é produzida cá na Amazônia, próximo à traço do Equador, ou com conexão com os rios, o dispêndio de transporte cai bastante ou chega a quase zero. É o caso da soja que está sendo produzida no Amapá, a 70 quilômetros do porto.
Ou seja, há uma redução de dispêndio brutal nesse processo e a redução eleva a rentabilidade da atividade, permitindo que o resultado chegue barato aos mercados centrais.
Fora isso, quando, por meio da Lei Kandir, o governo deixa de cobrar o ICMS sobre essa exportação, o resultado pode ser vendido por um preço inferior de seu valor, sem que a empresa perdida zero. Mas o Estado deixou de receber o que lhe caberia. Há, logo, uma transferência de valor do Brasil para as economias centrais. Vendemos mercadorias e recebemos menos do que elas efetivamente valem.
Filial Brasil: Os incêndios na Amazônia têm relação com a exploração econômica?
Gilberto: O queima é resultado desse processo de apropriação proibido da terreno e é uma lanço da exploração econômica. Durante o primeiro semestre do ano, que é o período de mais chuva, se faz a derrubada da floresta para a retirada das madeiras.
Quando começa o verão amazônico, que ocorre entre o final de junho até setembro principalmente, se toca muito queima na floresta para queimar o que se derrubou no primeiro semestre, mas não se aproveitou para a atividade madeireira. Portanto, se forma o pasto.
Ou por outra, 80% das propriedades da floresta são reservas legais que não podem ser desmatadas. O proprietário logo toca queima na floresta e diz que aquilo foi um incêndio não produzido por ele. Porquê deixou se ser floresta, ele vai utilizar a espaço para o aumento do pasto, para o plantio de soja ou outra atividade do agronegócio.
Quando você pega a distribuição do queima, você vê que a concentração está exatamente nos municípios em que mais avança o agronegócio. Porquê é o caso de São Félix Xingu (PA), que tem o maior reganho bovino do Brasil.
Porém, o que estamos vendo hoje, neste início de setembro, é um descontrole porque alguns dados de monitoramento apontam que até um terço do queima sobre a Amazônia está ocorrendo em floresta em pé, diferentemente do padrão típico que é o queima sobre floresta que foi derrubada no primeiro semestre.
Filial Brasil: O senhor diz que a Amazônia está internacionalizada no mercado global. Porquê é isso?
Gilberto: A Amazônia está internacionalizada porque os grandes ramos da produção do agronegócio e da mineração estão controlados pelas grandes empresas multinacionais em graduação internacional.
As duas maiores vegetalidade de alumina e alumínio do planeta estão no Pará e são controladas por uma empresa transnacional, que é a Hydro, de capital principalmente norueguês. O principal acionista é o governo da Noruega, que é também o principal doador do Fundo Amazônia.
A Vale do Rio Gulosice anunciou que a maior parcela do seu capital totalidade é negociada em circuitos estrangeiros, ou seja, não está nas mãos de brasileiros. Se pegarmos o transacção de grãos, principalmente soja, quem comercializa e controla esse transacção na Amazônia são as grandes transnacionais do agronegócio porquê Cargill, Bunge, ADM [Human, Pet and Animal Nutrition Company] e LDC [Louis Dreyfus Company].
Filial Brasil: Qual a exploração econômica sustentável escolha que pode beneficiar o povo brasílico?
Gilberto: Nosso duelo é entender que não necessariamente o que dá grande lucro é um tanto que beneficia o conjunto da população ou que seja necessariamente o melhor para o país e para a região.
Precisamos problematizar essa noção de desenvolvimento porquê simples expansão da economia. Historicamente, isso foi utilizado no Brasil para justificar determinadas políticas, mas o resultado foi exclusão social e o enriquecimento de uma pequena minoria.
Nesse sentido, temos experiências em curso na região amazônica que são ainda muito incipientes, mas muito ricas. A produção agroecológica, com as agroflorestas, é uma delas. Outras experiências são as atividades comunitárias, porquê a pesca do Mapará, no Rio Tocantins, onde as pessoas se juntam para pescar e o resultado é distribuído entre todos, inclusive entre aqueles que não puderam pescar.
Tem ainda a rica experiência do povo indígena Ka’apor, do Maranhão, que tem criado áreas de proteção quando identifica a ingresso de madeireiros e outros invasores. Eles constroem comunidades nas rotas dos invasores, barrando a ingresso deles. Já criaram 12 áreas de proteção, permitindo a recomposição da floresta.
Temos que ajudar a disseminar essas experiências de integração sociedade-natureza em oposição à monocultura na Amazônia. A gente tem que olhar a Amazônia com esperança, porque ela ainda é a maior concentração de material viva do planeta.
Ela conquista dióxido de carbono e cumpre papel vital para a existência da humanidade. O planeta vai continuar existindo, o que está em questão é a ininterrupção da humanidade. Nesse sentido, a Amazônia é a esperança para o planeta. E os povos que vivem na Amazônia, por meio de suas experiências, são sementes de esperança que temos que ajudar a decorrer.